FARIA hoje 470 anos um infeliz
rei misógino e sedento de glória que se chamava Sebastião e, ao contrário do
que Fernando Pessoa escreveu 400 anos mais tarde, foi um cadáver adiado por
pouco mais de uma década, mas nunca procriou.
No torvelinho da lendas e mitos
que entram na nossa história, teremos ficado com a memória embotada, a pontos
de nem repararmos no belo erro do poeta da “Mensagem”?
Confirme-se, então:
Louco, sim,
louco, porque quis grandeza
Qual a
Sorte a não dá.
Não coube
em mim minha certeza;
Por isso
onde o areal está
Ficou meu
ser que houve, não o que há.
Minha
loucura, outros que me a tomem
Com o que
nela ia.
Sem a
loucura que é o homem
Mais que a
besta sadia,
Cadáver
adiado que procria?
Sebastião I de Portugal e
Algarves, que encabeçou uma cruzada para Alcácer Quibir no dia 4 de agosto de
1578 e foi tema de lendas e narrativas, apelidado como "o Desejado",
“o Encoberto” e "o Adormecido", ascendeu ao trono muito jovem, com
apenas 3 anos, após a morte de seu avô, o Rei D. João III, sendo por isso,
instaurada em Lisboa uma regência durante a sua menoridade, primeiro pela sua
avó, a Rainha Catarina da Áustria e, depois, pelo seu tio-avô o cardeal D.
Henrique, o filho de rei que foi o primeiro grande chefe da Inquisição em
Portugal.
Muitas foram as hipóteses geradas
pela morte do tresloucado Sebastiãozinho, considerando algumas que o efeminado
rei cruzado não morreu durante a batalha de Alcácer Quibir, visto haver sido
raptado, pouco depois do desembarque e levado para essa cidade mourisca e
providencial.
O que é certo é que ele começou a
governar com apenas 17 anos e logo se lançou na sua aventura africana, assim
fornecendo a diversos tipos de portugueses a inebriante e salvífica crença de
que haveria de regressar à pátria numa manhã de nevoeiro como a que tenho neste
momento à beira-Tejo.
Mas lendas, crenças e
mistificações patrioteiras é o que mais abunda nos programas escolares de
antigamente e mesmo na cabeça de muitos professores em exercício.
A própria cidade de Lisboa ainda
é geralmente apregoada como uma conquista do fogoso príncipe vimaranense filho
da Tareja condessa portucalense, depois de uma conversa tida algures com um
Cristo enorme rodeado de anjos, num dos vários Ouriques que havia a norte e a
sul do Tejo.
É pena que assim continuemos, já
que algo idêntico se passa com a velhíssima cidade de Lisboa, sendo certo que
até nas universidades e academias é geral a ignorância sobre a criação fenícia
da Alis Ubo (Enseada Amena), topónimo que calcorreou um milenar percurso
fonético até estanciar com a designação atual.
Só que teve de passar pelo nome
romano de Felicitas Julia Olisipo, pelo árabe Al-ashbuna e pelo Lyxbone, como
aparece na carta intitulada “De repugnatione lyxbonensi”, assinada pelo erudito
cruzado britânico Osberno, um eclesiástico amante de lanças e espadas, e se
encontra no acervo na Universidade de Cambridge, tal como outra, mais sucinta,
subscrita por Arnulfo, também cruzado no cerco, conquista e saque de Lisboa.
Em 1147, quando os predadores, a
caminho de novas rapinas, seguiram para oriente, entregaram a Afonso Henriques,
o catolicíssimo rei minhoto, filho de uma autoproclamada rainha e neto de um
conde francês, uma urbe formidavelmente evoluída com cerca de 20 mil
residentes.
Muitos lhe chamavam então
qualquer coisa parecida com Lisboa, designação que frequentes vezes aparece nos
documentos na forma abreviada de Lx.
Felizmente, é já vasta e muito
saudável a historiografia atual em que me foi possível escabichar a matéria
deste meu descontraído apontamento.
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