Opinião
Maria Castello Branco
Comentadora política da CNN Portugal, autora do podcast Lei da Paridade
Montenegro não combate a insegurança; fabrica-a. Cria um cenário onde o medo é a norma, porque sabe que um país com medo é um país que aceita tudo — até o inaceitável.
Luís Montenegro prefere esconder-se atrás da democracia do que governar com ela. Não governa com princípios, nem com factos, muito menos com pessoas. Governa com perceções. Para o Primeiro-Ministro, o que conta não é o que é justo, legal ou eficaz. O que conta é parecer que faz alguma coisa. O resto que se ajuste ao teatro.
É o governo do “parece que”. Parece que há segurança porque encostamos dezenas de pessoas à parede. Parece que o país está protegido porque colocamos trabalhadores imigrantes e minorias na posição de alvos fáceis. Parece. Só parece.
E Montenegro admite sem hesitação: encostar pessoas à parede é importante. Com esta declaração, o primeiro-ministro faz questão de nos recordar que o seu projeto de poder não tem espaço para subtilezas. Para Montenegro, não é preciso crime. Não é preciso investigação. Basta a perceção de que alguém – que coincidentemente nunca é alguém como ele – pode ser uma ameaça.
E aqui está a verdade: isto pode acontecer a qualquer um de nós. Hoje é no Martim Moniz. Amanhã pode ser em qualquer praça, rua ou estação de metro. Pode ser contigo, com a tua família, com os teus amigos. Porque, no fim, esta política não tem rosto, não tem alvo específico – tem apenas um objetivo: o medo.
O Governo quer que aceitemos esta ideia de que a segurança pública exige sacrifícios, mesmo que esses sacrifícios incluam os nossos próprios direitos e liberdades. Quer que acreditemos que isto é normal, que ser revistado sem motivo ou tratado como suspeito é apenas o preço de viver num país “seguro”.
Mas não há nada de seguro nisto. Não há nada que impeça estas operações de acontecerem em qualquer lado, a qualquer momento, a qualquer pessoa. E é exatamente isso que as torna tão perigosas. O que Montenegro nos está a dizer, com estas ações, é que ninguém está realmente protegido. Hoje são eles, amanhã somos nós.
O problema não é só a humilhação pública de dezenas de pessoas encostadas a uma parede, sob os holofotes da polícia e os flashes das câmaras. O problema é o que isto diz sobre o país que estamos a aceitar. Somos governados por alguém que prefere o espetáculo à substância, a teatralidade da força à verdadeira proteção da sociedade.
No entanto, este episódio não é apenas sobre Luís Montenegro. É sobre o que permitimos enquanto sociedade. Estamos dispostos a viver num país onde a polícia pode encostar-nos à parede porque sim? Onde a dignidade é opcional e os direitos são descartáveis? Montenegro acredita que sim. Que basta empilhar perceções para que não reste espaço para perguntas.
Quando as pessoas encostadas já não forem as "de sempre", serão outras pessoas. E quando aceitarmos que os nossos direitos podem ser ignorados em nome de uma falsa sensação de segurança, eles já não serão direitos – serão concessões temporárias.
Montenegro não combate a insegurança; fabrica-a. Cria um cenário onde o medo é a norma, porque sabe que um país com medo é um país que aceita tudo — até o inaceitável.
E há outra questão: quem foram as pessoas encostadas à parede? Não foram criminosos conhecidos ou procurados pela polícia. Foram cidadãos comuns, pessoas que estavam no Martim Moniz a viver as suas vidas. Muitos deles imigrantes, outros apenas desafortunados o suficiente para estar no lugar errado, à hora errada, sob um Governo que decidiu fazer deles um exemplo. Montenegro usa estas pessoas como figurantes na sua narrativa de força. E fá-lo sem remorsos, porque, para ele, são números. São perceções. Não são pessoas.
No entanto, este episódio não é apenas sobre Luís Montenegro. É sobre o que permitimos enquanto sociedade. Estamos dispostos a viver num país onde a polícia pode encostar-nos à parede porque sim? Onde a dignidade é opcional e os direitos são descartáveis? Montenegro acredita que sim. Que basta empilhar perceções para que não reste espaço para perguntas.
Mas aqui está uma pergunta que importa fazer: até onde vai isto? Porque, quando a parede do Martim Moniz já não for suficiente, haverá outras. Quando as pessoas encostadas já não forem as “de sempre”, serão outras.
E, quando aceitarmos que os nossos direitos podem ser ignorados em nome de uma falsa sensação de segurança, já não serão direitos – serão concessões temporárias.
Luís Montenegro escolheu governar pelo medo, mas o país não precisa de um primeiro-ministro que encosta pessoas à parede.
Precisa de alguém que as tire de lá.
https://expresso.pt/opiniao/2024-12-21
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