Da esquerda para a direita, Artur Fonseca (irmão de Manuel), Luiz Pacheco e Manuel da Fonseca (em 1981).
Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP, Lisboa, Sessão Comemorativa do Centenário do nascimento de Manuel da Fonseca
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Quinta 13 de Outubro de 2011
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Com esta iniciativa, dando sequência a outras já realizadas – designadamente na Festa do «Avante!» – e antecedendo várias outras a realizar – entre elas o suplemento especial da próxima edição do «Avante!» – prosseguimos as comemorações do centésimo aniversário do nascimento de Manuel da Fonseca.
Manuel da Fonseca é uma figura relevante da história da cultura portuguesa e a sua obra literária, os seus romances, os seus contos, os seus poemas, ficarão como momentos maiores da nossa literatura.
Para nós, comunistas, ele é também o camarada, o companheiro de luta, o resistente antifascista, mas também o emérito conversador e contador de histórias – e sobretudo o amigo com o seu sorriso bom e cheio de fraternidade, que jamais esqueceremos.
Nasceu em Santiago do Cacém – Cerromaior lhe chamou no seu primeiro romance – em 13 de Outubro de 1911, faz hoje precisamente cem anos. Ali passou parte da sua adolescência, ali começou a escrever os seus primeiros poemas, às escondidas – poemas que só não ficaram desconhecidos porque uma pessoa da família, em boa hora os fez publicar num jornal local.
De Cerromaior partiu para Lisboa, onde frequentou o Liceu Camões e fez amigos – coisa que nele era simples e natural, tamanha era a sua capacidade de, com uma postura sempre franca e leal, semear e colher a amizade.
No início da década de 30, Manuel da Fonseca, a par dos diversos empregos e profissões que foi assumindo, começou a conviver com outros jovens, muitos dos quais viriam a ter presença destacada na vida política e cultural, entre eles Keill do Amaral, Maria Keill, Mário Dionísio, Alves Redol, Ferreira de Castro, Bento de Jesus Caraça, Armindo Rodrigues e Manuel Ribeiro de Pavia. Pessoas que, diria mais tarde, «tiveram uma grande influência em mim» - porque, explicou, «um homem que tem uma ideia, que a cultiva e que descobre os seus limites, descobrindo até para lá das possibilidades, convive e tem sempre um camarada extraordinário com o qual pode até não estar de acordo, mas é esse o sentido de liberdade que dá admirável eficácia à camaradagem».
Do seu primeiro livro de poemas – Rosa dos Ventos, publicado em 1940 e tendo como cenário e referência «a guerra de Espanha e a repressão do fascismo salazarista» – pode dizer-se que é o primeiro grande momento da poesia neo-realista.
No ano a seguir, integrado na poesia do Novo Cancioneiro, publica Planície – e em 1943 surgem os contos de Aldeia Nova e o romance Cerromaior; dez anos depois, o livro de contos O Fogo e as Cinzas e, como que a fechar este ciclo, em 1958 é publicado Seara de Vento – romance que, logrando passar pelas malhas cerradas da censura fascista, que desde logo o proibiu, foi lido por muitos milhares de portugueses. Também em 1958 são publicados os Poemas Completos que virão, mais tarde, a englobar a Obra Poética.
A partir dos anos 60, Manuel da Fonseca contar-nos-á Lisboa – e disso são exemplo livros como O Anjo no Trapézio e Tempo de Solidão. Mas o espaço preferencial da maior parte da Obra de Manuel da Fonseca, quer em poesia quer em prosa, é essencialmente o Alentejo. É do Alentejo que Manuel da Fonseca nos fala como nenhum outro escritor o fez – do Alentejo do latifúndio opressor e explorador; dos grandes agrários suporte do regime fascista; do trabalho de sol-a-sol; do desemprego em parte grande do ano; das jornas de miséria; da repressão brutal, das prisões, dos assassinatos.
E o povo alentejano é o protagonista principal desses seus romances e poemas: um povo em luta, organizado no seu Partido; enfrentando heroicamente a Guarda do regime e dos agrários; dizendo «não» ao fascismo; afirmando bem alto que a terra é de quem a trabalha e colocando a Reforma Agrária como objectivo maior da sua luta de todos os dias – a Reforma Agrária que viria a ser conquista maior da Revolução de Abril, aumentando a produção e acabando com o desemprego, a miséria e a fome, dando os primeiros passos no caminho de um Mundo Novo; a Reforma Agrária que as forças da contra-revolução viriam a destruir na sequência de uma brutal ofensiva que, durante 14 anos, pôs novamente o Alentejo a ferro e fogo, voltando a perseguir, a prender, a matar, trazendo de novo o desemprego, a desertificação, a miséria, a fome; a Reforma Agrária que a situação que hoje vivemos mostra concludentemente que é necessária.
No início dos anos quarenta, quando um conjunto de destacados quadros comunistas levam por diante a reorganização do Partido – a reorganização de 40/41 que, com a realização do III e do IV Congressos, respectivamente em 1943 e 1946, viria a transformar o PCP num grande partido nacional, num partido marxista-leninista, vanguarda incontestável da classe operária, no partido da resistência e da unidade antifascistas – Manuel da Fonseca passa a integrar o grande colectivo partidário comunista, na Célula dos Escritores. Por essa altura, a luta antifascista, organizada e dirigida pelo PCP, assume uma expressão relevante, o movimento democrático cresce, fortalece-se e desenvolve intensa actividade em todas as áreas da vida nacional. A grande maioria dos intelectuais portugueses – romancistas, poetas, músicos, artistas plásticos – participa activamente na luta antifascista: através da sua obra artística eles retratam, de múltiplas formas, a realidade nacional que a propaganda fascista escondia ou mistificava, e são verdadeiros porta-vozes da luta popular, das aspirações e anseios dos trabalhadores, do povo e das suas lutas.
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Na verdade, com o movimento neo-realista – que viria a marcar impressivamente a literatura portuguesa no século XX – a actividade dos escritores portugueses passa a ser parte integrante da luta de massas e as suas obras – conto, romance, poesia, teatro – constituem expressões dos anseios e aspirações dos trabalhadores e do povo.
A literatura portuguesa de então era, a um tempo, testemunho e factor do crescente isolamento do regime fascista, do qual revelava a face anticultural, opressiva e repressiva, ao mesmo tempo que exprimia a insubmissão da classes operária, dos trabalhadores e do povo. E Manuel da Fonseca afirma-se como expoente maior do neo-realismo português.
A sua assumpção da militância comunista, decorrente de uma concreta perspectiva política e social, de uma inequívoca posição antifascista e de uma clara opção pelo socialismo e pelo comunismo, é concretizada na sequência do seu convívio com outros intelectuais comunistas, designadamente Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol.
Nesse tempo, Manuel da Fonseca é um dos participantes nos célebres passeios no Tejo, organizados por Redol e por Dias Lourenço, passeios que outra coisa não eram mais do que manifestações de actividade antifascista protagonizadas por destacados intelectuais militantes e simpatizantes comunistas que, reunindo numa fragata que navegava pelo rio Tejo, iludiam a vigilância pidesca.
Mais tarde, Manuel da Fonseca viria a sofrer na pele a brutalidade da polícia política do regime fascista: era, então, Presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores e teve a ousadia de, em 1964, atribuir o Grande Prémio da Novelística a Luandino Vieira, militante do MPLA na altura preso no Tarrafal… O fascismo não podia tolerar tal atrevimento e a Sociedade Portuguesa de Escritores foi encerrada e vários dos membros da sua Direcção, entre eles Manuel da Fonseca, foram presos pela PIDE.
Do camarada que hoje aqui homenageamos, disse o camarada Álvaro Cunhal:
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«Manuel da Fonseca foi um dos grandes escritores do nosso século, extraordinário narrador de situações, enquadramentos sociais e paisagísticos, monumentos e caracteres típicos do povo português – nomeadamente do Alentejo; um intelectual visceralmente ligado ao povo ou se se preferir dizer um filho do povo cuja obra o fez um intelectual; um amigo de mais de meio século de verdadeira estima; um camarada de ideal, de partido e de luta, cuja serena convicção e confiança o acompanhou até aos últimos tempos da sua vida»
Acrescente-se e sublinhe-se que Manuel da Fonseca esteve sempre com o seu partido de sempre, o Partido Comunista Português: na resistência ao fascismo e na luta pela liberdade e pela democracia; na época exaltante da Revolução de Abril; na frente da luta por Abril, face à ofensiva da contra-revolução institucional iniciada pelo primeiro Governo PS/Mário Soares, em 1976 e que conduziu Portugal à dramática situação hoje existente, fortemente agravada no tempo actual com o pacto de agressão elaborado pela troika ocupante e aceite, servilmente, de joelhos, pela troika colaboracionista, PS, PSD e CDS/PP. Sempre com o seu partido de sempre, mesmo naquelas situações mais difíceis e complexas.
É esse homem – o escritor genial que ficará para sempre na história da Literatura Portuguesa; o cidadão exemplar que amava a vida e a verdade e detestava a hipocrisia; o amigo fraterno e solidário de todos os momentos; o militante comunista, cujo exemplo de firmeza ideológica e partidária constitui uma referência para todos os militantes comunistas – é esse homem que hoje aqui homenageamos, guardando-o, para sempre e tal como ele foi, na nossa memória, e com a consciência de que o seu nome, o seu exemplo e a sua Obra integrarão para sempre a nossa história colectiva.
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