domingo, 21 de janeiro de 2024

Carlos Coutinho - Cadáveres adiados

Carlos Coutinho

2024 01 20

FARIA hoje 470 anos um infeliz rei misógino e sedento de glória que se chamava Sebastião e, ao contrário do que Fernando Pessoa escreveu 400 anos mais tarde, foi um cadáver adiado por pouco mais de uma década, mas nunca procriou.

No torvelinho da lendas e mitos que entram na nossa história, teremos ficado com a memória embotada, a pontos de nem repararmos no belo erro do poeta da “Mensagem”?

Confirme-se, então:

Louco, sim, louco, porque quis grandeza

Qual a Sorte a não dá.

Não coube em mim minha certeza;

Por isso onde o areal está

Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem

Com o que nela ia.

Sem a loucura que é o homem

Mais que a besta sadia,

Cadáver adiado que procria?

Sebastião I de Portugal e Algarves, que encabeçou uma cruzada para Alcácer Quibir no dia 4 de agosto de 1578 e foi tema de lendas e narrativas, apelidado como "o Desejado", “o Encoberto” e "o Adormecido", ascendeu ao trono muito jovem, com apenas 3 anos, após a morte de seu avô, o Rei D. João III, sendo por isso, instaurada em Lisboa uma regência durante a sua menoridade, primeiro pela sua avó, a Rainha Catarina da Áustria e, depois, pelo seu tio-avô o cardeal D. Henrique, o filho de rei que foi o primeiro grande chefe da Inquisição em Portugal.

Muitas foram as hipóteses geradas pela morte do tresloucado Sebastiãozinho, considerando algumas que o efeminado rei cruzado não morreu durante a batalha de Alcácer Quibir, visto haver sido raptado, pouco depois do desembarque e levado para essa cidade mourisca e providencial.

O que é certo é que ele começou a governar com apenas 17 anos e logo se lançou na sua aventura africana, assim fornecendo a diversos tipos de portugueses a inebriante e salvífica crença de que haveria de regressar à pátria numa manhã de nevoeiro como a que tenho neste momento à beira-Tejo.

Mas lendas, crenças e mistificações patrioteiras é o que mais abunda nos programas escolares de antigamente e mesmo na cabeça de muitos professores em exercício.

A própria cidade de Lisboa ainda é geralmente apregoada como uma conquista do fogoso príncipe vimaranense filho da Tareja condessa portucalense, depois de uma conversa tida algures com um Cristo enorme rodeado de anjos, num dos vários Ouriques que havia a norte e a sul do Tejo.

É pena que assim continuemos, já que algo idêntico se passa com a velhíssima cidade de Lisboa, sendo certo que até nas universidades e academias é geral a ignorância sobre a criação fenícia da Alis Ubo (Enseada Amena), topónimo que calcorreou um milenar percurso fonético até estanciar com a designação atual.

Só que teve de passar pelo nome romano de Felicitas Julia Olisipo, pelo árabe Al-ashbuna e pelo Lyxbone, como aparece na carta intitulada “De repugnatione lyxbonensi”, assinada pelo erudito cruzado britânico Osberno, um eclesiástico amante de lanças e espadas, e se encontra no acervo na Universidade de Cambridge, tal como outra, mais sucinta, subscrita por Arnulfo, também cruzado no cerco, conquista e saque de Lisboa.

Em 1147, quando os predadores, a caminho de novas rapinas, seguiram para oriente, entregaram a Afonso Henriques, o catolicíssimo rei minhoto, filho de uma autoproclamada rainha e neto de um conde francês, uma urbe formidavelmente evoluída com cerca de 20 mil residentes.

Muitos lhe chamavam então qualquer coisa parecida com Lisboa, designação que frequentes vezes aparece nos documentos na forma abreviada de Lx.

Felizmente, é já vasta e muito saudável a historiografia atual em que me foi possível escabichar a matéria deste meu descontraído apontamento.

https://www.facebook.com/carlos.coutinho.7186896/posts/pfbid0f7hs8h6asmJhyMCBLbCxtbb2CqxZECVMC2UBASidRCdmq3SMThsrFqkx8jrVE2eXl?


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