Desenho do Alexandrian World Chronicle representando o Papa Teófilo de Alexandria , com o evangelho nas mãos, de pé triunfantemente no topo do Serapeum em 391 DC
HIPÁCIA DE ALEXANDRIA
«Hipácia (o nome significa “a maior”) de Alexandria foi uma matemática distinta, especialista em álgebra e mecânica. Nasceu em 370 d.C. e era filha de Teon, um professor da Universidade de Alexandria que era filósofo, astrónomo, matemático e diretor do museu. Hipácia viveu sob o jugo do Império Romano, cuja jurisdição compreendia o Egito e, evidentemente, Alexandria, centro do conhecimento. Mas a sua formação pode dizer-se que era grega, o que a torna ainda mais fascinante. Foi a tradição do racionalismo grego que levou os seus estudos suficientemente longe para que se tornasse aquilo que o seu pai desejava para ela e que ela própria se propunha alcançar: um ser perfeito que combinava em si um corpo e uma mente perfeitamente sãos. Ao que parece, Hipácia era extremamente bela e igualmente talentosa, tendo partido para Atenas, ainda muito jovem, para estudar com Plutarco. Quando regressou a Alexandria, a sua fama ultrapassava as fronteiras do mundo antigo. Era conhecida por conseguir decifrar os mais complicados problemas matemáticos, sendo consultada amiúde pelas mais brilhantes cabeças do mundo.
Quando lhe perguntavam por que razão não se casava, dizia que já se tinha casado com a verdade. Ensinou na Academia de Alexandria – matemática e astronomia –, mas era também versada em filosofia, religião, poesia e artes. Dominava as artes da oratória e da retórica, que tinham grande importância na aceitação e integração das pessoas na sociedade da época, bem como a História das Religiões. Hipácia escreveu um “Cânone Astronómico”, comentou o trabalho dos seus grandes antecessores, como Ptolomeu, Diofanto, Euclides e Apolónio, e construiu instrumentos científicos como o astrolábio, o planisfério e o hidroscópio. A maior parte da sua obra foi destruída com o desaparecimento da grande Biblioteca e o saque do templo de Serápis, e a sua vida teve um fim trágico que importa conhecer porque serve de ilustração da passagem de um tempo em que se valorizava a cultura e a ciência para outro tempo de obscurantismo e ignorância, regido pela religião.
Hipácia era pagã e defendia a liberdade do pensamento, facto a que se opunha a crescente ascensão do cristianismo, oficializado em 390 d.C. O recém-nomeado chefe religioso de Alexandria, o bispo Cirilo, dispôs-se a eliminar todos os pagãos assim como os seus monumentos e escritos. Hipácia foi considerada herética e diz-se que foi o próprio Cirilo quem comandou uma turba de cristãos enfurecidos que a atacou à saída da Biblioteca e a massacrou – no ano de 415 d.C.
O historiador Edward Gibbon faz um relato do que aconteceu: “Num dia fatal, na estação sagrada de Lent, Hipácia foi arrancada da sua carruagem, rasgaram-lhe as roupas e arrastaram-na nua, para a igreja. Lá, foi desumanamente massacrada às mãos de Pedro, o Leitor, e sua horda de fanáticos selvagens. A carne foi esfolada dos seus ossos com ostras afiadas e os seus membros, ainda palpitantes, foram atirados às chamas.»
Carl Sagan acrescentou: “Há cerca de 2000 anos, emergiu uma civilização científica esplêndida na nossa história; a sua base era em Alexandria. Apesar das grandes hipóteses que tinha para se desenvolver, ela decaiu. A sua última cientista foi uma mulher, considerada pagã. Seu nome era Hipácia. Com uma sociedade conservadora a respeito do trabalho da mulher e do seu papel, com o aumento progressivo do poder da Igreja, formadora de opiniões e conservadora quanto à ciência, e devido a Alexandria estar sob domínio romano, após o assassínio de Hipácia, em 415, a sua biblioteca foi destruída.
Milhares dos preciosos documentos foram queimados e perdidos para sempre, e com ela todo o progresso científico e filosófico da época.
O massacre de Hipácia marcou o fim da idade de ouro de Alexandria e representou o toque a finados da liberdade religiosa. Depois da sua morte, muitos cientistas, filósofos e pensadores abandonaram a grande cidade do conhecimento e espalharam-se pela Índia e pela Pérsia, que assim avançaram em termos científicos e culturais, enquanto o Ocidente mergulhava no obscurantismo medieval. É preciso que se diga que os trabalhos dos sábios e das sábias de Alexandria foram preservados pelos árabes, persas, indianos e chineses.»
Helena Vasconcelos, Humilhação e Glória
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