Do Medo
1
Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.
Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.
2
Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema
desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.
Luis Filipe Castro Mendes, in "A Ilha dos Mortos"
Não pode o poema
circunscrever o medo,
dar-lhe o rosto glorioso
de uma fábula
ou crer intensamente na sua aura.
Nós permanecemos, quando
escurece à nossa volta o frio
do esquecimento
e dura o vento e uma nuvem leve
a separar-se das brumas
nos começa a noite.
Não pode o poema
quase nada. A alguns inspira
uma discreta repugnância.
Outras vezes inclinamo-nos, reverentes, ante os epitáfios
ou demoramo-nos a escutar as grandes chuvas
sobre a terra.
Quem reconhece a poesia, esse frio
intermitente, essa
persistência através da corrupção?
Quase sempre a angústia
instaura a luz por dentro das palavras
e lhes rouba os sentidos.
Quase sempre é o medo
que nos conduz à poesia.
2
Voltando ao medo: as asas
prendem mais do que libertam;
os pássaros percorrem necessariamente
os mesmos caminhos no espaço,
sem possibilidades de variação
que não estejam certas com esse mesmo voo
que sempre descrevem.
Voltando ao medo: o poema
desenha uma elipse em redor da tua voz
e cerca-se de angústia
e ervas bravias — nada mais
pode fazer.
Luis Filipe Castro Mendes, in "A Ilha dos Mortos"
De Memória
Nunca te surpreendeu o sorriso estático
das imagens antigas? Alguma coisa aqui
tivemos de perder. Percorro dias e corpos na memória,
mas o que procuro mais é não te ver.
Quem ama quem? As máscaras trocaram-se
e a tua voz ressoa neste palco.
Trouxe versos e música para te dar,
mas o rosto que tivemos já partiu;
fiquei eu só, à beira da memória,
água do mar que não serve para beber.
Porque esta foi a paixão, o grande acto,
a tímida paixão de asas de chumbo.
Eu vi-te muitas vezes frente ao mar,
mas quem de nós para acender a cinza?
- ronda-nos a ave de presa despojada
sobre os malefícios. Aliás, coisas passadas.
Não te surpreendeu? O amor
surpreende - não convém, desarruma.
E nunca se ama ao certo quem se ama.
Procuramos apenas um brilho,
um brilho muito intenso no olhar,
um brilho que não vamos definir
e que algum dia iremos renegar.
Luis Filipe Castro Mendes, in "Modos de Música"
das imagens antigas? Alguma coisa aqui
tivemos de perder. Percorro dias e corpos na memória,
mas o que procuro mais é não te ver.
Quem ama quem? As máscaras trocaram-se
e a tua voz ressoa neste palco.
Trouxe versos e música para te dar,
mas o rosto que tivemos já partiu;
fiquei eu só, à beira da memória,
água do mar que não serve para beber.
Porque esta foi a paixão, o grande acto,
a tímida paixão de asas de chumbo.
Eu vi-te muitas vezes frente ao mar,
mas quem de nós para acender a cinza?
- ronda-nos a ave de presa despojada
sobre os malefícios. Aliás, coisas passadas.
Não te surpreendeu? O amor
surpreende - não convém, desarruma.
E nunca se ama ao certo quem se ama.
Procuramos apenas um brilho,
um brilho muito intenso no olhar,
um brilho que não vamos definir
e que algum dia iremos renegar.
Luis Filipe Castro Mendes, in "Modos de Música"
Poemas de Luis Filipe Castro Mendes:
1. Romance de Nós
2. Tentação
3. Nós não Somos deste Mundo
4. Porque é Tão Ansiosamente que Espero por Ti?
5. Sonho
6. Como um Adeus Português
7. Os Amantes Obscuros
8. Do Medo
9. De Esquecer
10. Das Palavras
11. Finda
12. Eu Digo do Amor não Mais que a Sombra
13. De Memória
14. Fim do Dia
15. Como o Coração
16. De Amor
17. Inscrição
18. Crítica da Poesia
19. Dedicatória
2. Tentação
3. Nós não Somos deste Mundo
4. Porque é Tão Ansiosamente que Espero por Ti?
5. Sonho
6. Como um Adeus Português
7. Os Amantes Obscuros
8. Do Medo
9. De Esquecer
10. Das Palavras
11. Finda
12. Eu Digo do Amor não Mais que a Sombra
13. De Memória
14. Fim do Dia
15. Como o Coração
16. De Amor
17. Inscrição
18. Crítica da Poesia
19. Dedicatória
http://www.citador.pt/poemas/a/luis-filipe-castro-mendes
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