quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Nuno Gomes dos Santos - Ruy Mingas: o bom camarada

 

* Nuno Gomes dos Santos

Ruy Mingas foi des­por­tista, pro­fessor, mú­sico, po­lí­tico e di­plo­mata


Muita gente conhece a canção Me­ninos de Hu­ambo («os meninos à volta da fogueira…»), mas poucos sabem que essa cantiga, que Paulo de Carvalho divulgou amplamente e com grande sucesso, foi escrita pelos autores… do Hino Nacional de Angola! Vem isto a propósito da homenagem que aqui se quer prestar a Ruy Alberto Vieira Dias Rodrigues Mingas, que conhecemos como Ruy Mingas, angolano que se notabilizou como atleta (foi recordista de salto em altura, em Portugal, em 1960), músico e político.

Um dia apa­receu no pro­grama Zip-Zip (de Carlos Cruz, Raul Sol­nado, Fi­alho Gou­veia e José Nuno Mar­tins, RTP, 1969), que foi ino­vador na te­le­visão por­tu­guesa e re­velou ta­lentos (Ma­nuel Freire, Fran­cisco Fa­nhais, José Ma­nuel Osório, In­troito, Pedro Bar­roso e José Ba­rata Moura, por exemplo, jun­tando-lhes To­nicha ou Le­nita Gentil) da canção que por cá se pra­ti­cava. Ruy Mingas es­tava lá, atento ao con­selho que Carlos «Liceu» Vi­eira Dias, seu tio e grande per­cursor da nova canção an­go­lana, lhe dera: «cul­tiva o teu ou­vido mu­sical.» Grande êxito e, desde logo, uma car­reira de cantor e grande di­vul­gador da canção de raízes an­go­lanas, que ca­mi­nhavam de braço dado com ideias po­lí­ticas pro­gres­sistas e em­pe­nhadas na de­núncia do co­lo­ni­a­lismo e na luta do povo an­go­lano, no seu caso a luta do MPLA.

Mingas mu­sicou e in­ter­pretou, num exemplo que sin­te­tiza o que se acaba de es­crever, o poema Mo­nan­gambé (em kim­bundu, «filho de es­cravo», que tra­balha no duro e leva «por­rada se re­filar»), de An­tónio Ja­cinto («Na­quela roça grande / não tem chuva / é o suor do meu rosto / que rega as plan­ta­ções (…). Quem faz o branco pros­perar? Mo­nan­gambé!»).

Pode dizer-se que Ruy Mingas, en­quanto mú­sico, es­creveu as suas pró­prias can­ções e mu­sicou po­emas de grandes po­etas an­go­lanos, como Agos­tinho Neto e Vi­riato da Cuz, para além do já ci­tado An­tónio Ja­cinto. O que cul­minou na canção he­róica que compôs com base num poema de Ma­nuel Rui Mon­teiro – An­gola Avante! – e que foi es­co­lhida como Hino da An­gola.

Sempre muito li­gado a Por­tugal, Mingas deu aulas de Edu­cação Fí­sica na Es­cola D. An­tónio da Costa, em Al­mada. Era, por al­turas do 25 de Abril, o prin­cipal membro do corpo di­plo­má­tico do MPLA, de­sem­pe­nhando im­por­tante papel nas ne­go­ci­a­ções pela in­de­pen­dência an­go­lana com os ofi­ciais do MFA.

Em An­gola foi se­cre­tário de Es­tado para a Edu­cação Fí­sica e Des­porto, com es­ta­tuto de mi­nistro, e acabou por ser mi­nistro du­rante dez anos, após os quais foi no­meado em­bai­xador de An­gola em Por­tugal, cargo que exerceu entre 1989 e 1995 e que es­teve na origem da con­de­co­ração – Grã-Cruz da Ordem do In­fante D. Hen­rique – com que foi agra­ciado.

Em 2014 a So­ci­e­dade Por­tu­guesa de Au­tores dis­tin­guiu-o com o Prémio Autor In­ter­na­ci­onal.

Du­rante as suas an­danças pelo nosso país, longe ainda de so­nhar atingir o topo da sua car­reira pro­fis­si­onal, que na mú­sica quer na po­lí­tica, o Ruy Mingas era um amigo di­ver­tido, ta­len­toso, dono de uma voz pro­funda e de uma não menos pro­funda de­ter­mi­nação em lutar pelos seus ideais.

No Zip-Zip e nos tempos que se lhe se­guiram, to­cando e can­tando so­zinho ou, como no seu se­gundo álbum, por exemplo, acom­pa­nhado pelo seu irmão André, pelo per­cus­si­o­nista francês Da­niel Louis, com o bra­si­leiro Marcos Re­sende ao piano e a di­recção mu­sical de Thilo Kras­mann, era um foco de ale­gria e boa dis­po­sição, ex­ce­lente con­ver­sador e amigo do seu amigo.

Di­gamos que Ruy Mingas era, também na in­ti­mi­dade, o que sempre foi na vida, em todas as acep­ções da pa­lavra: um bom ca­ma­rada!

 

https://avante.pt/pt/2615/argumentos/174261/Ruy-Mingas-o-bom-camarada.htm

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