Número 157 · 20 de Outubro de 2010 · Suplemento do JL n.º 1045, ano XXX
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Uma «releitura da história da I República», nos planos cívico e académico, é «para já» o legado deixado pelas comemorações da implantação do regime republicano de governo em Portugal, de que se comemoram por estes dias os cem anos.
A opinião é da professora universitária Maria Fernanda Rollo, vogal da Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República (CNCCR). «Essa dimensão do património histórico, da cultura histórica e da leitura da história da I República» tem sido uma das linhas de força das comemorações, em resultado da ação da CNCCR, segundo esta professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa que desempenha as funções de comissária executiva das comemorações.
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«Há um fenómeno de descoberta deste património e desta história», sustenta. Maria Fernanda Rollo considera «inquestionável» o «contributo e o estímulo» que o centenário tem dado neste campo. «Os resultados estão a surgir todos os dias, com publicações novas em vários domínios», explica. Criada pelo governo em 2008, a CNCCR, presidida pelo antigo banqueiro Artur Santos Silva e integrada ainda pelo jornalista Sarsfield Cabral, pela docente universitária Raquel Henriques da Silva e pelo musicólogo Rui Vieira Nery, assumiu, segundo um texto relativo à sua missão, apresentado no seu sítio, que «uma das dimensões comemorativas» seria «necessariamente virada para o conhecimento do ideário republicano, dos valores que legitimaram o novo regime e dos acontecimentos e protagonistas da sua história», evitando, contudo, «uma visão passadista» e «contrapondo-lhe uma preocupação prospetiva».
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Fernanda Rollo chama a atenção que «aquilo que se tem feito é à escala nacional». «São as leituras ao nível do local e do regional, com contribuições múltiplas por todo o país, é esta noção de comemorações participadas, com conteúdos próprios, que têm sido muito enriquecedoras», segundo diz.
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De tudo isto resulta, em seu entender, que se esteja «no caminho de tentar ultrapassar um conjunto de preconceitos complexos, que tem prevalecido na leitura da história da I República», «de alguma maneira sujeita a uma dicotomia de diabolização e sacralização», que «os anos e o conhecimento histórico permite matizar um pouco».
SERENAR LEITURAS DE VELHOS CONFLITOS
Bispo do Porto, D. António de Sousa Barroso chega a Lisboa para ser interrogado, 1911. Foto Anselmo Franco, Arquivo Municipal de Lisboa |
As comemorações vieram, assim, «serenar também algumas leituras». «Veja-se o que tem acontecido no campo da apreciação das relações entre a República e a Igreja», aponta. «Há hoje uma visão bastante mais serena, sem obviamente retirar a dimensão mais radical, e violenta até, da I República, no que respeita às relações com a Igreja. Mas, por outro lado, percebendo a dimensão mais positiva da laicização do Estado e, como dizia há pouco [o bispo auxiliar de Lisboa] D. Carlos Azevedo, para além de [o bispo do Porto] D. Manuel Clemente, acaba por ser favorável à própria Igreja». Entre as temáticas que a descoberta ou redescoberta de algumas fontes permitiu reavivar, durante as comemorações, está «a questão do reconhecimento internacional» da República, «quer num primeiro momento em que os revolucionários, ainda em preparação, decidem criar uma missão para enviar para o estrangeiro e, nomeadamente, para os países mais próximos de Portugal, a começar pela Grã-Bretanha, e pela França, para sondar as potências sobre a sua aceitação» quer mais tarde, quando tudo se intensifica, com «a questão da relação do Estado com as igrejas, as relações com o Vaticano, a questão da I Guerra, a proposta de entrarmos na I Guerra e a controvérsia que isso suscita».
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«É um mundo de imensa riqueza, como de resto o próprio Magalhães Lima [jornalista e escritor republicano], em Paris, conta e que tem uma história que ainda vale a pena conhecer e explorar, porque a documentação que existe sobre esses materiais é muitíssimo rica e ainda muito por explorar».
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No plano cívico, refere que a Comissão procurou suscitar ao nível das comemorações «o debate e a reflexão sobre os valores e os ideários da República, outrora, e a sua atualização, e uma reflexão sobre o presente e sobre o futuro». Fernanda Rollo destaca aqui o tratamento dado à questão da identidade nacional, feita através da própria história dos símbolos – a bandeira, A Portuguesa – «que têm agora sido divulgados de outra forma».
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http://www.instituto-camoes.pt/encarte-jl/comemoracoes-do-5-de-outubro-novos-olhares-sobre-a-i-republica.html
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