* Alfredo Barroso
Agora que está na moda qualquer bicho careta «quebrar o silêncio» por dá cá aquela palha, também o vou fazer - e cuidado com os estilhaços! - para procurar compreender o relativo sucesso de André Ventura, o político português de extrema-direita que mais tenta forçar o destino achando que já CHEGA de 25 de Abril, de democracia, de pluralismo, de imigração, de ofensas ao colonialismo português e às guerras coloniais, de acusações de racismo e xenofobia, e de tantas outras ‘tropelias’ democráticas que a liberdade de expressão e o Estado de Direito dito Democrático consentem - em prejuízo de Deus, Pátria & Família, dos latifundiários e dos plutocratas. Reconhecendo um módico de talento à criatura, há que saber como se edificou, até agora, o relativo êxito de André Ventura, recorrendo a uma compilação de alguns ensinamentos colhidos sobretudo do maior dos seus mestres: Adolf Hitler.
Como é que Ventura já logrou convencer uma significativa quantidade de eleitores, por mais medíocres, grosseiros e sem talento que sejam quase todos os seus seguidores? Como é que Ventura, empoleirado numa tribuna, ou falando perante as câmaras da TV, consegue atrair apoiantes para o seu mundo fechado, prenhe de rancor, ódio, desprezo pelo semelhante e dos mais baixos instintos de vingança e exclusão de ‘outros’? Como é que Ventura convence tantos ouvintes a pensarem como ele quer que eles pensem? Adolf Hitler, o grande demagogo do século XX, dava uma resposta: pela «magia da simplificação perante a qual todas as resistências claudicam». O simples deve ser sempre o mais simplificado possível.
Vejamos um exemplo dado por alguns peritos: «O grande público sabe que A é a primeira letra do alfabeto. Se lhe explicar que B é a letra que vem imediatamente depois, parte do público já deixou de o seguir». Mais: «E se você quiser explicar que, depois de A e B, vem uma terceira letra chamada C, já mais de metade das pessoas deixaram de dar ouvidos às suas explicações. E se você quiser ir além da letra D, ainda será pior».
Conclusão a tirar: ficar só pela letra A. Reduzir ao máximo a actividade mental do «grande público». Para isso, estruturar todo o discurso à volta dum número limitado de afirmações elementares. Não é preciso que sejam brilhantes, novas ou originais. Daí, por exemplo, o recurso ao nome de Salazar – a triplicar já foi demais porque se prestou à chacota. Basta que as afirmações seduzam pela sua forma, a sua concisão. Eis alguns exemplos: o país está a ser invadido pelos imigrantes; é preciso correr com eles para as terras donde vieram; se nada for feito, será o caos, será catastrófico para Portugal; todos os políticos democratas são corruptos, e cúmplices; só eu tenho coragem de dizer a verdade, de dizer em voz alta aquilo que vocês pensam em voz baixa; só eu poderei salvar Portugal.
Há que martelar infatigavelmente estas ideias. Como dizia Gustave Le Bon: «A afirmação pura e simples, destituída de todo o raciocínio e de qualquer prova, constitui o meio mais seguro para fazer penetrar uma ideia no espírito das multidões. Quanto mais concisa ela for, mais desprovida de provas e de demonstração, mais autoridade ela terá. Os livros religiosos e os códigos de todas as épocas procederam sempre por simples afirmação».
O líder fascista francês Jean-Marie Le Pen (1928-2025), candidato na eleição presidencial de 1988, ousou recorrer a este ‘slogan’, o mais afrontosamente simplista concebível: «As minhas ideias? São as vossas!». Mais esta, tão primária: «O ‘Front National’, são vocês!». A ver se André Ventura não aproveita para o imitar: «O CHEGA, são vocês!».
Nada de meias-tintas, compromissos, nuances. Pensamento binário sempre! Há ou preto ou branco. O cinzento não existe. Há os bons e os maus. Os Portugueses e os estrangeiros. Os defensores da ordem e os fautores de tumultos. Há os fortes e os fracos. Os heróis e os cobardes. Os trabalhadores e os parasitas. Os normais e os alienados. A gente honesta e os assassinos. Os bravos soldados e os bem instalados na vida. Os homens sadios e os contagiosos. A regeneração e o declínio. Os civilizados e os bárbaros. Só há nós e eles.
Como escreveu Jean-Luc Porquet (*), «o demagogo tem a mania de catalogar tudo, mas só tem dois ficheiros: o do Bem e o do Mal». É bom o que é bom para Portugal, é mau o que é mau para Portugal. E é ele que decide. Uma simplicidade repousante. Eis o André Ventura: forte, heróico, trabalhador, soldado valente (terá ele feito a tropa?), sadio, civilizado. Instalado enfim no campo do Bem, na sua luta constante contra o Mal. Não se riam.
Hitler desenvolveu até ao mais alto ponto esta capacidade de simplificação, e orgulhava-se disso constantemente. E dizia, como relatou Hermann Rauschning: «Eu, tenho o dom de simplificar e de reconduzir os problemas ao seu dado essencial […]. Fiem-se na vossa intuição, no vosso instinto ou naquilo que quiserem, mas nunca no vosso conhecimento […]. As dificuldades só existem na imaginação». Tal faculdade de simplificação garantia a Hitler uma superioridade evidente sobre os que o rodeavam, nota Hermann Rauschning: «As banalidades, quando proferidas com uma forte convicção, agem como evidências, e nem sempre se consegue estabelecer a diferença entre as grandes ideias simples e as pequenas ideias simplistas».
À força de simplificar ideias e conceitos, os demagogos, como André Ventura, acabam muitas vezes por acreditar que a realidade também vai deixar-se simplificar, rectificar e negar. Mas Adolf Hitler, em caso de dificuldades, «deixava friamente cair os planos que ele próprio tinha elaborado e lançado, sem se preocupar com as consequências, tantas vezes ruinosas, da sua desenvoltura». E não suportava que se voltasse a falar neles.
Todas as interpretações do mundo, por mais fundamentadas que sejam, pecam por preconceitos, arbitrariedades, axiomas indemonstráveis, contradições internas, opacidades e etc, pois em toda a resposta germina sempre uma nova questão. «A asneira consiste em querer tirar conclusões definitivas», afirmava o grande escritor Gustave Flaubert. De facto, a prova da realidade acaba, regra geral, por esfumar as nossas convicções sobre o definitivo e o absoluto. Mas o demagogo crê que é possível acabar por alcançá-los, chegar até ao fim. E por isso imagina «soluções finais». Como Hitler.
(*) Jean-Luc Porquet «LE FAUX PARLER, ou l'art de la demagogie» (Éditions Balland, Paris, 1992)
Campo d’Ourique, 22 de Novembro de 2025
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