quarta-feira, 20 de abril de 2016

Manuel António Pina - Depois

Primeiro sabem-se as respostas. 
As perguntas chegam depois, 
como aves voltando a casa ao fim da tarde
e pousando, uma a uma, no coração
quando o coração já se recolheu
de perguntas e de respostas. 

Que coração, no entanto, pode repousar
com o restolhar de asas no telhado? 
A dúvida agita
os cortinados
e nos sítios mais íntimos da vida
acorda o passado. 

Porquê, tão tardo, o passado? 
Se ficou por saldar algo
com Deus ou com o Diabo
e se é o coração o saldo
porquê agora, Cobrança,
quando medo e esperança

se recolhem também sob
lembranças extenuadas? 
Enche-se de novo o silêncio de vozes despertas, 
e de poços, e de portas entreabertas, 
e sonham no escuro
as coisas inacabadas. 

Manuel António Pina, in Poesia, saudade da prosa.
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