quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

Carlos Coutinho - [Camões, Marguerite Duras e a velhice]

* Carlos Coutinho 

Por razões que facilmente se depreenderão, não gostei nada de certas considerações de Camões (que, por vezes, surge referido como Luiz de Sá de Camoens, por ser filho de uma dama de Santarém chamada Ana de Sá e Macedo),  que era parente do Gama, além de trineto envergonhado de um fidalgo de ascendência galega (Vasco Pires ou Pérez de Camoens, que lutou em Aljubarrota do lado dos castelhanos). 

   É o caso, por exemplo, do que ele pensava sobre o ocaso da vida. Porém, nem por isso resisto a transcrever da estância 9 do canto X de “Os Lusíadas”: 

   “Vão os anos descendo, e já do Estio/ há pouco que passar até ao Outono;/ a Fortuna me faz o engenho frio, / do qual já não me jacto nem me abono;/ os desgostos me vão levando ao rio/ do negro esquecimento e eterno sono.” 

      Aliás, já o velho Catão havia dito a Lélio e a Cipião, na prosódia indigesta do seu tempo e na minha abusiva tradução, que “a velhice torna a pessoa inútil à sociedade, retira-lhe as forças do corpo, priva-a dos prazeres da vida e, finalmente, traz o homem sob a permanente ameaça da iminência da morte”. E Camões, na sua comédia “El-Rei Seleuco”, escarrapachou: “Um homem velho, cansado, não tem força nem vigor, para em si sentir amor.”  Meio milénio mais tarde, era Marguerite Durras, em “O Amante”, quem vinha contar-nos: 

   “Certo dia, já na minha velhice, um homem se aproximou de mim no saguão de um lugar público. Apresentou-se e disse: "Eu a conheço há muito, muito tempo. Todos dizem que era bela quando jovem, vim dizer-lhe que para mim é mais bela hoje do que em sua juventude, que eu gostava menos de seu rosto de moça do que desse de hoje, devastado". Penso frequentemente nessa imagem que só eu ainda vejo e sobre a qual jamais falei a alguém. Está sempre lá no mesmo silêncio, maravilhosa. É entre todas a que me faz gostar de mim, na qual me reconheço, a que me encanta. Muito cedo na minha vida ficou tarde demais.”

   Convém anotar que Luís Vaz, ou de Sá, de Camões, ainda sem o til no ‘o’, nasceu no dia seguinte ao do aterrador eclipse que pôs às escuras durante algumas hora a Europa ocidental, ou seja, o menino aliviou o ventre da mãe na noite de 24 para 25 de Dezembro de 1524, num bairro periférico da já multiétnica Lisboa a que hoje chamamos Mouraria e, com 3 anos de vida, foi levado para Coimbra, onde outro parente próximo era o poderoso patrão da lídima universidade.

   Estes dados e muitos outros são colhíveis em “Fortuna, Caso, Tempo e Sorte”, uma biografia hiper documentada do poeta, que Isabel Rio Novo assina e tenho vindo a ler com agrado, mas só hoje, com grande espanto meu, reparo, por uma notícia do “Observador”, que também existe “Camões – Altos Cumes, Scabelicastro e Correlatos”, de Vítor Serrão e Mário Rui Silvestre”, obra saída nas Edições Cosmos que é pecado desconhecer – mea culpa, mea maxima culpa – que Isabel ignora calamitosamente. Vá lá saber-se porquê.  

   Confesso que o desgosto que me acomete agora é não ter sido contemplado este ano com a melhor prenda de Natal que alguém me podia pôr no sapatinho, este livro de um historiador de arte que muito prezo e muito me tem ensinado.

P.S. - Está explicado pelo próprio Vítor: o seu livro saiu depois do da Isabel.

https://www.facebook.com/carlos.coutinho.71

Sem comentários: