Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar
Lava-a de crimes espantos
De roubos fomes terror
Lava a cidade de quantos
Do ódio fingem amor
Lava bancos e empresas
Dos comedores de dinheiro
Que dos salários de tristeza
Arrecadam lucro inteiro
Lava palácios vivendas
Casebres bairros da lata
Leva negócios e rendas
Que a uns farta e a outros mata
Leva nas águas as grades
De aço e silêncio forjadas
Deixa soltar-se a verdade
Das bocas amordaçadas
Lava avenidas de vícios
Vielas de amores venais
Lava albergues e hospícios
Cadeias e hospitais
Afoga empenhos favores
Vãs glórias, ocas palmas
Leva o poder dos senhores
Que compram corpos e almas
Das camas de amor comprado
Desata abraços de lodo
Rostos corpos destroçados
Lava-os com sal e iodo
Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar.
Manuel da Fonseca, Poemas para Adriano, 1972
Adriano Correia de Oliveira - "Tejo que levas as águas" do disco "Que Nunca Mais" (LP 1975)
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