* Tiago Franco
Foi um daqueles dias em que tudo correu mal.
Um dos vários em que uma pessoa se levanta de
madrugada para ver o castelo de cartas a cair.
Gente desesperada no trabalho, despedimentos que
não terminam, projectos atrasados ou clientes que não aparecem. Chineses que
gritam em Xangai por mais, mais e mais. Somos apenas peças anónimas de uma
engrenagem que gera fortunas para uma minoria. Accionistas, membros da
direcção, gente dos tais mercados que nos juram ser o futuro.
Cá fora aquele frio de merda de um junho que
nunca foi de verão. Pedalar contra o vento, evitando os buracos numa cidade que
está em obras há quase 10 anos. Vai ficar um arraso de modernidade que espero
não ver.
Passo por dois cartazes dos liberais, ainda
resquícios das eleições. Um pergunta se quero as energias limpas ou o carvão
chinês? Pergunta feita numa zona onde o investimento chinês garante emprego a
milhares de pessoas. A hipocrisia é uma forma de fazer política quando se
apanha um ignorante pela frente. O outro cartaz pergunta-me se quero uma europa
democrata ou a tirania de Putin?
O que eu queria Zé Alberto (porta dos fundos -
googlem), era que não me fodessem.
Enquanto o tirano Putin andou a fazer discursos
no parlamento europeu e a vender gás e petróleo para a Europa, os eurodeputados
não estiverem muito preocupados com a tirania russa. Como não estão preocupados
com a tirania saudita ou azeri, enquanto fazemos negócios com eles.
Por outro lado...o que é que importam os 720
eurodeputados quando nem leis conseguem redigir e é aquela comissão não eleita,
com a Von der Leyen à cabeça, que vai decidindo a melhor forma de nos enterrar?
Ucrânia, Ucrânia, Ucrânia. Dia e noite, há mais
de 2 anos a ouvir que temos que apoiar esta merda. Há 28 meses que milhões de
pessoas, nas quais me incluo, trabalham dia e noite numa impotente tentativa de
compensarem a inflação, a perda do poder de compra e o aumento das taxas de
juro. O sufoco em que se transformou a luta diária para não perdermos o teto
debaixo do qual dormem as nossas famílias.
E no fim do dia lá aparecem mais uns quantos
milionários, não eleitos, que vão decidindo a continuação do sufoco. De um lado
a Lagarde a fazer o que pode para manter o jackpot para a banca mais uns anos
e, do outro, a Ursula a exigir percentagens do pib para armamento e para a
Ucrânia.
Quais idiotas úteis, vamos empobrecendo e dizendo
que sim. Achando que ao contribuir para mais mortes ucranianas, estamos a
ajudar outros que não os falcões da guerra e a indústria do armamento que, com
a banca, estão a lucrar como nunca.
Dois anos a enriquecer as farmacêuticas e os
laboratórios de análises e agora, mais dois anos para a banca e para o
armamento. No tal Ocidental civilizado, enquanto nos matamos a trabalhar para
alimentar uma elite profundamente corrupta, ainda discutimos a moralidade do
que é justo ou a certeza do que deve ser feito. Ainda ouvimos diariamente que
com mais armas, mais mortes e mais empobrecimento geral, os ucranianos vão
correr com os russos. Quando? Onde? Como? Já alguém consultou um livro de
história ou viu há quanto tempo os russos garantiram os territórios ocupados?
Alguém quer mesmo uma terceira guerra mundial por causa do Donbass, da Crimeia,
da Abecássia ou da Transnístria? Sabem sequer apontar essa merda no mapa? Ou o
nosso compasso moral contra invasores só aponta para o lado dos invadidos
louros? Se forem pretos ou mestiços, é uma luta contra o terrorismo? Estou
farto desta hipocrisia Ocidental que somos forçados a pagar.
A Alemanha oferece-se para dar uma ajuda
gigantesca na construção da Ucrânia. Não é ajuda, é criação de divida a favor
das construtoras alemãs. Tal como a "troika" que nos veio salvar e no
fim, tínhamos financeiras francesas e alemãs a meter cá dinheiro que depois
seria gasto a contribuir para as exportações alemãs e francesas. O Paulinho
Portas, versão antes de senador, explica.
Andamos sempre a lutar por migalhas enquanto
trabalhamos para enriquecer as elites. Por que raio decide o BCE o nosso
futuro? Como diria o poeta, quantos batalhões tem o BCE?
Dia e noite, uma guerra para a qual nada
contribuí, que não me sai da cabeça e não pára de me dificultar a vida. Quando
o Bugalho dizia que as armas serviam para defesa das famílias ucranianas eu
diria que, o fim dessas armas, serve para a defesa das restantes famílias
europeias. Pelo menos as famílias que não pertencem a elites e que contraíram
crédito à habitação.
A meio da batalha contra o vento passo em frente
à universidade e vejo a solidariedade com a Palestina. Envergonho-me de
imediato com o egoísmo dos meus pensamentos.
Eu e muitos europeus, lutamos com bancos e
empregadores, para não perder casas e modos de vida. Os Palestinianos não
chegam sequer a ter tempo de negociar com ninguém ou a lutar para salvar o
tecto que lhes dá guarida. Não chegam a acordar, eles e as respectivas
famílias, mortos debaixo dos escombros, a cada passagem do exército genocida de
israel.
E sempre, mas sempre, com o patrocinio do
Ocidente. O nosso, portanto.
Lembrem-se que houve quem festejasse a morte de
300 Palestinianos para resgatar 4 israelitas. 75 vidas por uma. É como
metralhar uma sala de cinema cheia para trazer uma só pessoa e no fim...cantar
vitória. Foi aqui que chegámos.
Por vezes a vida só precisa de um pouco de
perspectiva para nos fazer corar de vergonha com aquilo que julgamos ser a
injustiça.
2024 06 14
https://www.facebook.com/tiago.franco.735
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