sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Manuel Cruz - coitus interruptus


* Manuel Cruz

Nem nos meus tempos de ganapo, em que "ía ao peixe" com a minha mãe ao Poço dos Negros, assisti a tanta peixeirada junta. A direita, esta direita porque há outra que anda queda e muda, perdeu a cabeça e as estribeiras com a possibilidade das forças "estalinistas" tomarem o poder através de um PS que terá, nas exaltadas palavras das regateiras de serviço, abdicado da sua identidade e jorrado para o monturo 40 anos de cedências e compromissos tantas vezes molestos para Portugal e para o seu encornado povo. Agora, graças a António Costa, que quer "agarrar o poder a todo o custo", os comunistas voltaram a ter alguma, o mais certo muito pouca, influência nos destinos do País. E a direita, esta direita à direita da direita, não perdoa. Planeou, nos seus quartéis-generais, em gabinetes de guerra, a melhor forma de defrontar Costa e a besta comunista. E mais não conseguiu do que arregimentar uma dúzia de peixeirinhas de luxo que saltam de canal para canal, em horário nobre, a execrar a esquerda, a anunciar o apocalipse, a interromper o interlocutor, qualquer que ele seja, aos gritos, aos ais, aos ataques destemperados, de uma alarvidade e de um primarismo sem igual em tempos de democracia. Mas, neste festim de regateiras, não estão sós. Veja-se a triste figura que fazem os entrevistadores, cuja inclinação para a direita quase os faz cair da cadeira, interrogando sem querer saber a resposta, atacando, tentando abrir fissuras nesta "aliança" entre as esquerdas. Veja-se o papel dos comentadores, sempre os mesmos com os mesmos argumentos, a mesma verrina, o mesmo primitivismo antidemocrático. São dignos do presidente que admiram, do líder que seguem, dos Dias Loureiros e dos Duarte Limas que os precederam. São a nata da Nação. São as vendedeiras e vendilhões de mentiras, de falsas promessas, de ameaças de cataclismos iminentes se os comunistas, os social-fascistas em linguagem agora ressuscitada por uma certa "esquerda", conseguirem fazer de Portugal a Sibéria do Sul, um gigantesco gulag, um inferno na Terra. Por mim, se fosse a eles, já tinha chamado a NATO para uma invasão das nossas praias. Já tinha apelado ao Carlucci para se encontrar com Cavaco. Já tinha desenterrado as mocas de Rio Maior. Já tinha incendiado uns quantos centros de trabalho do PCP e do BE. Já tinha enchido a Alameda numa Marcha de Caçarolas perfumada a Chanel nº 5. Já tinha mandado, para um qualquer Tarrafal, Costa, Martins e Sousa. Já tinha abarrotado o Estádio Nacional de comunas, esquerdalhos e socialistas atrevidos. Já tinha ressuscitado Pinochet. Já tinha chamado, à minha divina presença, António de Oliveira Salazar. Já tinha recuado até aos anos gloriosos do Estado Novo. Mas, por enquanto, fiquemo-nos pelas regateiras. Em bacanal de arranhões, num doloroso coito finalmente interrompido. Agora sim, parece que sim, que vão sair de cima.

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