terça-feira, 30 de janeiro de 2024

João Costa - [Martim Moniz, uma praça em Lisboa]

 

* João Costa

Aqui ao lado de onde moro há um lugar, uma praça, onde as pessoas se sentam à conversa.

Falam das suas vidas. Gostam de ouvir música, as suas preferidas, as que as transportam para as memórias da sua infância. Quem não gosta dos sons com que cresceu?

Nessa praça, encontram-se afinidades e discute-se a vida na terra. Sempre foi assim Lisboa, uma terra onde se chega, com saudades da terra de onde se veio. Uma cidade que acolhe e de onde “se vai à terra” e para onde se importam memórias e hábitos. O que seria Lisboa sem os restaurantes dos courenses, a Casa do Alentejo ou os seus mercados cheios dos produtos regionais? O que seria Lisboa sem os sotaques preservados dos que há décadas chegaram do interior, do sul ou do norte?

Aqui na praça os sotaques e as línguas encontram-se e fazem-se ouvir e percebemos todos que somos mais felizes quando a língua que falamos é aquela com que as nossas mães nos tranquilizaram e adormeceram ao colo.

Lá no largo, os mais velhos sentam-se e conversam. Os mais novos brincam livremente com os seus skates e bicicletas. Porque nas praças antigas sempre foi assim. O lugar do convívio intergeracional.

Gostei de todas as vezes em que me sentei na praça e meti conversa. Aprendi sempre.

À volta da praça, os prédios cresceram feios, como em tantos lugares onde faltou o gosto. Mas isso não impede o feliz encontro da praça.

Na praça sentam-se muitos que descansam de trabalhos que outros não querem, escondem-se nos sorrisos a fuga do pior e a esperança de quem sabe que ali é possível estar, falar, dançar e cantar.

Ali no largo abasteço-me dos ingredientes que trazem novos cheiros à minha cozinha. Preciso de ajuda para saber como os usar e há mulheres e homens com paciência para me explicar.

Nesta praça não somos todos iguais. Porque não há nenhuma praça de iguais. A praça é o local do encontro e da diferença. Iguais na dignidade e no direito a uma vida que já escapou tantas vezes entre os dedos. A vida do merceeiro que não teve escolha porque não teve escola, apesar da memória fotográfica. A vida da mulher que veio porque quis dar aos seus filhos o que ela não pôde ter, porque o medo não deixou.

Na praça, cada um passa a sua moda. Há lenços bonitos, vestidos compridos, penteados com estilo. Como em todas as praças, a vaidade também se passeia neste lugar.

Esta praça é só mais uma praça, mas renasce. Que pena termos perdido a lentidão do encontro, a vontade de nos sentarmos a conhecer-nos no exterior, o sabor da conversa sem propósito, a disponibilidade de viver a rua como espaço de alegria serena.

Chama-se Martim Moniz e recomenda-se. Explode de cor e conversa. E a cor e a conversa são o que nos acorda e faz livres.

Porque é que a extrema-direita tem medo do Martim Moniz?

Pelas razões de sempre. Porque gosta do silêncio e teme a cor. Gosta do cinzento, aquela cor das cidades sem pessoas.

Mas há as flores, com cor, que, como escreve Drummond de Andrade, furam “o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

Porque ignora as flores. E é a ignorância que alimenta o seu medo. É a ignorância que alimenta o seu ódio.

Não tenham medo. Ali não mandam ninguém para a sua terra. Nunca fui mandado para Setúbal! Ali não planeiam descer ou subir sobre outras praças e invadi-las.

O plano ali é simples. Encontrar-se. Estar e deixar estar.

Ali renasce a boa tradição das praças das cidades.


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