Nem três salazares conseguiriam hoje apagar da memória do povo português o dia que anunciou o fim da guerra colonial, o fim da ditadura, o fim do analfabetismo. No 25 de Abril, o povo livrou-se do regime corrupto que condenou Portugal à miséria.
Intervenção de Mariana Mortágua na sessão parlamentar que assinalou os 50 anos do 25 de Novembro
Por muito que se enfeite a tribuna com rosas brancas e cravos, esta sessão não é uma homenagem à democracia. É uma tentativa de reescrever a sua história, uma revisão do passado feita pela mão das direitas que, não conseguindo apagar o 25 de Abril, tentam amputar-lhe o sentido.
O 25 de Novembro não fundou a democracia portuguesa.
A liberdade de imprensa, o direito ao voto, os sindicatos livres, o direito à greve, as eleições democráticas, tudo isso nasceu um ano e meio antes, num processo de democratização em que o povo tomou o poder nas suas mãos e tomou o futuro.
E é isso que as novas direitas velhas não perdoam.
Foi mesmo essa a ousadia que tentaram sufocar no 11 de março e depois no 25 de novembro. Estes bravos que, 50 anos depois, querem refazer a história são os que foram derrotados por ela. A Constituição de 1976 inscreveu mesmo o socialismo como horizonte da democracia portuguesa.
Nenhum dos partidos constituintes, incluindo os que hoje dirão que a democracia nasceu em Novembro, sequer propôs, naquela altura, citar o 25 de Novembro como referência fundadora do regime democrático.
E assim fizeram porque sabiam que a democracia nasceu da revolução e não do golpe, e que mentir sobre isto seria ridículo. Hoje, só uma manifestação sai à rua, são as mulheres que lutam contra a violência machista.
Nem três salazares conseguiriam hoje apagar da memória do povo português o dia que anunciou o fim da guerra colonial, o fim da ditadura, o fim do analfabetismo.
No 25 de Abril, o povo livrou-se do regime corrupto que condenou Portugal à miséria. Os nossos heróis são Salgueiro Maia e Maria Teresa Horta, são Amílcar Cabral e Natália Correia.
A história é teimosa. A memória de um país não se molda nas reuniões de líderes parlamentares. Trazemo-la hoje para deixar aqui uma mensagem a esta direita que esperou, cobardemente, meio século para tentar rever a história de Portugal: Abril não é uma data nem uma cerimónia, não está ao vosso alcance diminuí-lo porque Abril é uma promessa viva de liberdade, de justiça e de democracia.
Celebrar o 25 de Novembro é incensar a viragem que nos afastou da ambição de uma democracia social permitindo o avanço de uma democracia de serviços mínimos. Assim cresceu uma política que desinveste, que desiste, que se encolhe perante o poder económico. Novembro é o símbolo desse abandono.
As direitas precisam de encenar toda esta solenidade para tentarem impor ao povo uma ideia simples: a de que o tempo da mudança acabou para sempre, de que a revolução que derrubou a ditadura foi um excesso, de que a democracia tem de ser a gestão conservadora da desigualdade e a garantia dos privilégios de muito poucos.
Aqueles que hoje celebram o 25 de Novembro e falam de estabilidade, sairão desta sessão para tratar da sua verdadeira prioridade do momento: impor ao povo uma nova lei laboral de precariedade e vida dura, com mais contratos a prazo, mais horas de trabalho por menos salário. A escolha entre dois empregos precários, a opção entre pagar a renda ou viver numa tenda, não é liberdade nenhuma.
A democracia não é o mero funcionamento administrativo das instituições. É o direito de cada pessoa a viver com dignidade. De uma casa, do salário justo, de poder cuidar e ser cuidado, de ter tempo para viver, de decidir sobre o futuro coletivo do país. A democracia de abril só se cumpre na vida das pessoas feita de justiça e igualdade, feita de liberdade real.
Viva o 25 de Abril.
Viva a História da Democracia Portuguesa.
https://www.esquerda.net/artigo/democracia-nasceu-da-revolucao-e-nao-do-golpe/96714
Fascismo nunca mais.
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