sexta-feira, 20 de abril de 2012

Mia Couto - Saudade






MIA COUTO, in RAIZ DE ORVALHO E OUTROS POEMAS (Caminho, 2009)

SAUDADE

Magoa-me a saudade 
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés

Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas

Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,
tua noite sem remédio,
tua virtude, tua carência
eu, que longe de ti sou fraco
eu, que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta

Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim,
os animais que atormentam o meu sono

(1979)

*
Pintura: Mirror, de Alan Zinn


*

(CC)

Sem comentários: