sábado, 14 de abril de 2012

A LUZ DA CAL AO CANTO DO LUME...faz dois anos! :) por Joaninha Duarte



a Segunda-feira, 10 de Outubro de 2011 às 21:20 ·

Um canto feito de luz e cal


A Luz da cal ao canto do lume
Tradição oral do Concelho de Mora, Joaninha Duarte, Ed. Colibri, 2009

                                                 “Conta-me contos, ama…/ Todos os contos são/ Esse dia, o
                                                   jardim e a dama/ Que eu fui nessa solidão…” Fernando Pessoa


“Dizem que”… a magia desta “luz da cal” emana do azul (a mais profunda e imaterial das cores) da capa, habitada pela bela ilustração de Danuta Wojciechowska que representa um “talego” – recipiente mágico onde cabem todos os sonhos, objecto a partir do qual a autora, Joaninha Duarte (contadora de histórias, investigadora do IELT, doutoranda em Literatura Tradicional e Ambiente) se auto-define.
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Abrimos o livro. Iniciamos a nossa viagem por esta excelente recolha do património da tradição oral do concelho de Mora (“filha” da dissertação de Mestrado concluída pela autora em 2008). Na primeira parte, é dado o ponto inicial deste magnífico bordado tecido no âmago da palavra, com as linhas que só os saberes ancestrais sabem unir e tecer. Assim, conhecemos os vectores constituintes da “memória de um povo que sabe passajar”, o seu património histórico, socioeconómico, natural, etnográfico: “há poucos velhos e muitos anciãos, porque eles decoram (e decorar é ter no coração) a vida e, ao passajá-la, oferecem-na nova e iluminada (pela luz da cal?) aos mais novos.” (p.50). Seguidamente, no capítulo II, é tempo de “acordar a palavra adormecida”, no manto de memórias, que define o concelho de Mora. São aqui apresentados os diversos e meritórios projectos que pretendem resgatar das brumas do esquecimento a comunidade da Tradição Oral, através da preciosa partilha da palavra, e que têm sequência nos “fios entrelaçados na palavra do contador”.
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Nesta esteira, a segunda parte é constituída pela recolha, subordinada ao significativo mote “Do meu Canto do Lume/vejo quanta Luz de Cal se pode ver do Universo” (p. 105).
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É precisamente nesta parte que a luz incide sobre a recolha do “Património Imaterial” do Concelho, realizada ao longo de uma década, urdindo uma “manta de retalhos”, tecida por fragmentos dos géneros da literatura popular de sete categorias distintas: Cancioneiro, Novelística (anedotas, contos, casos ou partes, histórias da vida, lendas); Paremiologia (ditos e “ditotes” expressões idiomáticas); Poesia Narrativa; Romanceiro; Saberes Etnográficos (remédios caseiros, receitas, etc.); e por último, a “Vária” (lengalengas, orações, mezinhas, etc). Deste modo, ao percorrermos estas páginas, descobrimos um autêntico “tesouro”, recheado dos múltiplos, profundos e ancestrais saberes, de experiência feitos, esculpidos pela simples magnitude da vida. É o reencontro com a magia da palavra que terá povoado as nossas infâncias, habitada por personagens como o “toiro azul”, “a cegonha e a raposa”, o “macaco do rabo cortado”, (entre tantas outras), delineadas em diversas versões, pois é como é consabido “quem conta um conto acrescenta um ponto”.
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Em suma, num tempo marcado pelo individualismo de um mundo cada vez mais prosaico, egoísta, cibernético, consumista, onde as relações humanas são cada vez mais distantes e frágeis, importa saudar este tão valoroso “talego” que resgata dos abismos do esquecimento a sábia voz popular dos anciãos, cuja palavra mágica, “ao canto lume”, acenderá, nas almas dos leitores, uma luz tecida de poesia, sabedoria e memória.

“Bem dito e louvado” o meu texto está acabado.


Dora Nunes Gago

Quem me dizia a mim que o meu alfobre azul, feito de um talego de cal e de gente, iria passear pelas mãos dos meus alunos...

 

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