* Nuno Gomes dos Santos
Ruy Mingas foi desportista,
professor, músico, político e diplomata
Um dia apareceu no programa
Zip-Zip (de Carlos Cruz, Raul Solnado, Fialho Gouveia e José Nuno Martins,
RTP, 1969), que foi inovador na televisão portuguesa e revelou talentos
(Manuel Freire, Francisco Fanhais, José Manuel Osório, Introito, Pedro Barroso
e José Barata Moura, por exemplo, juntando-lhes Tonicha ou Lenita Gentil)
da canção que por cá se praticava. Ruy Mingas estava lá, atento ao conselho
que Carlos «Liceu» Vieira Dias, seu tio e grande percursor da nova canção angolana,
lhe dera: «cultiva o teu ouvido musical.» Grande êxito e, desde logo, uma
carreira de cantor e grande divulgador da canção de raízes angolanas, que
caminhavam de braço dado com ideias políticas progressistas e empenhadas
na denúncia do colonialismo e na luta do povo angolano, no seu caso a
luta do MPLA.
Mingas musicou e interpretou,
num exemplo que sintetiza o que se acaba de escrever, o poema Monangambé (em
kimbundu, «filho de escravo», que trabalha no duro e leva «porrada se refilar»),
de António Jacinto («Naquela roça grande / não tem chuva / é o suor do meu
rosto / que rega as plantações (…). Quem faz o branco prosperar? Monangambé!»).
Pode dizer-se que Ruy Mingas, enquanto
músico, escreveu as suas próprias canções e musicou poemas de grandes poetas
angolanos, como Agostinho Neto e Viriato da Cuz, para além do já citado António
Jacinto. O que culminou na canção heróica que compôs com base num poema de
Manuel Rui Monteiro – Angola Avante! – e que foi escolhida
como Hino da Angola.
Sempre muito ligado a Portugal,
Mingas deu aulas de Educação Física na Escola D. António da Costa, em Almada.
Era, por alturas do 25 de Abril, o principal membro do corpo diplomático
do MPLA, desempenhando importante papel nas negociações pela independência
angolana com os oficiais do MFA.
Em Angola foi secretário de Estado
para a Educação Física e Desporto, com estatuto de ministro, e acabou por
ser ministro durante dez anos, após os quais foi nomeado embaixador de Angola
em Portugal, cargo que exerceu entre 1989 e 1995 e que esteve na origem da
condecoração – Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique – com que foi agraciado.
Em 2014 a Sociedade Portuguesa
de Autores distinguiu-o com o Prémio Autor Internacional.
Durante as suas andanças pelo
nosso país, longe ainda de sonhar atingir o topo da sua carreira profissional,
que na música quer na política, o Ruy Mingas era um amigo divertido, talentoso,
dono de uma voz profunda e de uma não menos profunda determinação em lutar
pelos seus ideais.
No Zip-Zip e nos tempos que se lhe
seguiram, tocando e cantando sozinho ou, como no seu segundo álbum, por
exemplo, acompanhado pelo seu irmão André, pelo percussionista francês Daniel
Louis, com o brasileiro Marcos Resende ao piano e a direcção musical de
Thilo Krasmann, era um foco de alegria e boa disposição, excelente conversador
e amigo do seu amigo.
Digamos que Ruy Mingas era,
também na intimidade, o que sempre foi na vida, em todas as acepções da palavra:
um bom camarada!
https://avante.pt/pt/2615/argumentos/174261/Ruy-Mingas-o-bom-camarada.htm
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