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WEDNESDAY, FEBRUARY 29, 2012
“N.” de Ernesto Ferrero (Teorema)
Cláudia de Sousa Dias
Ernesto Ferrero é autor de vários romances , biografias ensaio e teatro. É, também, tradutor da obra de Gustave Flaubert e Céline, para a língua italiana. Com “N.” recebeu o Prémio Strega 2000, uma das maiores distinções literárias daquele país.
A obra de que aqui tratamos é um romance que se assemelha com características biográficas, acerca de Napoleão Bonaparte e relativo ao período de trezentos dias de exílio, na ilha de Elba.
O Autor é dono de uma escrita pautada por um discurso marcadamente diarístico, narrado pelo bibliotecário local, Martino Acquabona, de origem aristocrática e homem de saber e cultura invulgar.
A obra divide-se em capítulos, a descrever a lenta evolução dos dias que escorrem ao ritmo da insularidade local, porto de chegada e partida, quer dos ilhéus exilados quer dos estrangeiros, invasores. O porto é, assim, a principal fonte de obtenção de notícias para a Ilha e o único ponto de contacto com o exterior. Os movimentos portuários implicam sempre, de alguma forma, uma mudança na vida dos locais, marcando sempre, num ou noutro aspecto o término de um ciclo, seja para alguém em particular, seja para a população ou parte dela. À lentidão das horas que passam de forma pachorrenta nos intervalos do horário do tráfego portuário, está sempre presente o tédio e a indignação de exilados e locais, face à imposição a partir da capital, de um soberano que será a partir de então o Governador Local e cuja megalomania foi responsável pelo dizimar de toda uma geração de jovens rapazes e trabalhadores úteis.
O romance incide todo ele no exílio de Napoleão e sua corte em Elba durante os nove meses que precedem o seu desterro para Santa Helena, mais o epílogo que relata o desfecho narrado pelo sobrinho do protagonista.
Após a restauração da monarquia pelos Bourbon e a vitória de Nelson em Waterloo, Napoleão e a sua comitiva formada por generais, cortesãos, família e amigos próximos de lealdade férrea, continuam a ser uma ameaça para os vencedores: a “águia” está inquieta no seu ninho e demasiado próxima da Europa para ser inofensiva.
Martino Acquabona é o narrador e protagonista, uma personagem ficcional obcecada pela figura do mítico general. Tem o cargo de bibliotecário na Ilha, nomeado pelo próprio N., abreviatura de que se serve para despachar mais rapidamente as questões burocráticas, e que o narrador utiliza para se lhe referir no diário até mesmo para sua protecção pessoal: o mesmo diário que contém revelações algo embaraçosas para a personagem por ele biografada. Acquabona é oriundo de uma família nobre mas empobrecida e senhor de invulgar erudição, a qual também é secretamente invejada pelo general.
Na óptica deste narrador de invulgar talento literário, a comitiva de Napoleão chega à Ilha e instala-se arrogantemente, ocupando edifícios públicos ou expulsando algumas famílias ilustres das suas propriedades, pretendendo compensá-las mediante avultadas prestações pecuniárias mensais. Poderia, à primeira vista parecer um negócio vantajoso para estas famílias, mas na realidade trata-se de expropriações, já que não são apresentadas alternativas aos proprietários. Os ocupantes escolhem as melhores casas da região, pagando o respectivo aluguer, mas trata-se de uma situação que, dadas as circunstâncias, não deixa de ser humilhante para os respectivos donos. Quanto aos edifícios públicos, trata-se de ocupação pura e simples. Os membros da corte de Napoleão tornam-se os novos senhores da ilha, sempre vigiados de longe e pelo canto do olho pelos locais, que enganam o tédio a comentar os mais ínfimos detalhes do quotidiano do ex-Imperador e dos que o rodeiam, incluindo as ordens que dá, os impostos recém-criados, as mudanças de humor, as relações com amigos, inimigos, família, amantes. Tudo temperado com a proporção dada pelo rumor a apimentar a informação original. Nada escapa ao olhar de lince dos insulares, habituados a ver chegar e partir forasteiros, sabendo de antemão que, também para estes, um dia, será a vez de partir.
Mas à medida que avançamos nos capítulos, apercebemo-nos de que a relação obsessiva de amor-ódio que se estabelece entre o bibliotecário e o ex-general se agudiza gravemente com a chegada da bela e frívola Baronesa di Calabria…A partir de então, deixa de haver paz no dia-a-dia de Acquabona, incapaz de fazer frente à ordens e caprichos de N. Este continua a agir como se fosse ainda o Imperador, de facto é-o, embora só naquela Ilha, sentindo-se dono e senhor absoluto da vontade dos homens que aí habitam. E das respectivas mulheres.
Estrutura e Estilo no romance de Ferrero
A estrutura do romance de que aqui tratamos está directamente ligada ao tempo da acção, uma vez que os capítulos estão divididos em meses.
O arranque da acção dá-se com o prólogo, o qual consiste na descrição de um sonho de Acquabona em que este assassina o Imperador. O bibliotecário atribui a esta descrição o título de Reverie em forma de prólogo e cujo conteúdo consiste no verdadeiro desejo do protagonista, desejo esse que nunca chega a realizar. Ao longo da obra, o leitor, debate-se com o desejo de descobrir o motivo que despoleta tamanho ódio, sendo esta curiosidade, em grande parte, a mola que impulsiona a leitura da obra. Mas não só. À medida que se tenta decifrar as motivações para tão violenta reacção, deparamo-nos com uma estranha ambivalência de emoções por parte de Acquabona que vão desde um ódio profundo pela prepotência dos actos do ex-general, até a uma igualmente profunda admiração pelo respectivo génio e capacidade de planeamento. Mas tirando a força que assenta numa vontade de ferro e numa invulgar capacidade de cálculo e previsão, Martino Acquabona considera o novo Governador da Ilha um homem inferior, ao qual o desejo ilimitado de poder conseguiu exterminar por completo qualquer sentido de ética.
No discurso de Acquabona são transparecem as medidas tomadas pelo novo governo local, imbuídas de um estilo de liderança inequivocamente tirânico, apesar de disfarçadas com um manto de racionalidade – o despotismo, mascarado de moral, a avidez e ganância pessoais travestidas de acções direccionadas para as necessidades de desenvolvimento local, que se traduzem em avultados desvios de verbas públicas para os cofres particulares do governador e seus amigos.
A conclusão, à laia de epílogo, é-nos dada pela reflexão de Telémaco – um mês depois do desenrolar dos acontecimentos, isto é, escrita já num tempo fora do tempo da estória -, o sobrinho de Acquabona, herdeiro do Tio Martino.
A Mulher como o pomo da discórdia
Uma palavra para a personagem da Baronesa, a qual não se limita a exercer o sortilégio da própria beleza como a típica mulher fatal: a sedução advém-lhe não só dos atributos físicos, do requinte e da erudição, mas sobretudo de um desejo incomensurável de “ser livre”, dona do próprio destino. O caminho percorrido pela Baronesa revela a profunda ironia com que o Ernesto Ferrero revestiu o destino desta personagem, cujo maior desejo acaba por ser completamente mutilado ao procurar a libertação, submetendo-se à tirania do Governador.
O ritmo com que Ernesto Ferrero dota o discurso do bibliotecário Acquabona assemelha-se a uma valsa lenta: reflexivo, cheio de momentos de pausa, descritivo mas sem floreados. Não deixa, no entanto, de exprimir emoções turbulentas, fruto de um vincado sentido crítico, que lhe é dado por um misto de erudição clássica e saber científico, conhecendo em profundidade a maior parte das obras da biblioteca e de uma certa impaciência despoletada pela atitude prepotente do invasor. À mistura do racionalismo que lhe vem do conhecimento científico e da extensa cultura livresca associada à efervescência emotiva, dirigida ao ex-Imperador, ainda mais inflamada pela ardente paixão que nutre pela Baronesa, é cozinhado ao longo da trama um delicioso caldo de venenos que torna a leitura da obra irresistível. Como contraponto, o clima ameno e algo anestesianteda ilha do Mediterrâneo.
N. é assim um livro escrito para ser lido ao sabor dos dias insulares, em férias ritmadas pelo movimento de navios que acostem e partam indiferentes ao tédio das horas…
Cláudia de Sousa Dias
31.05.20
Blog d'humeur littéraire - Livres, lectures, romans, essais, critiques. La lecture comme source de plaisir, d'inspiration et de réflexion.
29.4.09
N. – Ernesto Ferrero
N, c’est Napoléon, ce monstre froid, cet orque assoiffé de sang et pour qui la vie humaine n’a pas de prix. Des morts par dizaines de milliers sur chaque champ de bataille, par millions au bout des campagnes qui n’ont eu d’autres objectifs que d’alimenter une volonté insatiable de grandeur et de puissance.
C’est ce bourreau que déteste M. Aquabono, lettré et féru de littérature française et qu’il voit débarquer sur son île d’Elbe, jusque là bien tranquille. Une île en ébullition et vite conquise, sans coup férir.
Le parti-pris de l’auteur est intéressant. Ce n’est pas au militaire, au Consul ou à l’Empereur qu’il s’adresse. C’est au petit roi déchu, émigré sous des cieux italiens, placés sous la férule des Anglais et à qui on a laissé un lopin de terre, loin de tout, pour jouer sans risques. Un épisode peu glorieux et mal connu de l’épopée napoléonienne.
Rapidement, à peine débarqué, N. n’aura de cesse que de réorganiser de fond en comble une île jusqu’ici endormie et profondément agricole. Il y mettra la même énergie et détermination qu’en toutes choses, gouvernant de façon inflexible, un objectif toujours en tête : revenir au pouvoir à Paris.
Accompagné de ceux qui lui sont resté fidèles (son fidèle Drouot en particulier), il va s’appliquer à amadouer les autochtones en les obligeant et saura parfaitement endormir la vigilance de ses geôliers par une politique active de rénovation profonde de l’île.
Ce sont des citernes d’eau qui sont mises en place, un système complet de traitement des eaux usées, des routes qui sont tracées, des palais construits, des fortifications consolidées. Une administration totale est mise sur pied ainsi qu’une marine militaire et une petite armée.
Mais N. est aussi un homme de lettres, non pas par amour (sait-il au moins ce qu’est l’amour ?), mais parce qu’il veut tout maîtriser dans l’art de la guerre : la géographie, l’histoire, les mathématiques (pour la balistique), la physique… Il lui faut donc un bibliothécaire pour s’occuper des superbes volumes qu’il a fait venir de ses bibliothèques impériales, plus ou moins au nez et à la barbe des Anglais.
C’est Aquabono qui se voit confier cette responsabilité, lui qui déteste N. pour des raisons éthiques et morales.
Mais à côtoyer le grand homme, bientôt c’est la haine intellectuelle va bientôt se transformer en authentique admiration. Celle de l’énergie inépuisable, celle de la volonté délibérée de revenir au pouvoir, le moment venu, celle du paternalisme dont N. use sans mesure pour parvenir à ses fins, celle du stratège brillant et manipulateur d’hommes, obtenant en tout, ce qu’il désire..
Comment faire quand on ne sait que servir loyalement, que l’on se prend à admirer un homme hors du commun et qu’en même temps on aimerait l’assassiner, pour protéger l’Europe de nouvelles saignées humaines ?
Pusillanime, Aquabono ne saura qu’être la proie de ses doutes, rêvant d’être celui qui aura tué le monstre. Pendant ce temps, N. réformera profondément Elbe et préparera son retour, éphémère, au pouvoir. Un homme d’esprit face à un homme brillant d’actions. U n combat perdu d’avance.
Dans ce livre à la fois d’histoire extraordinairement documenté et roman psychologique et historique, Ferrero sait nous emmener sur des chemins de traverse qui nous donne à voir Napoléon sous un jour différent et surtout, Napoléon, en tant qu’homme fait de chair et de sang, en proie à ses doutes, ses amertumes, ses regrets mais toujours tourné vers l’action, assoiffé d’avenir fait de gloire. Car il ne fur rien d’autre que cela : un mégalomane de génie, visionnaire, d’une énergie rare, au leadership que rien ne pouvait arrêter sauf son ambition dévorante.
Certes le livre, à force de détails et de minutie, est un peu long mais tout amateur d’histoire et tout passionné du grand homme, dont je suis, se doivent de lire ce roman à part.
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