Rogério
Charraz, José Fialho Gouveia, Joana Alegre e João Afonso são os rostos deste
espectáculo que resgata da sombra figuras da resistência e do 25 de Abril. A
estreia é esta segunda-feira.
28 de Janeiro
de 2024, 20:05
Foto
Rogério
Charraz, José Fialho Gouveia, Joana Alegre e João Afonso: os rostos não
anónimos dos Anónimos de Abril LUÍS FILIPE CATARINO
Sabem quem foi
Aurora Rodrigues? Belmira Gonçalves? Francisco Miguel Duarte? Albina Fernandes?
Jorge Alves? Luís e Herculana Carvalho? João Arruda? As suas vidas estão
ligadas à resistência contra o Estado Novo e ao 25 de Abril, mas os seus nomes
permanecem desconhecidos para a quase totalidade dos portugueses. É deles, e de
outros como eles, que nos fala (e canta) Anónimos de Abril, em
estreia esta segunda-feira no Tivoli BBVA (21h), em Lisboa. O espectáculo, inserido
nas comemorações dos 100
anos do Teatro Tivoli, vai ser gravado pela RTP, para posterior
transmissão.
O projecto de
Rogério Charraz e José Fialho Gouveia, com as participações de Joana Alegre e
João Afonso (vozes) e dos músicos Alexandre Frazão (bateria), Carlos Garcia
(piano), Marco Reis (guitarra) e Nuno Oliveira (baixo), surgiu quando o cantor
e compositor viu num texto de uma rede social a história de Celeste Caeiro,
recorda ao PÚBLICO. "Já conhecia o nome, sabia que começou por dar um
cravo a um militar, mas a maior parte dos portugueses está convencida de que
era florista, quando de facto ela trabalhava num restaurante que fazia um ano
no dia 25 de Abril [de 1974].”
Ele próprio não
conhecia a história e isso aguçou-lhe ainda mais a curiosidade. “Quando dei por
mim a deliciar-me com ela, pensei que deve haver muitas pessoas que tiveram um
papel simbólico ou até fundamental na resistência ou na revolução e que não são
muito faladas de cada vez que se celebra o 25 de Abril. Foi esse o ponto de
partida para este Anónimos de Abril: ir à procura de histórias
enterradas ou guardadas na gaveta.”
O passo
seguinte foi falar com José Fialho Gouveia, que já havia colaborado com Rogério
Charraz, como letrista, nos discos O Coreto (2021) e Reunião de Condomínio (2023), para combinar uma
ida aos arquivos, tarefa que começou a ser feita a dois.
“Fomos
encontrando histórias”, diz José Fialho Gouveia. “Falámos com pessoas que nos
passaram figuras que podiam encaixar neste projecto e fomos construindo uma
lista que depois tivemos de ir encurtando. Quisemos diversidade: não queríamos
quatro ou cinco exemplos cujo aspecto central fosse a vida na clandestinidade;
quisemos equilíbrio entre homens e mulheres, porque o 25 de Abril também
foi feito por muitas mulheres, embora os nomes mais conhecidos sejam de
homens; e quisemos regiões diferentes do país.”
O compositor
acrescenta: “No caso das mulheres, tivemos também a preocupação de não ir
buscar apenas as que eram de facto apoio de homens, como a Arajarir Campos
[secretária de Humberto
Delgado, morta pela PIDE na mesma emboscada em que ele foi assassinado, em
Fevereiro de 1965], mas mostrar os vários papéis que tiveram.”
Arajarir está
entre os “anónimos” aqui cantados. Tal como, entre vários outros, Belmira
Gonçalves, morta a tiro durante a “Revolta das Águas” na Madeira, em 1962; o
Padre Alberto Neto, fundamental na vigília
da Capela do Rato; Jorge Alves, o militar da GNR que ajudou na célebre fuga
dos presos do Forte de
Peniche; Francisco Sousa Mendes, neto do cônsul Aristides Sousa Mendes, que
integrou a coluna de Salgueiro Maia; Aurora
Rodrigues, estudante presa em 1973 e torturada durante três meses; ou o
casal Luís
e Herculana Carvalho. De uma família abastada do Porto, estes pais de um
destacado militante do PCP, Guilherme da Costa Carvalho, conseguiram
autorização para visitar o filho na colónia penal do Tarrafal. Ali tiraram
fotografias às campas dos prisioneiros mortos e no regresso percorreram o país
a entregar as imagens aos familiares dos detidos.
Recolhidas as
histórias, foi a vez das canções. “O processo foi o mesmo que usámos nos dois
discos anteriores”, conta Rogério Charraz. “Partir da história, da personagem,
fazer a letra – um trabalho do Zé, depois de aprofundar a pesquisa inicial, ao
ler os livros, conhecer as histórias a fundo, os pormenores –; em cima das
letras, eu construí as canções e os arranjos, para depois meter as vozes,
minha, do João e da Joana.”
Os cantores
foram já escolha de ambos. “Na minha cabeça, há um lado colectivo no canto de
intervenção”, explica o compositor. “Os cantautores cantavam muitas vezes
juntos, com as suas guitarras e as suas vozes, e isso está muito
presente no nosso imaginário. Fazia sentido ir buscar outras vozes,
[aliás] com ligações familiares a figuras da resistência: a Joana é filha de Manuel Alegre e o João é sobrinho do José Afonso.”
Depois dos
palcos, um disco
Joana Alegre
aceitou o convite antes de ouvir as canções, mas o que leu e ouviu deixou-a
tranquila: “Agradou-me muito a perspectiva literária, transversal, não
panfletária, igualitária, de contar a história de pessoas anónimas que também
construíram a liberdade”, diz.
“Esta narrativa
corrige um bocadinho aquela de que as mulheres ficaram reféns, e que menorizava
o seu papel na resistência e na construção da liberdade", sublinha a
cantora. "Há aqui histórias muito sensíveis, porque estamos a entrar no
plano dos traumas individuais, do sofrimento pessoal, mas as letras foram
feitas pelo Zé Fialho com muito cuidado.”
João Afonso
corrobora: “Também aceitei o desafio sem conhecer os poemas, mas a ideia em si
atraiu-me logo – porque é muito interessante a abordagem. O 25 de
Abril que conhecemos foi feito por oficiais, homens, mas estas histórias vão
mais além, falam do trabalho de resistência escondido, de personagens que não
vêm nos livros escolares.”
Após a estreia
do espectáculo em Lisboa, há já mais oito datas marcadas, além de outras ainda
à espera de confirmação: Portimão (16 de Março), Montijo (6 de Abril), Fafe (19
de Abril), Vila do Conde (20 de Abril), Santa Maria da Feira (24 de Abril, com
a Orquestra Sinfónica de Jovens), Barcelos (27 de Abril), Grândola (21 de
Setembro) e Loulé (26 de Outubro). Anónimos de Abril deverá
ainda dar lugar a um CD, a lançar em 2025.
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