domingo, 6 de janeiro de 2008

Ir no contrato - os primeiros textos




A primeira vez que tomei conhecimento com o termo contrato, ir no contrato, foi ao ler a peça Canto do Papão Lusitano, de Peter Weiss. Foi, igualmente, o meu primeiro conhecimento da questão colonial. A leitura do texto de Peter Weiss contribuiria, de forma determinante, para a minha posição crítica e distanciadora face à propaganda do regime quanto à nossa postura administrativa nas províncias do ultramar e a ausência de racismo nas relações entre europeus e africanos. O Canto do Papão Lusitano teve uma importância tão determinante no nosso olhar a baça realidade circundante, que o meu círculo de amigos, com o cenógrafo Ferreira d’Almeida e o actor Carlos Mourato à cabeça, resolvera, num imparável gesto de paixão cega, aos gritos surdos de revolução, já! na nossa banca de tertúlia infante do VáVá, lançar-se à tradução da versão francesa que nos chegara por diligente mão clandestina e dar-lhe forma teatral num palcozinho improvisado em armazém que ficava nas traseiras da Avenida dos Estados Unidos da América: não há gesto, por mais subversivo que se imagine que, ironicamente, não esbarre com os símbolos, mesmo os da toponímia mais geral, tendentes à destruição desses alicerces de lava. Valeu-nos, na irresponsabilidade ingénua mas generosa desta acção demolidora, os avisos fundamentados de um amigo, mais conhecedor dos processos inquisitoriais do regime contra veleidades do género, alertando-nos para o carácter suicidário do projecto. Os nossos 17/18 anos amainaram de ímpetos heróicos, a nossa cultura pequeno-burguesa retiniu em dó sustenido forte (andávamos, por esse tempo, embrulhados nas margens confusas de uma pseudo-esquerda festiva) e ficámo-nos pelo Á Espera de Godot, de Samuel Beckett, versão soft, convencidos que, também desse modo, beliscávamos sem piedade o edifício repressor do salazarismo. Ninguém deu por nós, felizmente.
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No entanto, o texto de Weiss, na clara secura da denúncia, despertou-nos para a tomada de consciência crítica sobre as questões da guerra levando-nos a reflectir sobre as razões da rebelião armada nas colónias – então, com meia dúzia de anos no activo, estando nós, jovens adolescentes, convencidos que a guerra terminaria antes de para lá nos levarem aos tombos de mala de porão e bornal seboso, desamparados e incrédulos, perdidos pelos corredores brumosos do Vera Cruz. Não terminou a tempo, como dolorosamente e na pele o haveríamos de sentir.

Denúncia do colonialismo

A denúncia do colonialismo português em África, através da poesia escrita por jovens poetas das colónias, de uma forma mais interventiva, consciente e politizada, teve início em 1953, com a publicação de uma «antologia de poesia negra de expressão portuguesa», dirigida por Francisco José Tenreiro e publicada pelo «Centro de Estudos Africanos», na qual colaboraram, entre outros, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Mário de Andrade. É igualmente nesse ano de 1953 que Alda do Espírito Santo denuncia de forma corajosa, em poemas eivados de raiva e de revolta, os trágicos Massacres de Bateja (ou de Batepá), que tiveram lugar em S. Tomé, em Fevereiro desse mesmo ano.
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Em finais da década de 50, início de 60 do século XX, a «Casa dos Estudantes do Império» começava a divulgar, de forma tímida e vigiada, os poetas e contistas africanos de expressão portuguesa mais relevantes, através de edições policopiadas. O núcleo que se congregava em torno da editora Imbondeiro, em Sá da Bandeira, dirigida por Garibaldo de Andrade, retoma em Angola o esforço divulgador iniciado pela «Casa dos Estudantes do Império», cuja acção cultural foi fortemente reprimida e suspensa pelo regime fascista, a partir de 1962.
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De grande significado político e cultural, para uma global tomada de consciência das raízes profundas da revolta contra o colonialismo, sobretudo entre os jovens intelectuais africanos, foi a publicação, em 1962, do ensaio Tomada de Posição na Literatura de Cabo Verde, de Onésimo da Silveira (nascido em S. Vicente, em 1935), no qual o autor afirma que «a literatura dos seus predecessores não poderia conduzir a uma tomada de consciência das realidades sociais de Cabo Verde». Neste texto, Onésimo da Silveira denuncia algumas posições conformistas dos intelectuais ligados à revista Claridade, entre os quais Jorge Barbosa (nascido em S. Tiago, em 1902), que recebeu em 1956 o prémio de Poesia da Agência Geral do Ultramar.
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Em 1965 é atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores, ao livro Luuanda, de Luandino Vieira, o Grande Prémio de Novelística. Esse facto levou o governo fascista a destruir e ilegalizar, de forma brutal, aquela instituição de escritores.
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Em 1969, Mário de Andrade publica em Paris, nas Edições de Pierre Jean-Oswald, a antologia La Poésie Africaine d'Expression Portugaise, acompanhada de um prefácio que enquadrava essa poesia no contexto da luta pela independência dos povos das colónias.

Bibliografia: O Canto do Papão Lusitano, de Peter Weiss
– Resistência Africana - antologia poética – Org. de Serafim Ferreira (Diabril/1975)
Documentos da Fundação Portugal-África – Univ. de Aveiro
A Guerra Colonial e o Romance Português, de Rui de Azevedo Teixeira – Ed. Notícias
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in Avante 2008.01.03

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