domingo, 27 de janeiro de 2008

A TALHE DE FOICE - O Livro negro do comunismo


A TALHE DE FOICE
De paquete



À semelhança da Lisboa queirosiana, onde a «última moda» de Paris chegava sempre atrasada e por atacado no paquete Havre, desembarcou agora na capital portuguesa o Livro Negro do Comunismo. Chegou na bagagem de um viajante francês, que se alcandorou à cátedra de «historiador» graças a uma longa e persistente actividade de compilador de difamações anticomunistas.
Foi assim que o homem - Stéphane Courtois de seu nome - se viu promovido a coordenador do projecto de um Livro Negro do Comunismo, para o qual elaborou um prefácio de tal jaez, que vários dos investigadores que colaboraram na elaboração do livro se demarcaram publicamente das suas «conclusões».
Esclareça-se, en passant, que não foram apenas, nem sobretudo, os seus colaboradores que se demarcaram do senhor Courtois: todos os auditórios por essa Europa fora - em França, na Bélgica, na Alemanha, etc. - onde o prefaciador quis vender o seu peixe, ministraram ao palestrante uma tal corrida em osso, que o encovilaram na lastimável posição que sempre ocupou - a de um maníaco anticomunista travestido de historiador.
Quanto ao seu Livro Negro do Comunismo, acabou liminarmente sepultado na infâmia das desonestidades intelectuais, que nascem para cumprir picos de vendas e morrer vilipendiadas mas bem pagas.
Foi no bisonho crepúsculo desta aventura manhosa que o senhor Courtois, inesperadamente, recebeu novo alento editorial para o seu Livro. Chegou-lhe de Portugal, pois claro, e pela mão de um crónico épatté do anticomunismo alucinado: o inevitável José Pacheco Pereira.
E cá desembarcaram os dois, saídos dum fantasmagórico paquete Havre, com a novidade de um escaqueirado prefácio anticomunista do senhor Courtois brunido com novo prefácio do senhor Pacheco, tudo em mil páginas de português corrente e o prestimoso megafone de alguns órgãos de Comunicação Social.
E foi graças a esses órgãos de Comunicação Social que os portugueses puderam chegar à essência do pensamento deste cavalheiro, sem terem a chatice e a despesa de se confrontarem com uma verborreia de mil páginas.
Fundamentalmente, o senhor Courtois defende que comunismo e nazismo são a mesma coisa, descobrindo, para isso, que estes «dois tipos de regime» têm em comum «o princípio do chefe, a ideologia obrigatória, o partido que toma o lugar do Estado, o terror».
Perante tamanha desonestidade, assinale-se apenas o elementar: o que, sobretudo, sempre distinguiu e continua a distinguir a concepção comunista do mundo - e por isso se impôs tão profundamente no imaginário da Humanidade - foi o princípio da participação colectiva contra as chefias iluminadas e da ideologia de classe contra a hegemonia ditatorial do pensamento burguês. Foi isso que assustou o capitalismo e o imperialismo até à barbárie, nomeadamente gerando e promovendo o instrumento ideológico mais ignóbil da história dos homens na luta pelo poder - precisamente o nazi-fascismo. E, sendo verdade que se cometeram erros colossais nos chamados regimes comunistas, como a identificação do partido com o Estado, ou perversidades sinistras, como a apropriação ditatorial do poder e a repressão criminosa, nada disso retira justeza e superioridade a um sistema ideológico que continua a ser a grande alternativa para a construção de um mundo mais justo e solidário.
E é isso, afinal de contas, que continua a assustar e verdadeiramente motiva todos os senhores Courtois do planeta...
A outra coisa que o senhor Courtois advoga é que o comunismo provocou «entre 60 milhões e 100 milhões de mortos» (um «rigor histórico» que oscila entre um número e quase o seu dobro), monstruosidade que o «investigador» se esforça por explicar somando, imagine-se! os mortos de todos os genocídios cometidos contra os comunistas e os movimentos revolucionários, quer se fale dos milhões assassinados pelo capitalismo na China, por Suharto na Indonésia, por Marcos nas Filipinas, por Baptista em Cuba, por franceses e americanos no Vietname, pelo colonialismo em África, pelo neo-colonialismo na Ásia ou o imperialismo na América Latina, passando pelos genocídios cometidos por Pol-Pot e os seus «Khmers vermelhos» ou a barbárie nazi-fascista que, só na União Soviética, provocou 20 milhões de vítimas.
Com tudo isto, safam-se o senhor Courtois e o seu epígono Pacheco numa coisa - o seu livro é verdadeiramente negro: enforma-o o mais espesso obscurantismo.

Henrique Custódio

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