* Carlos Matos Gomes
Aquilo que para feitos de propaganda passou a ter a designação de Inteligência Artificial nada mais é que a aplicação de uma tecnologia para impor um domínio. Os nossos antepassados também utilizaram as suas capacidades físicas e intelectuais para afiar pedras de sílex porque estas lhes garantiam vantagens na luta contra os inimigos. Não por acaso ao longo da história os departamentos de guerra dedicaram tantos recursos a desenvolver meios tecnológicos que lhes permitissem ganhar vantagem sobre o inimigo. Um mero exemplo: o GPS é gerido pelo Departamento de Defesa dos EUA não é a voz de Inteligência Artificial que nos diz para viráramos à esquerda e direita num cruzamento é um instrumento de domínio político e social. É uma arma real, operada por dirigentes políticos reais, para atingir objetivos políticos reais pela força.
No caso dos seres humanos, que têm a perversidade como o pilar da ação para impor um domínio, o que atualmente se designa por inteligência artificial, é a versão atual da perversidade natural do homem que o leva a cumprir o seu desígnio: dominar, seja os seres da sua espécie, os das outras e o meio onde existem.
A descoberta da pólvora, da roda, do ábaco, da escrita, da bussola, do radar e do computador resultam de expansões das capacidades humanas. A fissão nuclear é uma expansão de capacidades existentes e coloca à humanidade o mesmo tipo de questão que já constava em quase todas as grandes religiões — os sistemas ideológicos: o Dilúvio, o Fogo devorador e destruidor, o Apocalipse, o Julgamento Final colocam desde o início da sua história enquanto espécie distinguível dos outros seres vivos, como os humanos se confrontam com os fenómenos naturais e que respostas lhes dão. Darwin encontrou uma resposta para a questão: os seres humanos resultaram da evolução de outros que procuraram melhores soluções de sobrevivência e domínio. Melhores defesas, melhores locais de ataque. Houve seres que voaram para as alturas, outros que mergulharam nas profundezas das grutas ou dos oceanos. Uns protegeram-se com carapaças, outros com venenos, outros com a agilidade e a velocidade. Em todo o caso, a inteligência enquanto condição de sobrevivência.
Aristóteles defendia que as coisas naturais podiam produzir mudanças dentro de si mesmas, enquanto as coisas artificiais não se podiam autoproduzir, nem existencialmente nem em mudanças, porque apenas o natural possui uma essência; o artificial apenas possui apenas matéria da qual é feito. A propriedade gerativa do artificial está na alma do artesão. Não existe inteligência artificial. Ou então somos criaturas artificiais!
Decisivo, na história do mundo que conhecemos, é saber quem controla o saber que permite impor um poder. As religiões, com os seus Criadores do Universo, foram o mais poderoso e eficaz meio de domínio da humanidade com a crença da existência (artificial) de um ente super inteligente. O computador absoluto e omnipotente. O computador que se criou a si mesmo.
Cabe interrogar se os Dez Mandamentos que segundo a narrativa bíblica foram entregues por Deus a Moisés no Monte Sinai são obra de inteligência dita natural ou artificial? Que razões levaram Deus a criar os Mandamentos, a não ser a ameaça da desobediência, ou do desprezo, ou da troca pelo Bezerro de Oiro? Deus, pela voz dos seus sacerdotes, recorreu à inteligência artificial para vencer uma ameaça e impor o seu domínio? Ou ao medo natural para obter a aceitação do seu domínio? Ou à perversidade para converter os infiéis, isto é, os que não o reconhecem?
O bem de maior valor no interior de um computador é o poder que a informação confere. Trata-se do domínio político do saber. Tão velho como o controlo do Oráculo de Delfos. Quem estava por detrás dele? Ou do espião que descobriu a brecha nas ameias do castelo, ou de Josué que com o seu exército conquistou toda a região do Negueve, da área das planícies costeiras e das montanhas escarpadas. Liquidaram toda a gente da terra, segundo a ordem do Senhor, Deus de Israel; desde Cades-Barneia até Gaza e desde a terra de Gosen até Gibeão. Tudo realizado numa só campanha, porque o Senhor, o Deus de Israel, estava a lutar pelo seu povo. Só depois disso é que as tropas de Israel, sob a chefia de Josué, regressaram ao seu acampamento em Gilgal.
Quando os atuais manipuladores da opinião colocam a metade da humanidade mais informada a discutir se existe uma inteligência natural dentro das caixas cranianas e uma artificial no interior de uma caixa de computador estão a desviar a atenção do essencial e que é o poder político e económico que a informação contida nas bases de dados confere.
O que se encontra por detrás do que o marquetingue designou como IA é o poder, é a essência da política: que grupo domina a sociedade. Todos os artefatos produzidos pela inteligência são artificiais e todos servem a imposição de um poder. Tecnologia ao serviço do poder. Política em estado puro. Nada mais do que a tecnologia resultado da inteligência se encontra embarcada num bombardeiro F35, mas também nada mais que inteligência se encontra na manobra da águia que leva o corvo até uma altitude em que ele não consegue respirar em vez de gastar energia a sacudi-lo.
A IA coloca em causa a nossa civilização. A Inteligência Artificial tem e deve ser tomada pelos cidadãos, pelos políticos e pelos atores sociais como um negócio sujeito às mesmas regras que podemos encontrar em qualquer outro em que um detentor de uma posição dominante corrompe um decisor para manter os seus privilégios. Elon Musk não é um génio da inteligência — seja natural ou artificial — é apenas um pirata que se estabeleceu num ponto dominante e o defende. Tal como George Rooke, um inglês, fez ao ocupar Gibraltar com forças anglo-holandesas em 1704. Ou como fez Afonso de Albuquerque com a estratégia de ocupação de estreitos no Índico.
Os construtores de opinião forçam-nos a acreditar que existe uma inteligência natural e uma outra artificial. A inteligência de Elon Musk ou do falecido Kissinger é natural ou artificial, e a de Trump, ou de Biden, ou de Putin, ou de Netanyahou ou de Xi Ji Ping? E que importância tem essa discussão a não ser a de nos cegar para o essencial que eles pretendem dos cidadãos: obediência e fé. Regressamos ao fundamentalismo da Idade Média. E é obediência e fé que os humanos do século XXI pretendem que os seus sistemas políticos lhes ofereçam enquanto seres dotados de inteligência? É? Fica a interrogação para os eleitores e devoradores de telejornais.
2024 12 15
https://cmatosgomes46.medium.com/intelig%C3%AAncia-artificial-e-perversidade-natural-1-5d74e3949ccc
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