quinta-feira, 28 de abril de 2016

Shakespeare

 

  • Filipe Diniz 


Shakespeare
Há coisas com 400 anos que permanecem inteiramente vivas. Uma delas é a obra de William Shakespeare, sobre cujo falecimento passam este ano quatro séculos.


Devemos recordar essa obra antes de tudo pelo seu incomparável valor intrínseco. Mas não é desajustado lembrar também o grande interesse com que Marx e Engels a evocaram, e como recorreram a personagens seus para sublinhar este ou aquele aspecto do comportamento e da mentalidade da burguesia em ascensão e do conflito de classes do seu tempo. Tal como, aliás, Álvaro Cunhal – que traduz o «Rei Lear» nos longos anos da segunda prisão – sublinha relativamente a uma fala em «Timon de Atenas»acerca das mutações que «o avanço económico e ideológico da burguesia inglesa» desencadeia: «o ouro que torna o preto branco, o feio bonito, o justo injusto, o sujo limpo, o cobarde valente».


Álvaro Cunhal valoriza a «obra e criatividade de um grande artista, com profundo humanismo e sentido crítico da época, assente no espírito criador do seu povo», obra que tem a«antecedê-la e inspirá-la uma longa e profunda elaboração da criatividade popular


E merece igualmente a pena recordar as belíssimas linhas com que Georgy Lukács, argumentando a crítica ao«romantismo revolucionário» na literatura, retoma Marx: «a revolução socialista já não pode, como fazia a revolução burguesa, extrair a sua poesia do passado: só ao futuro ele deve pedi-la»; […] «esta perspectiva que irradia do futuro em relação ao presente, este esplendor da perspectiva socialista, é o dever de uma crítica cada vez mais rigorosa, mais despojada, mais exigente»; […] «a poesia do futuro serve-se de meios que permitem procurar e encontrar a essência do presente, na totalidade móvel das suas verdadeiras determinações e das suas verdadeiras leis». É nesse termos que Marx se refere aos realistas, «os mais perfeitos dos escritores modernos, cuja visão se estende ao mundo inteiro e que o submetem objectivamente a uma crítica feroz – e antes de todos Shakespeare e Balzac».


É nos termos dessa «poesia do futuro» que os povos devem assumir como seu o património dos grandes poetas que deram expressão a toda a riqueza da longa caminhada humana.

http://www.avante.pt/pt/2213//140124/

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