segunda-feira, 10 de março de 2008

DESigualdade de género nos manuais escolares: até quando?

* Teresa Alvarez

As representações de género em manuais escolares do ensino básico constituem objecto da dissertação apresentada por Paula Bento Soares do Sacramento Pereira, no âmbito do mestrado em Linguística Aplicada, na Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa. Com o título Modelados pelo discurso. Uma análise crítica das representações de género em manuais escolares do 1º ciclo, a pesquisa incide sobre seis manuais, das disciplinas de Língua Portuguesa e de Estudo do Meio, destinados ao 2º ano de escolaridade, pertencentes a três editoras e adoptados em 2000/2001.
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Do ponto de vista teórico, a autora parte do papel social e “socializante” da linguagem e das práticas discursivas, através das quais aprendemos a dizer e a pensar o que somos, enquanto indivíduos e enquanto elementos de uma mesmo colectividade, ou seja, construímos a nossa identidade individual, internalizamos os traços que nos definem como mulheres e como homens e os papéis sociais que nos cabem, de acordo com esses mesmos traços. A autora sublinha, assim, a força ideológica do que dizemos e escrevemos e o facto de serem as práticas discursivas uma forma de transmissão de valores e de crenças e, portanto, um poderoso meio, quer de reprodução e de manutenção de (pre)conceitos, quer de questionamento e de mudança dos estereótipos sociais, em particular daqueles que se prendem com a noção de pessoa, mulher ou homem, e com o que se considera que devem ser as relações sociais entre homens e mulheres.
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Procedendo primeiramente a uma análise global quantitativa dos seis manuais, ao nível da imagem e do texto escrito, a autora constata a transmissão de modelos estereotipados de mulheres e de homens, através das actividades e dos traços físicos e psicológicos associados a cada um dos sexos. Num segundo momento, Paula Pereira realiza a análise qualitativa de doze textos dos manuais de Língua Portuguesa detectando que os processos linguísticos (re)produzem uma ideologia que, ao discriminar, legitima os estereótipos de género e a desigualdade entre mulheres e homens.
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Através da análise das ilustrações e dos textos, a autora averigua, em primeiro lugar, quais os modelos de identidade social e sexual transmitidos pelos manuais analisados e o modo como as linguagens verbal e visual contribuem para manter ou mudar os estereótipos associados à feminilidade e à masculinidade. As conclusões da autora confirmam a permanência de um sexismo tanto explícito, através de representações desfasadas da realidade social actual, como implícito, mediante estereótipos do que é ser mulher ou homem, para o qual contribuem factores como a identificação das profissões no masculino, a ausência dos homens no mundo doméstico e o uso sistemático do masculino genérico. O sexismo latente dos manuais escolares passa, em grande medida, pelos efeitos da utilização do masculino genérico “já que a sua interpretação imediata é a de masculino específico” (p. 132), como lembra a autora.
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Nas ilustrações, as figuras de homens surgem em número muito superior ao das mulheres, sendo eles que, do ponto de vista visual, representam a humanidade. Simultaneamente, tanto nas ilustrações como nos textos, são atribuídas a mulheres e a homens características físicas e psicológicas que seguem de muito perto os modelos tradicionais de feminilidade e de masculinidade: eles são fortes, dinâmicos, performativos e revelam faculdades intelectuais; elas são belas, frágeis, afectivas e revelam competências relacionais. A mesma assimetria de género marca as referências às profissões que surgem protagonizadas predominantemente por homens, aos quais se associa igualmente a diversidade profissional.
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Em contrapartida, a esfera doméstica e familiar, da qual os homens estão ausentes, é identificada com o sexo feminino e nela se verifica o exercício do poder de decisão das mulheres. Somente na esfera familiar e doméstica as mulheres surgem como agentes de acção e os homens com um papel passivo e receptor, o que significa a sua desresponsabilização no espaço doméstico.
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Na sequência da revisão da literatura sobre a igualdade de género nos manuais escolares, na qual se cruzam os resultados dos estudos nacionais e dos trabalhos realizados a nível internacional, a autora conclui que os dados obtidos situam os manuais analisados na mesma linha daqueles que foram estudados em Portugal nas últimas três décadas, continuando a veicular a ideia de uma divisão dicotómica entre homens e mulheres relativamente àquilo que os/as caracteriza enquanto pessoas e às suas esferas de intervenção: a eles pertence a macro esfera do social e a elas pertence a micro esfera da família. Como refere a autora “a rápida absorção destes modelos de conduta pelas crianças leva?as depois a rejeitar (principalmente no caso dos rapazes, que se sentem empossados de uma posição privilegiada) as tarefas que consideram próprias do outro sexo” (p.133).
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Sublinhe?se ainda que a autora conclui neste estudo haver uma clara discrepância, no sistema escolar, entre o discurso legislativo e institucional, que introduziu algumas mudanças de ordem política em matéria de igualdade, e os materiais pedagógicos, nomeadamente os manuais escolares. Nem as orientações nacionais e internacionais sobre a temática da igualdade entre mulheres e homens e a sua promoção na área da educação, nem as orientações do Ministério da Educação quanto a manuais escolares, conduziram a resultados “concretos e visíveis” nos materiais pedagógicos destinados à escola, em particular nos manuais escolares. A mesma contradição ocorre entre as intenções do currículo e os programas das disciplinas que o constituem, nos quais “as referências ao género são escassas, vagas e demasiado teóricas” (p. 142) como realça a autora.
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Quanto a propostas que visem abolir o sexismo dos manuais escolares e promover a igualdade de género nos materiais e nas práticas pedagógicas, Paula Pereira sublinha a necessidade de uma alteração de atitudes a vários níveis, mencionando, entre outras linhas de acção, a formação de docentes (com vista ao desenvolvimento de uma consciência crítica na área da igualdade de género); a integração da análise crítica dos discursos na produção de manuais e a necessidade de incluir nos critérios de avaliação e selecção dos manuais o equilíbrio de género.
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O trabalho encontra?se disponível no Centro de Documentação da CIDM.
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Teresa Alvarez
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