05.01.24 | Manuel
Crónica escrita em Janeiro de 2014, em último ano do governo PSD/CDS/PP, denunciando a política de austeridade e de compra da paz social, muito semelhante à que se seguiu com o governo da geringonça mas este em versão mais mitigada. A história tende a repetir-se.
O ano de 2013 terminou com a privatização dos CTT, ficando como sócio privado maioritário o banco norte-americano Goldman Sachs, e o novo ano de 2014 iniciou-se com a privatização da Caixa Seguros, que é entregue à sociedade chinesa Fosun Internacional por 1209 milhões de euros, na saga da EDP e REN. É a privatização a todo o vapor e a todo o custo, com as empresas públicas a serem alienadas abaixo do seu real valor e entregues ao grande capital financeiro estrangeiro.
O ano de 2014 começou com a nomeação do ex-ministro José Luís Arnaut para o conselho consultivo internacional do tal Goldman Sachs, como paga pelos bons serviços prestados pela privatização dos CTT e não só, e com o ex-ministro Álvaro Santos Pereira para braço direito do economista-chefe da OCDE, também pelos bons serviços em prol do grande capital estrangeiro, e da candidatura de Vítor Gaspar, ex-ministro das Finanças, a director para os assuntos fiscais do FMI, contando com o apoio da Alemanha, igualmente pelo bom trabalho realizado em Portugal a favor do FMI, da Alemanha e do restante capital financeiro europeu; isto é, os lacaios do grande capital entre nós são premiados pelo trabalho de empobrecimento do povo português.
Dá para afirmar que até existe um estado social, cá e lá fora, para o bem-estar de toda a sorte de homens de mão dos bancos, entretanto as funções sociais do estado são privatizadas, bem como restante património público, no aumento da pobreza entre nós e na Europa. É mais do que simples promiscuidade entre a política e a economia, entre o estado e os interesses económicos privados, é o estado capitalista a funcionar no seu máximo esplendor, revelando a sua natureza, uma máquina de exploração e de opressão do trabalho pelo capital, é o Robin Hood ao contrário, roubando aos pobres para dar aos ricos.
Assim se vê que o estado não é uma entidade neutra, acima das classes, ele é um instrumento ao serviço da classe possidente e actuando sempre contra quem trabalha e produz, e quando concede mais alguma migalha aos trabalhadores ou aos cidadãos em geral é porque, como qualquer patrão que se preze, foi obrigado a isso pela luta travada por aqueles. A classe que o gere é gente cujos interesses se medem exclusivamente pelo saldo das contas bancárias, cuja alma sempre pertenceu ao diabo (capital), ainda antes de terem nascido, e que vão garantindo o futuro nem que seja pela eventualidade do povo se revoltar e ter de dar às de Vila Diogo. Há que acabar com a s ilusões quanto à natureza e bondade do estado, próprias da pequena-burguesia.
O ano de 2013 terminou com greves dos trabalhadores dos transportes e o ano de 2014 começou com greves dos mesmos trabalhadores, no entanto, em ritmo de passeio, numa paz podre social que tem permitido ao governo aguentar-se; greves que têm desaguado em pouca coisa. É a concertação social a funcionar, embora as medidas austeritárias sejam impostas à revelia do acordo pelo menos expresso das direcções sindicais, com excepção da UGT, e de alguma relutância das associações dos comerciantes que se vêem, estes, em grande parte, confrontados com a falência em catadupa; muito do aval é dado de forma implícita e disfarçada.
Esta paz social foi bem exemplificada, ainda há pouco tempo, pelo acordo entre o maior banco privado português (BCP), em situação de semi-falência, diga-se de passagem, e os sindicatos (da UGT), para a redução dos salários a troco de não haver despedimentos (estariam uns 400 previstos), embora este banco tenha sido dos que mais tem despedido ultimamente; no entanto, faz parte do plano acordado as reformas antecipadas, que mais não são que despedimento disfarçado, rescisões por mútuo acordo e programa de saídas por adesão voluntária. Ou seja, os despedimentos far-se-ão, mas de forma discreta, sem dar muito nas vistas. Na prática, os sindicatos foram levados, e com eles os trabalhadores, a aceitar todo o plano montado pela administração do banco a fim de o rentabilizar e assim salvá-lo da falência, já anunciada por diversos indícios, um pouco à semelhança do que o governo vem fazendo a nível do país.
O povo sente-se revoltado mas não manifesta essa revolta, não dá rédea larga ao que sente, auto-reprime-se, para além do cinto de contenção em que é envolvido pelos sindicatos reformistas e pelos partidos da esquerda responsável. Como que uma relação dialéctica entre os representados e os representantes, direcções sindicais apaziguantes, trabalhadores conciliadores e pacíficos. Embora a revolta seja visível, mas latente, só que não eclode, como vulcão adormecido.
O governo, através do Orçamento Rectificativo, vai “recalibrar” os cortes feitos aos aposentados, alargando a base sobre a qual o saque é exercido, será a partir dos 1000 euros mensais, que é na prática um verdadeiro imposto. Contudo, talvez para dourar a pílula, o roubo aos aposentados não se denomina “roubo” mas “contribuição extraordinária de solidariedade” (solidariedade para com os ladrões). De igual modo, o roubo de 5% e 6%, respectivamente, dos subsídios de doença e desemprego não é roubo mas “contribuição”, ou o aumento dos descontos para a ADSE, como forma de compensar em parte o chumbo pelo Tribunal Constitucional aos cortes nas pensões como o governo delineou inicialmente, é também uma “contribuição”; o alargamento do roubo a uma camada mais vasta do povo denomina-se “alargamento da base de incidência”.
Utiliza-se uma linguagem branda, simpática, soft, como agora gosta-se de dizer, para esconder a rudeza e a crueldade da realidade que se pratica. Passou a ser moda usar este tipo de linguagem especialmente quando Cavaco foi para o governo e deu início ao plano de concentração capitalista que agora estará perto de chegar ao seu terminus. Desde o cavaquismo que se começou a dizer “colaborador” em vez de trabalhador, ou seja, o trabalhador “colabora” com o patrão, a quem vende a sua força de trabalho e assim vê extorquida por este a mais-valia; o patrão já não é patrão é “empresário”, isto é, um empreendedor que gosta de empreender, de preferência à custa do estado, sem investimento de risco e quando há prejuízo o estado que fique com o passivo porque ele, o empresário e de sucesso, já colocou em bom recato os seus ricos lucros.
Esta mudança de linguagem aconteceu um pouco à semelhança, e pelas mesmas razões, da concertação social; ela própria faz parte da concertação social, ela é resultado da paz podre social que se vive em Portugal. Uma faceta do que se denomina como “nacional porreirismo”. Mas não é com esta paz podre e este mundo de conciliações que os trabalhadores se livrarão da política de austeridade que se promete por muitos e bons anos, senão décadas, assim como do que se encontra na sua base, a exploração do capitalismo.
Tem sido a concertação social que tem impedido a realização de greves gerais nacionais em quantidade e em amplitude de molde a derrubar o governo fascista PSD/CDS-PP. Em 2014, com a continuação da política de austeridade, com ou sem segundo resgate, e formalmente sem a troika, a atitude dos trabalhadores deve ser a de combate sem tréguas, embora em vésperas de eleições para o Parlamento Europeu saia da cartola alguma benesse ou ligeiro alívio da austeridade.
É intenção clara do senhor Silva de Boliqueime ir prolongando, custe o que custar, a vida do governo, em Maio acabará o resgate e a troika ir-se-á embora, será um final feliz, segundo eles, e será véspera de eleições. Até ao Verão ir-se-á encanar a perna à rã, e para a encenação contribuirão PCP, BE e CGTP com o receio de não sofrerem o ónus do derrube do governo. Enquanto esta gente continuar com a estratégia de não ultrapassar os limites do quadro institucional, de querer apresentar propostas para resolver a crise, mas sem eliminar a causa que a provoca, então teremos esta paz podre, porque também o povo trabalhador eleitor ainda acredita que é possível resolver a crise do capitalismo sem lhe pôr fim, que este regime de democracia parlamentar é o regime político capaz de lhe resolver os problemas de povo explorado. Enquanto se mantiver estas ilusões, o governo de Cavaco sem Cavaco manter-se-á e outro que lhe suceda continuará a obra de acumulação e concentração capitalistas.
13 de Janeiro 2014
https://temposdecolera.blogs.sapo.pt/o-novo-ano-o-estado-minimo-e-a-138441#:~:text=O%20novo%20ano,de%20Janeiro%202014
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