Discurso, feito por Ricardo Esteves Ribeiro, jornalista, na cerimónia de entrega de prémios, no dia 10 de dezembro, no Palácio das Necessidades, em Lisboa:
“Obrigado pelo prémio. Obrigado à Comissão Nacional da UNESCO e à Estrutura de Missão para a Comunicação Social do estado português. E parabéns a todas as outras jornalistas nomeadas e vencedoras.
Desde 2021, o júri dos Prémios de Jornalismo Direitos Humanos & Integração reconhece ao Fumaça trabalho de jornalismo digno de ser homenageado. E desde 2021 reconhecemos a ironia desta entrega de prémios. O estado português e o Ministério dos Negócios Estrangeiros (dentro do qual trabalha a Comissão Nacional da UNESCO) premeiam investigações e reportagens jornalísticas que demonstram falhas do estado. “Trinta e dois e setecentos”, tal como outros trabalhos sobre saúde e doença mental, espelha o desinvestimento público reiterado nas estruturas de cuidado e prevenção de problemas psicológicos e doenças psiquiátricas.
Mas no ano passado, falámos de uma ironia ainda maior: a de o Ministério dos Negócios Estrangeiros premiar uma redação jornalística que, desde a sua génese, se foca em reportar como o projeto colonial sionista está há décadas a efetivar a limpeza étnica do povo palestiniano com o apoio ou silêncio de sucessivos governos portugueses.
Há exatamente um ano, subimos a este palanque para denunciar a cumplicidade incondicional do então governo português no genocídio em curso em Gaza. Dissemos muito claramente: “O ministro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o governo escolheram o seu lado. E têm sangue palestiniano nas mãos. Não vai ser fácil lavá-lo.”
Entretanto, o governo mudou, não a política. No passado maio, Paulo Rangel disse ao jornal El País que “seria muito injusto dizer que Israel pretende eliminar o povo palestiniano”. Nesta altura, 35 mil pessoas palestinianas tinham sido mortas em cerca de sete meses. Recusou que estaríamos a assistir a um genocídio. A entrevista foi publicada dias antes do 76º aniversário da Nakba, em que mais de 500 vilas foram destruídas e centenas de milhares de pessoas feitas refugiadas durante a criação do “estado de Israel”.
Também foi o ministro Paulo Rangel quem, há poucos meses, negou que o navio MV Kathrin, com a bandeira portuguesa hasteada, levava explosivos para armas a usar contra pessoas palestinianas. Apenas com a pressão da população foi o ministro obrigado a reconhecer esse encobrimento, que garantiria a expansão de um arsenal usado para perpetuar um genocídio. E nunca decidiu que o estado português deveria retirar proteção legal ao barco (foi a empresa a pedi-lo).
E a 7 de outubro de 2024, no aniversário do maior intensificar do genocídio palestiniano desde 1948, com mais de 40 mil pessoas palestinianas mortas, das quais pelo menos 137 são jornalistas, milhares presas sem acusação nem julgamento, tortura e raptos em massa, condições de higiene epidémicas, centenas de milhares de pessoas refugiadas, fome generalizada e uma expansão colonial na Cisjordânia, Líbano, Iraque, Iémen e Síria, Paulo Rangel decidiu passar o dia ao lado do embaixador colonial sionista.
Nunca, neste ano de mandato, Paulo Rangel sancionou o estado sionista, as empresas que lucram com ele ou boicotou a produção de armas que diretamente assassinam pessoas palestinianas.
Hoje, 10 de dezembro, é celebrado internacionalmente o Dia dos Direitos Humanos. Por isso, perguntamos: para que servem, para o governo e estado portugueses, os chamados “direitos humanos”? São muletas das quais se lembram para, de quando em vez, entregarem prémios a jornalistas? São metáforas que utilizam para enfeitar bonitas cerimónias onde batemos palmas umas às outras, como se tudo estivesse bem? Ou são parte de um projeto colonial criado para perpetuar desequilíbrios racistas e manter no poder quem é branco? Se “direitos humanos” realmente existem, então, para o governo português, só pode haver uma maneira de resolver este dilema: pessoas palestinianas não são humanas. Estão na zona do “não ser”, são bestas. E, portanto, não têm direito a direitos.
O ministro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o governo escolheram o seu lado. Têm sangue palestiniano nas mãos. Não vai ser fácil lavá-lo.
Obrigado.”
https://fumaca.pt/premio-direitos-humanos-unesco-saude-mental-palestina/
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