domingo, 18 de abril de 2021

Álvaro Costa de Matos - No centenário da fundação do Diário de Lisboa (1921-2021): história & memória

Foi o primeiro vespertino a publicar-se em Lisboa e por ali passou a nata do jornalismo nacional. Uma viagem pela história do Diário de Lisboa, no centenário da sua fundação.

Há mais de cem anos, a 7 de Abril de 1921 surgia o Diário de Lisboa, publicado à tarde, facto inédito na capital. Foi fundado pelo banqueiro António Vieira Pinto, um dos sócios do Banco Pinto & Sotto Mayor, mas logo no primeiro número Joaquim Manso aparece como “director, proprietário e editor”. Manso dispunha de experiência jornalística: tinha sido redactor principal do jornal A Pátria, até 1921, e colaborara em algumas revistas, como Arte e Vida (1904-1906) e Atlântida (1915-1920). Todavia, aquele seria o seu grande desafio profissional, que o notabilizaria como jornalista, escritor e ensaísta.

Após Manso, que assegurou a direcção até 1956, o Diário de Lisboa foi dirigido por Norberto Lopes (1956-1967), António Pedro Ruella Ramos (1967-1989), Mário Mesquita (1989-1990) e por Ruella Ramos novamente, até ao seu fim, em 1990. O último director deixou-nos um testemunho precioso, pois segundo ele “o jornal teve um grande sucesso e vingou, embora a partir de 1942 tivesse sofrido a concorrência do Diário Popular. Em termos gráficos, era bastante avançado porque foi um dos primeiro tablóides da Europa”.

A redacção inicial do novo vespertino de expansão nacional era composta pela nata do jornalismo da época, com nomes como Artur Portela, Carlos Ferrão, Diniz Salgado (repórter fotográfico) e Manuel Nunes. Anos mais tarde, juntaram-se ao núcleo duro Mário Neves, Rogério Perez, Maurício de Oliveira, entre outros. No final dos anos 60, a renovação da redacção foi protagonizada por Vítor Direito, que se rodeou de uma nova geração de jornalistas como, por exemplo, José Carlos de Vasconcelos, Joaquim Letria, Urbano Tavares Rodrigues, Vasco Pulido Valente, Mário Castrim, Mário Zambujal, Maria Judite de Carvalho e Fernando Assis Pacheco. Quanto à colaboração externa, literária ou artística, o Diário de Lisboa acolheu o contributo de figuras de relevo da cultura portuguesa, o que lhe valeu o epíteto de “vespertino dos intelectuais”. Nos anos 20, salientamos João de Barros, Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão e Fernando Pessoa. Nas décadas seguintes, merece destaque a colaboração de António Sérgio, José Régio, Fernanda de Castro, Ferreira de Castro, António Botto, Mário Dionísio e Alexandre O’Neill. A ligação ao meio cultural lisboeta tornou o Diário de Lisboa no vespertino favorito da classe média letrada, com tiragens de 50.000 exemplares por dia nos anos 50.   


Ilustração de João Abel Manta na capa da edição de 3 de Maio de 1974 DR

Como era da praxe jornalística, o Diário de Lisboa não deixou de dizer ao que vinha quando saiu, num contexto marcado pelos efeitos da Grande Guerra: seria um “jornal moderado”, que teria como único programa “erguer Portugal acima das misérias e das fraquezas dos homens, a fim de que ele seja para todos nós o maior facto do nosso esforço e do nosso espírito”. Um farol de “ideias” e “razões morais” para a reconstrução nacional. O editorial traduz a percepção que, à época, a imprensa tem de si própria, como a maior força social do tempo, o “quinto poder” do Estado. Os jornais acreditam que a sua intervenção no espaço público reforma mentalidades e costumes. Não servem apenas para noticiar os factos ou opinião individuais, mas sobretudo para estabelecer a boa opinião. A isso se chamava o “apostolado da imprensa”.

Com redacção na Rua do Carmo, o Diário de Lisboa assume-se como um jornal de informação geral, com particular atenção à capital (das oito páginas publicadas, duas tinham notícias de “tudo quanto Lisboa tem de magazine”) e à ilustração (o número de estreia vem com desenhos de Almada Negreiros). A presença de caricaturas e cartoons humorísticos na primeira página será uma imagem de marca do novo vespertino, que contou com a colaboração primeira de António Soares, Jorge Barradas, Stuart Carvalhaes, Silva Monteiro, Almada e, mais tarde, de Carlos Botelho e João Abel Manta. No campo do humor gráfico, entre os diários noticiosos e políticos, o Diário de Lisboa foi mesmo um dos melhores exemplos do que então se fazia.

Ao longo da sua existência, o Diário de Lisboa teve vários suplementos, mas A Mosca, coordenado por José Cardoso Pires, foi talvez aquele que mais saudades deixou. Num registo satírico, original, contou com a escrita criativa de Assis Pacheco, Maria Aurora, Letria, Luís de Sttau Monteiro, entre outros, e os cartoons de Manuel Vieira, SAM e Augusto Cid. Entre 1969 e 1975, A Mosca liderou a irreverência humorística político-social na imprensa portuguesa.

Nascido após a restauração da “República Velha”, o Diário de Lisboa conheceu cedo a acção da censura. É certo que com o fim da Grande Guerra veio também o fim da censura militar. Mas os jornais continuaram a enfrentar as mais diversas dificuldades para a sua regular publicação: apreensões, tentativas de reimpor a censura prévia e vigilância das autoridades policiais. Ao ponto de a 29 de Abril de 1922, no diário republicano A Manhã, Trindade Coelho denunciar que sob o regime republicano os jornais viviam “em completo e permanente regime de arbítrio”, vítimas de “apreensão, censura prévia e impunidade de desmandos”. Em 1925, no mês de Abril, o Diário de Lisboa e O Século não puderam circular durante vários dias. O que levou Joaquim Crisóstomo, no Senado, a criticar a censura e a suspensão destes dois jornais, afirmando que não foi para restringir a liberdade de imprensa que se implantou a República.

Durante o Estado Novo, o Diário de Lisboa manteve uma postura tão crítica quanto era possível naquele tempo, no reduzido espaço de manobra que a censura lhe permitiu. A oposição ao regime é notória sobretudo no pós-II Guerra Mundial, com a expectativa democrática criada, e nos anos 70 vai criticar abertamente o Marcelismo. No 25 de Abril de 1974, quando saiu para as bancas já a Revolução ia adiantada, dedicando-lhe sete das 28 páginas do caderno principal: fez machete com os comunicados do MFA, a rendição de Marcelo Caetano no quartel do Carmo e a assunção do poder pelo general Spínola. Os seus repórteres fizeram a história dos principais acontecimentos em Lisboa, reproduzindo o entusiasmo que se vivia nas ruas. Noticiou o desenrolar da Revolução no país, as primeiras reacções das colónias e, em nota irónica, fez título da “Falta de quórum na Assembleia Nacional” naquele dia. A edição esgotou-se, obrigando a activar as rotativas uma segunda vez.

Como qualquer jornal, o Diário de Lisboa conheceu várias crises, alterações na linha editorial e, com a nacionalização da banca, surgiram os problemas financeiros. A entrada de Mário Mesquita para a sua direcção, com um novo projecto, foi uma última tentativa de refundar o Diário de Lisboa, mas extinguiu-se uns meses depois. Morreu na “flor da idade”, como estampou na sua última edição, de 30 de Novembro de 1990. O tempo dos vespertinos tinha passado

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