* João Costa
Aqui ao lado de
onde moro há um lugar, uma praça, onde as pessoas se sentam à conversa.
Falam das suas
vidas. Gostam de ouvir música, as suas preferidas, as que as transportam para
as memórias da sua infância. Quem não gosta dos sons com que cresceu?
Nessa praça,
encontram-se afinidades e discute-se a vida na terra. Sempre foi assim Lisboa,
uma terra onde se chega, com saudades da terra de onde se veio. Uma cidade que
acolhe e de onde “se vai à terra” e para onde se importam memórias e hábitos. O
que seria Lisboa sem os restaurantes dos courenses, a Casa do Alentejo ou os
seus mercados cheios dos produtos regionais? O que seria Lisboa sem os sotaques
preservados dos que há décadas chegaram do interior, do sul ou do norte?
Aqui na praça
os sotaques e as línguas encontram-se e fazem-se ouvir e percebemos todos que
somos mais felizes quando a língua que falamos é aquela com que as nossas mães
nos tranquilizaram e adormeceram ao colo.
Lá no largo, os
mais velhos sentam-se e conversam. Os mais novos brincam livremente com os seus
skates e bicicletas. Porque nas praças antigas sempre foi assim. O lugar do
convívio intergeracional.
Gostei de todas
as vezes em que me sentei na praça e meti conversa. Aprendi sempre.
À volta da
praça, os prédios cresceram feios, como em tantos lugares onde faltou o gosto.
Mas isso não impede o feliz encontro da praça.
Na praça
sentam-se muitos que descansam de trabalhos que outros não querem, escondem-se
nos sorrisos a fuga do pior e a esperança de quem sabe que ali é possível
estar, falar, dançar e cantar.
Ali no largo
abasteço-me dos ingredientes que trazem novos cheiros à minha cozinha. Preciso
de ajuda para saber como os usar e há mulheres e homens com paciência para me
explicar.
Nesta praça não
somos todos iguais. Porque não há nenhuma praça de iguais. A praça é o local do
encontro e da diferença. Iguais na dignidade e no direito a uma vida que já
escapou tantas vezes entre os dedos. A vida do merceeiro que não teve escolha
porque não teve escola, apesar da memória fotográfica. A vida da mulher que
veio porque quis dar aos seus filhos o que ela não pôde ter, porque o medo não
deixou.
Na praça, cada
um passa a sua moda. Há lenços bonitos, vestidos compridos, penteados com
estilo. Como em todas as praças, a vaidade também se passeia neste lugar.
Esta praça é só
mais uma praça, mas renasce. Que pena termos perdido a lentidão do encontro, a
vontade de nos sentarmos a conhecer-nos no exterior, o sabor da conversa sem
propósito, a disponibilidade de viver a rua como espaço de alegria serena.
Chama-se Martim
Moniz e recomenda-se. Explode de cor e conversa. E a cor e a conversa são o que
nos acorda e faz livres.
Porque é que a
extrema-direita tem medo do Martim Moniz?
Pelas razões de
sempre. Porque gosta do silêncio e teme a cor. Gosta do cinzento, aquela cor
das cidades sem pessoas.
Mas há as
flores, com cor, que, como escreve Drummond de Andrade, furam “o asfalto, o
tédio, o nojo e o ódio.”
Porque ignora
as flores. E é a ignorância que alimenta o seu medo. É a ignorância que
alimenta o seu ódio.
Não tenham
medo. Ali não mandam ninguém para a sua terra. Nunca fui mandado para Setúbal!
Ali não planeiam descer ou subir sobre outras praças e invadi-las.
O plano ali é
simples. Encontrar-se. Estar e deixar estar.
Ali renasce a
boa tradição das praças das cidades.
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