quarta-feira, 12 de junho de 2024

O PCP e o 25 de Novembro - discurso de António Filipe



O que irrita os que pretendem contrapor o 25 de Novembro ao 25 de Abril é a profunda adesão do povo português aos valores de Abril

11 Junho 2024, Assembleia da República

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Algo de muito extraordinário deve ter acontecido para que o CDS-PP, cinquenta anos passados sobre o 25 de abril de 1974 se tenha lembrado de propor à Assembleia da República que realize sessões plenárias para assinalar os aniversários do 25 de novembro de 1975 a partir do 49.º.

Dir-se-á que o CDS-PP sempre teve vontade de o fazer e que agora dispõe de uma maioria parlamentar capaz de o viabilizar, mas isso não é verdade. O CDS poderia ter feito proposta semelhante entre 1979 e 1983 quando, em coligação com o PSD de Francisco de Sá Carneiro e de Pinto Balsemão dispunha de maioria absoluta. E poderia ter tido pretensão semelhante durante os dez anos dos Governos de Cavaco Silva. E poderia tê-lo proposto de novo, porventura com sucesso, quando entre 2002 e 2005 integrou o Governo de coligação com o PSD de Durão Barroso e Santana Lopes, mas não o fez. E mais tarde, entre 2011 e 2015, de novo coligado com o PSD e dispondo de maioria absoluta, poderia tê-lo proposto, mas, mais uma vez, não o fez.

E é agora, 50 anos passados sobre o 25 de abril e 49 anos passados sobre o 25 de novembro, que o CDS vem propor a realização de sessões solenes no 25 de novembro, quando todos sabemos a desvalorização que tem feito das sessões solenes comemorativas do 25 de Abril e quando não esquecemos que o CDS-PP não deixou de usar a COVID 19 como pretexto para que a Assembleia da República não realizasse a sessão solene do 25 de Abril. 

Esta febre neo-novembrista do CDS-PP 49 anos depois de 1975 tem um objetivo fundamental que se chama revisionismo histórico.

Aqueles que nunca se conformaram com a Revolução de Abril e com as suas conquistas nunca desistiram de tentar reescrever a História, numa tentativa de branquear a ditadura fascista que durante 48 anos oprimiu o povo português e de negar a importância histórica da Revolução democrática iniciada em 25 de Abril de 1974.

Mais do que valorizar o que aconteceu em novembro de 1975, o grande objetivo do CDS-PP é desvalorizar o que aconteceu em Abril de 1974.

Cinquenta anos passados sobre o 25 de Abril de 1974, a radicalização da direita a que temos vindo a assistir, no plano nacional e internacional, com a reabilitação do fascismo e a promoção desproporcionada das forças políticas mais saudosistas e reacionárias, tem vindo a traduzir-se em Portugal numa operação de falsificação do percurso histórico do Povo Português na sua luta pela liberdade e a democracia e de ocultação da natureza popular, democrática e progressista da Revolução de Abril e das suas conquistas.

Ao contrário do que afirmam os seus detratores, a data fundadora da democracia portuguesa foi o 25 de Abril de 1974, foi esse o “dia inicial, inteiro e limpo” a que se refere Sofia, foi nessa data que o povo português se libertou do fascismo e da repressão, conquistou a liberdade e abriu o caminho para a descolonização e para profundas transformações democráticas que marcam ainda hoje a sociedade portuguesa.

A consolidação da democracia não foi um caminho fácil. Foi preciso derrotar as tentativas golpistas para liquidar o regime democrático à nascença, como em 28 de setembro de 1974 e em 11 de março de 1975. Foi preciso sofrer as consequências da atuação da rede bombista de extrema-direita que aterrorizou o país no hipocritamente chamado “verão quente” de 1975, com os 86 atos terroristas que tiveram lugar em julho, incluindo 33 assaltos, pilhagens e incêndios de Centros de Trabalho do PCP, e em agosto, em que tiveram lugar 153 ações terroristas, das quais 82 assaltos e destruições de Centros de Trabalho do PCP e do MDP/CDE, 39 incêndios, 15 atentados bombistas e até assassinatos.

A ideia de que o golpe militar de 25 de novembro de 1975 teve como objetivo evitar que o PCP impusesse uma ditadura em Portugal não tem a mínima adesão à realidade. O que os factos documentados demonstram é que foi o PCP a principal vítima da violência política então desencadeada e que perdurou mesmo para além do 25 de novembro até ao desmantelamento da rede bombista fascizante muitos meses depois. E não há um único facto que permita desmentir que toda a atuação do PCP, antes, durante de depois do 25 de novembro, foi no sentido de encontrar uma solução política para a crise que o país atravessava que evitasse uma guerra civil e que mantivesse o país no caminho aberto pela Revolução de Abril.

O golpe militar ocorrido em 25 de novembro de 1975 levou a uma alteração profunda da correlação de forças no plano militar que alterou o rumo seguido até então pelo Movimento das Forças Armadas e que abriu o caminho para um processo contrarrevolucionário, mas aqueles que pretendem comemorar o 25 de novembro para o opor ao 25 de Abril não pretendem comemorar o 25 de novembro pelo que ele realmente foi, mas pelo que gostariam que tivesse sido.

Na verdade, após o golpe de 25 de novembro, os militares democratas, nomeadamente aqueles que tendo combatido a esquerda militar não se identificavam com a direita reacionária, tomaram consciência dos riscos que a democracia corria, percebendo que os sectores mais reacionários que se tinham aliado ao grupo dos nove pretendiam ultrapassá-lo pela direita. Essa situação levou à criação de uma nova linha de defesa da democracia, designadamente no seio das Forças Armadas e impediu que o 25 de novembro concretizasse os mais ambiciosos objetivos contra-revolucionários e liquidasse a revolução portuguesa e as suas conquistas.

O que as forças mais reacionárias gostariam de ter atingido com o 25 de novembro seria a ilegalização do PCP, mas não a conseguiram. E não só não conseguiram a ilegalização do PCP, como não conseguiram afastar o PCP do Governo, que se manteve no VI Governo Provisório até junho de 1976.

Mais: o 25 de Novembro não impediu que em 2 de Abril de 1976 tivesse sido aprovada a Constituição da República Portuguesa, tão odiada pela direita, e a que o CDS se opôs pela sua afirmada intenção de abrir caminho para o socialismo.

Mas há outras razões para que esta proposta do CDS-PP tenha aparecido agora.

Uma delas é a radicalização da direita portuguesa, com o aparecimento de forças políticas que vieram abrir um campeonato do reacionarismo no qual o CDS não quer ser o último classificado.

A outra razão, e esta sim, decisiva, foi a enorme adesão popular às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, marcada por largos milhares de pequenas e grandes iniciativas que tiveram lugar ao longo deste ano, envolvendo centenas de milhares de pessoas de todas as idades, na sua grande maioria já nascidas depois de 1974, e que teve como ponto culminante a maior manifestação de massas jamais vista no nosso país desde o 1.º de Maio de 1974 e que representa uma magnífica afirmação de apego à democracia e aos valores do 25 de Abril por parte do Povo Português.

O que irrita os que pretendem contrapor o 25 de novembro ao 25 de Abril é a profunda adesão do povo português aos valores de Abril e a determinação de os defender. Podem os saudosistas tentar reescrever e falsear a História. Não conseguirão.

Disse. 


https://www.pcp.pt/que-irrita-que-pretendem-contrapor-25-de-novembro-ao-25-de-abril-profunda-adesao-do-povo-portugues

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