CARLOS ADEMAR, HISTORIADOR, ESCRITOR E ANTIGO INSPECTOR DA PJ
‘Nos últimos
dois anos de vida, Salazar viveu num mundo de fantasia’
* Maria Afonso Peixoto // Janeiro 8, 2024
Como seria a
autobiografia de Salazar, se existisse? Não sabemos, e apenas podemos imaginar.
Foi o que fez Carlos Ademar, historiador, escritor e antigo inspector da
Polícia Judiciária, que ‘encarnou’ o antigo chefe do Estado Novo e escreveu um
livro de memórias na primeira pessoa. Mas com um twist. Nesta Autobiografia
do doutor Oliveira Salazar, encontramos o ditador num estado vulnerável,
perto do fim, a confrontar-se com o passado e com os seus fantasmas – que são
muitos, e implacáveis. O PÁGINA UM falou com o autor sobre esta obra que alia
factos com ficção, e que, apesar do título, tem um objectivo bem delineado,
muito além do seu cariz biográfico: “destruir” o mito por trás do homem.
Sei que a
ideia para este livro surgiu da Autobiografia do General Franco, de
Manuel Vázquez Montalbán, lançada há uns bons anos. Durante este tempo, foi
amadurecendo o “projecto”?
Sim; na
verdade, o ‘clique’, digamos assim, foi-me dado pelo Montalbán, quando li essa
obra, já para aí há uns 15 anos. Como é natural, eu não queria replicar
totalmente a sua ideia. Aquilo que retirei foi confrontar o nosso
“ditador-mor”, como eu lhe costumo chamar. E de facto tem razão, porque ao
longo dos anos eu andei à procura de… também andei à procura de tempo, que não
tinha [risos], porque é uma obra muito exigente em termos de pesquisa. E,
portanto, não era coisa que se fizesse em três ou quatro meses. Precisava de
muito tempo, e só agora há dois anos, quando mudei de estatuto profissional, é
que passei à disponibilidade [risos]. Ainda não estou reformado, mas
estou a caminho da reforma.
Como
inspector da Polícia Judiciária?
Sim. Eu estava na Escola, no agora Instituto de Polícia Judiciária e Ciências Criminais. E dos vários projectos que tinha em mente, agarrei-me a este porque era o mais apaixonante. Foi aquele que me seduziu mais, não obstante o trabalho que teria pela frente. Ao longo dos anos, fui burilando a ideia, para arranjar uma forma de a trabalhar, e não replicar exactamente aquilo que o Montalbán fez. Ele pôs o general Franco a fazer o discurso oficial do regime, e eu também o fiz relativamente ao meu “Salazar A”. Depois, o Montalbán faz o contraditório do discurso. E eu encontrei aqui uma fórmula que acho que não me correu mal, modéstia à parte, porque me agarrei a um facto da vida real do Salazar, que tem a ver com aquele período de 1969/70. Ele fica doente em 1969, e está no hospital durante largos meses, e em Fevereiro regressa a São Bento, já não como Presidente do Conselho. Mas pensa que ainda é, e morre depois em Julho de 1970. Aquele é um período em que ele anda entre a lucidez e a perturbação. Tem momentos de lucidez, que lhe permitem dar entrevistas, designadamente a que deu ao jornalista do L’Aurore, em Agosto de 1969, e preparar com o seu próprio punho um pequeno discurso para dirigir aos portugueses por ocasião do seu 80º aniversário. E eu explorei esta fase da sua vida, colocando-o a fazer o discurso oficial quando está lúcido, e o contraditório quando está perturbado. Portanto, podemos dizer que temos uma autobiografia na verdadeira acepção da palavra, ainda que sempre com aspas, obviamente [risos]. Porque apesar de ser ficção, é sempre a personagem, Salazar, a escrever em ambos os discursos.
E preferiu
fazer esta autobiografia ficcional, em vez de uma biografia, como já fez, por
exemplo, com o ‘capitão de Abril’ Vítor Alves?
Sim.
Biografias, já há várias de Salazar. Aliás, saiu agora uma recentemente, da
qual soube já depois de publicar o meu livro. Mas há muitas, e há uma
monumental que me serviu, de facto, de base de trabalho. Foi feita por alguém
insuspeito, no sentido em que era um incondicional apoiante de Oliveira
Salazar, e foi seu ministro dos Negócios Estrangeiros na década de 1960; estou
a falar de Franco Nogueira. Franco Nogueira tem uma obra monumental de seis
volumes grossos só sobre a vida de Salazar. E apesar de ser um seu
admirador e da sua obra, não se coibiu de contar determinados episódios que não
abonam muito a seu favor. Eu usei sobretudo os dois primeiros volumes da obra,
que se reportam às primeiras décadas de vida, e particularmente o primeiro
volume, que vai até ao momento em que ele chega a Ministro das Finanças, e não
há assim tanta coisa escrita sobre esse período. Esse primeiro volume foi muito
importante para encontrar determinadas histórias e episódios que me foram muito
úteis para fazer o próprio contraditório; para contrariar o discurso social de
Oliveira Salazar.
Nesse
‘contraditório’, Salazar é muito duro consigo próprio; como se se achasse uma
fraude absoluta, desde a sua aparente modéstia às origens humildes. Para
construir este monólogo interno, embora se trate de ficção, serviu-se de alguns
factos? Há motivos para crer que ele se sentia assim?
Nós,
obviamente, nunca saberemos, porque ele não deixou memórias. Deixou os seus
discursos; mas relativamente a essa questão, nunca saberemos. Agora, do ponto
de vista da pessoa interessada por este período e por esta personagem, pelo seu
tempo e por aquilo que fez e não fez, penso que não é completamente descabido
pensar que neste período, particularmente em 1969/70, em que ele estava muito
abandonado… Ele, de facto, nos últimos dois anos de vida, viveu num mundo
de fantasia. Havia ministros antigos dele que iam a São Bento pedir autorização
para fazer uma viagem a Londres, por exemplo. Esta é uma história contada pelo
Joaquim Vieira, se não estou em erro, no livro sobre a governanta de Salazar, a
dona Maria. Salazar não diz nada, está naqueles momentos em que está em baixo,
e é a dona Maria que se aproxima dele, lhe segreda algo ao ouvido, e depois diz
ao ministro que está autorizado a ir a Londres. E ele está sujeito a isto.
Digamos que não ‘enobrece’ muito uma pessoa chegar ao fim de vida e passar
por estas situações.
Mas relativamente ao que me perguntou, eu não tenho dúvidas de que ele próprio, neste isolamento e solidão, se tenha debatido com determinadas coisas que fez ou que não fez. Sobre o facto de ele ser dissimulado, isso não há dúvida absolutamente nenhuma, e basta dar-lhe o exemplo do assassinato de Humberto Delgado. O livro do Fernando Dacosta, Máscaras de Salazar, fala neste episódio, e depois há o Joaquim Vieira, no livro sobre a Micas, que era uma das raparigas que foi viver lá para casa e manteve uma relação de proximidade com Salazar, que conta a mesma história. Portanto, digamos que há várias fontes que dão a mesma informação.
Em que caso,
por exemplo, isso se observa?
No caso do
assassinato de Humberto Delgado, há um telefonema que Salazar recebe na
madrugada, pelas 2 hora ou 3 horas. Ninguém telefonava para São Bento a essa
hora. E é a dona Maria que vai atender, e quem estava do outro lado era o Jorge
Silva Pais, o director da PIDE. E ele diz que precisa de falar urgentemente com
o senhor Presidente do Conselho. Entretanto, a dona Maria chama o doutor
Salazar, e uma hora depois estão os dois sentados no gabinete a conversar sobre
o que se terá passado naquele dia; coisa tão grave que levou, primeiro ao
telefonema, e depois à viagem do Silva Pais a São Bento, e fez levantar Salazar
e vestir a sua farpela, porque o recebeu de fato e gravata àquelas horas da
madrugada. O que é certo é que Salazar ordena silêncio total sobre o assunto;
não se fala nisso, acabou, não sabemos de nada. Entretanto, cerca de um mês e
meio depois, os corpos do General Humberto Delgado e da sua secretária aparecem
em Espanha e são identificados. E Salazar faz um discurso na televisão dirigido
à Nação, dizendo que não sabe nada, e que a ‘nós’ não nos interessava a morte
dele; a outros, sim, poderia interessar, mas ‘nós’ não sabemos nada. Ou seja,
sobre o ser dissimulado que ele era, não há absoluta dúvida. Sempre foi assim.
Aliás, a alcunha que o ‘Salazar B’ lhe aplica, muitas vezes, no livro, é o
‘Manholas’, que era a alcunha do pai dele, António ‘Feitor’. Feitor, porque era
feitor da família mais rica entre Coimbra e Viseu, os Perestrelo. Mas ele, além
de feitor, também era comerciante, e vendia propriedades num bairro que estava
a nascer à volta da estação de comboios da CP de Santa Comba. Comprava e vendia
terrenos, e a alcunha de Manholas vem daí. E depois, penso que é o
Henrique Galvão que lhe adapta, e chama a Salazar o ‘Manholas filho’. E eu uso
muito, porque de facto, se alguma coisa o caracteriza é isto. Era um ser muito
dissimulado, calculista. Conhecia e sabia ler muito bem – enfim, mérito dele –
os homens, e sabia muito bem o que fazer e o que não dizer. A gestão dos
silêncios, tudo isto ele fazia muito bem, sempre com o objectivo de levar a
água ao seu moinho.
Como foi o
exercício de se colocar na ‘cabeça’ de Salazar?
A parte menos agradável foi fazer o discurso oficial. Mas até isso me deu algum gozo. O discurso oficial é baseado, naturalmente, nos seus discursos, ou de pessoas que estavam muito próximas; no fundo, eram as ideias defendidas e aplicadas pelo Estado Novo. Mas, sobretudo quando estava a rever texto, deu-me algum gozo porque quase que estava a ouvir a voz dele, aquela sibilante que ele tinha por ser de lá de cima da zona de Viseu. Mas muito mais gozo deu-me fazer o contraditório, como será bom de ver.
E porquê?
Porque eu sou
um amante da liberdade e da democracia, e dá sempre algum prazer arranjar
argumentos para destruir determinadas teses. E neste caso, não era muito
difícil. Portanto, conseguir ‘destrunfá-lo’, desarmá-lo, e provar por A mais B
que ele era mentiroso, aldrabão… Desde logo, tendo em conta o exemplo que lhe
dei, e muitos outros episódios. Deu-me, de facto, muito prazer. Enfim, estamos
a falar nisto e estão a aparecer-me algumas histórias e descobertas que eu fiz;
quer dizer, quem tenha lido a biografia do Franco Nogueira sabia. Eu não sabia
porque nunca a tinha lido e li-a de propósito para este trabalho. Mas descobrir
que Salazar tinha sido um poeta, nos seus primeiros tempos de professor, e
chegou até a publicar um livro de poesia. Eu dou alguns exemplos, que fui
também buscar ao Franco Nogueira…
Essa é uma
faceta pouco conhecida dele…
Pois é [risos].
E aquilo era tão mau [risos]. Ele era um escritor exímio, um grande prosador.
Aliás, António José Saraiva tem um texto num extinto jornal, se não estou em
erro, em que o elogia como um grande prosador da política portuguesa, talvez o
maior, dizia ele. E isso é inquestionável. Mas depois vamos ver aquela poesia,
e aquilo é uma coisa aflitiva, até. E desmascará-lo, colocar essa poesia aí, é
interessante. Porque ele teve o cuidado, quando começou a perceber que podia
vir a ter um futuro político – ele era um tipo inteligentíssimo, obviamente…
Estava inserido no meio católico, e começa por fazer o seminário, como é
sabido, e depois vai dar aulas para um colégio religioso em Viseu enquanto está
à espera de ter idade para tomar as ordens maiores. Depois acaba por não as
tomar, e vai para Coimbra para fazer o curso de Direito, e aí já está
convencido de que o seu futuro não é ser padre. Ele achava que poderia ser
muito mais útil à Igreja na vida política, do que propriamente na vida
eclesiástica. E não quer dizer que tenha sido só ele a autoconvencer-se; o
director do seminário e do colégio são pessoas com alguma influência na Igreja,
e encaminham-no nesse sentido.
Quando ele chega a Coimbra, leva cartas de referência desta gente toda e é inserido no meio católico de Coimbra, que também era um meio muito forte, sobretudo a Universidade e a Faculdade de Direito, onde ele vai estudar. Rapidamente se destaca, e cá está a vertente “manholas” a vir ao de cima mais uma vez. E veja este exemplo. No primeiro ano em que chega a Coimbra, não tem praticamente contactos nenhuns em na política. Eu recordo que, quando ele chega a Coimbra, estávamos no início da Primeira República, instaurada a 5 de Outubro de 1910, e ele começa as aulas em meados desse mês. Como sabemos, a República caracteriza-se por um sentimento anticlericalista do mais feroz que possamos imaginar. E todo aquele núcleo católico une-se em torno de um inimigo comum, que é a República. No primeiro ano, ele não faz grandes contactos, é sobretudo estudar e aplicar-se para que, no fim do ano, quando as notas fossem conhecidas, ele entrar naquele meio já ‘por cima’; ou seja, não como um soldado raso, mas já um ‘oficial de topo’. Porque ao aperceberem-se das notas e do potencial daquela figura, havia que o catapultar. E ele quando adere, já é reconhecido como alguém que pode vir a ter um futuro na vida política, em defesa da Igreja, para tentar repor o domínio da Igreja, que a existia até à implantação da República, em praticamente toda a sociedade. O papel de Salazar vem a ser este. E à medida que se vai destacando, vai sempre subindo na hierarquia do grupo católico de Coimbra; ao ponto de, já enquanto professor, a Igreja o convidar para abrir e encerrar sessões. Davam-lhe sempre o papel principal, e ele era um ‘mero’ professor de Direito. Portanto, a Igreja tem um papel fundamental na sua ascensão.
Foi o
calculismo de Salazar, como diz, aliado ao seu conhecimento do povo português,
que lhe permitiu ser um ditador bem-sucedido?
Sim, não tenho
dúvida absolutamente nenhuma. Eu já fiz essa referência relativamente ao
conhecimento do Homem e do povo português, particularmente. Porque ele usa, e
bem, o facto de termos vivido uma primeira República muito tumultuosa. Foram 16
anos de verdadeiro tumulto, com 40 e tal governos; não havia estabilidade, e
isto foi péssimo para a democracia e para a liberdade. Os republicanos não
souberam aproveitar a oportunidade que tiveram e desperdiçaram-na, e ele
aproveitou isso. De facto, ele é quem acaba por encabeçar esse movimento. A
astúcia dele passa por aí. Quando chama Estado Novo ao regime que criou em
1933, já é um bocadinho isso; ou seja, é acabar com o “estado velho” para
começar uma coisa nova. É o mesmo exemplo do que o Sidónio Pais tinha feito,
quando tomou o poder num golpe de Estado em 1917 e chamou ao seu regime
‘República Nova’. Esta ideia de começar de novo. E Salazar não escolheu a
palavra “República”, porque não o deixava muito confortável. Porque grande
parte dos apoiantes dele nem republicanos eram, eram monárquicos [risos]. De
facto, quem faz o 28 de Maio, que depois acaba por levá-lo ao poder, é uma
mescla, gente de variadíssimas tendências: monárquicos, fascistas, até
republicanos moderados havia. Portanto, ele procura não beliscar as
sensibilidades que lhe estão mais próximas, e de quem mais o apoia.
Por volta do 28
de Maio de 1926, ele vai escrevendo também para jornais católicos, vai fazendo
crítica particularmente à política económica e financeira, e vai-se tornando
também notado pelos escritos que vai produzindo. E há uma altura já em plena
ditadura, em que Portugal precisa desesperadamente de um empréstimo. E esse
empréstimo é negociado à exaustão, as exigências são muitas porque ninguém
confia na ditadura, nem na política económica que estava a ser seguida pelos
generais, e o empréstimo acaba por não chegar. Mas ao longo deste processo,
Salazar vai sempre criticando duramente o empréstimo. Quando ele é convidado
para ser Ministro das Finanças, a Igreja tem um papel importante a
catapultá-lo. Mas ele depois vai ter um outro apoio muito importante, que é o
Presidente da República, o general Óscar Carmona, que quando vê nele uma
solução, afasta os militares das Finanças, e mete Salazar como ministro das
Finanças. E quem disse que a pessoa ideal para ocupar o lugar era o Dr.
Oliveira Salazar, foi nem mais nem menos do que o Cardeal de Lisboa de então –
que ainda não era Manuel Gonçalves Cerejeira, que só vem mais tarde –, António
Belo. Mas quando Salazar começa a trabalhar, rapidamente se apercebe que o
empréstimo dava muito jeito. Ele tinha escrito vários artigos contra o
empréstimo, e para não ficar mal na fotografia, fala com o seu mais antigo e
fiel amigo, Mário Figueiredo; um verdadeiro nazi, como se veio a saber pela
altura da Segunda Guerra Mundial. Salazar incumbe-o de fazer um périplo pelas principais
capitais europeias, no sentido de conseguir o tal empréstimo. Mas tudo em
segredo. A verdade é que as coisas não correm bem, e o empréstimo acaba por não
vir na mesma. E era suposto que ninguém soubesse, mas alguém soube desse pedido
de empréstimo, e fez sair um artigo em Espanha, ao nível das elites. E soube-se
assim que Salazar tinha feito aquilo que tanto tinha condenado. E isto é mais
uma demonstração da sua forma de ser. Era um tipo que não olhava a meios para
atingir os fins, e que tudo fazia para salvaguardar a sua imagem – isso para
ele é que era o fundamental. A imagem do pobre, honesto, era sagrada.
Quando é que
acha que ele percebeu que podia mesmo ter um papel importante nos destinos do
país?
É um processo progressivo, que demora algum tempo, mas ele à medida que se vai envolvendo nos meandros políticos de Coimbra, tem um grande amigo que é também um dos grandes responsáveis pela sua inteligência e por aparecer como um hipotético Salvador da Pátria: o então padre Cerejeira. Mal ele acaba o curso de Direito, Cerejeira convida-o para ir para o antigo Convento dos Grilos – que os saudosistas continuam a chamar uma “república”. Mas esse Convento não tem nada a ver como uma república; era uma casa muito grande, cada um tinha o seu espaço, salas de estudo, e ali recebiam amigos e convidados, faziam reuniões do Movimento Católico… Portanto, aquilo era muito mais, e tinha mais condições do que qualquer república coimbrana. Salazar vai para lá por volta de 1915/16 e só sai em 1928. E à medida que se vai percebendo que poderia vir a ser alguém, o padre Cerejeira terá convencido Salazar a procurar o livro de poesia que ele tinha publicado com tanto amor e carinho, e que se chamava “Ais”… E ele recupera os livros todos que consegue, e destrói aquilo. Ao ponto de, quando Franco Nogueira faz o primeiro volume da biografia dele em 1977, ter andado à procura de um livro para ter um poema ou outro para decorar a biografia, e já não encontrou. Falou com velhos camaradas de Coimbra; um ou outro lembrava-se do livro, mas disseram-lhe que tinha desaparecido. E então, os poemas com que Franco Nogueira nos dá uma amostra das “capacidades poéticas” de Salazar, vai buscá-los aos jornais para onde ele tinha escrito alguns poemas. Enfim, este aspecto ilustra bem a importância que a preservação da imagem tinha para Salazar. Ele convenceu-se de que aquele livro poderia prejudicá-lo.
Não se
queria expor ao ridículo…
A última coisa
que ele quereria era isso!
Recomendaria
este livro a alguém que simpatize com Salazar?
Eu,
francamente, recomendaria este livro a muita gente, particularmente a quem nós
vamos chamando de ‘saudosistas’. Porque, de facto, de há uns anos a esta parte,
está a crescer uma onda de saudosismo, como se o regresso ao passado e a
emergência de uma figura do tipo de Salazar fosse a Salvadora da Pátria; como
dizem que ele foi quando entrou em 1928. Obviamente, este livro nunca pretendeu
ser um livro académico, é um livro de ficção. Embora eu não tenha gostado da
palavra “ficção”, que está na capa, e que foi uma exigência do departamento
comercial. Mas a verdade é que era preciso pôr ali qualquer coisa para que as
pessoas nas lojas soubessem onde arrumar o livro. Romance não era, ficção
histórica também não, e então ficou só ‘ficção’ debaixo do título. Mas nunca me
agradou.
Mas se tem
uma componente ficcional…
De ficção só
tem a estrutura, tudo o resto é História. Não consultei arquivos, mas fui
consultar o que está publicado, e tive o cuidado de ir buscar autores que foram
amigos dele e pessoas que colaboraram com ele, assim como pessoas que não
gostavam dele. E, portanto, além de serem muitas as fontes, são diversificadas
também a este nível. Respondendo à sua pergunta, o livro é recomendado a todos
porque de facto dá-nos uma imagem muito mais real do Salazar do que o mito que
foi criado. Daí que eu goste de dizer que o livro desconstrói o mito do
Salazar. De facto, é disso que se trata. E nos dias de hoje, este livro também
nasceu para fazer frente à tal onda de saudosismo que está instalada e que tem
vindo a crescer nos últimos tempos. Por isso, para quem quiser conhecer melhor
o Dr. Oliveira Salazar – é a minha opinião e eu sou suspeito porque sou o autor
–, é um livro altamente recomendado.
https://paginaum.pt/2024/01/08/nos-ultimos-dois-anos-de-vida-salazar-viveu-num-mundo-de-fantasia/
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