domingo, 25 de fevereiro de 2024

Carlos Coutinho - Afinidades



* Carlos Coutinho 
 
   Ao contrário do escanzelado Rocinante, o melancólico e sisudo cavalo branco de D. Quixote de la Mancha, o burro anafado do fiel escudeiro Sancho Pança não tinha nome, embora fosse um equídeo muito inteligente, sensato e introvertido. 

   Houve quem o batizasse como Rocio, porque Cervantes o pintou como ruço, mas aquele jerico era, de facto, inominável, ou simplesmente incrível, porque tinha a sageza peculiar de toda a fauna asinina e suspeita-se até que era capaz de entender o mundo e as suas lógicas muito melhor que o desvairado patrão do seu dono.

   O mesmo não direi do Rocinante, nome que alguns linguistas vão buscar ao “ross” do medieval alto-alemão que até ao português chegou, dando-nos o étimo de escaço uso “rocim” que é sinónimo de pileca, sendeiro, cavalicoque, ou seja, um pequeno animal que, no caso em apreço, era como o dono, desengonçado, magricela e de reduzida capacidade mental para a cavalgar no território da racionalidade. 

   Cervantes definiu mesmo D. Quixote como um fulano “alto e de compleição rija, seco de carnes, enxuto de rosto e grande madrugador”, enquanto o paciente, bonacheirão e sagaz Sancho era, pelo contrário, atarracado e senhor de um burro que montava com respeito, apesar de se tratar de um infeliz jerico, ou asno, isto é, um quadrúpede de parca respeitabilidade e grande importância para o comum dos mortais que sempre o utilizaram como escravo de tração e de trabalho agrícola. 

   Ou seja, nem para puxar caleches ou carroças de nómadas servia. Só muito modernamente é que já aparece em certas terapias e como afetuosa montada de crianças. Julgo que nisso ele terá muito orgulho.
   Como se vê, possui traços de caráter muito afins aos da melhor parte da espécie humana. 

   Para que conste.

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sábado, 24 de fevereiro de 2024

Carlos Coutinho - Folias

* Carlos Coutinho


   Dois dias depois do Domingo Gordo, nunca falha uma foliona terça-feira com o seu Entrudo e, pelo menos para os católicos e seus vizinhos do lado, lá vem também a Quarta-Feira de Cinzas, que sempre dá início ao mórbido percurso da Quaresma

   É tradição no Domingo Gordo, aquele que precede o Carnaval e em muitos lugares é precedido pelo Domingo Magro, sendo que este só serve para meditar e orar, enquanto que no gordo se come à fartazana iguarias pesadas, como o cozido à portuguesa, uma das diversas feijoadas que são quase nacionais, ou as papas de sarrabulho que, ao contrário da vulgaridade nortenha, sobretudo minhota, são cozinhadas com mel e miolo de noz - uma sobremesa deliciosa na minha infância duriense. 

   Geralmente, em tempos antigos, com a matança do porco por alturas do Natal, as carnes mais gordas eram cuidadosamente guardadas e salgadas pelas famílias para serem saboreadas neste dia.

   Quanto ao Entrudo, sabe-se que é coisa tão antiga que até se julga haver recebido o nome do latino introitum historicamente também designado como entroydo e ontroydo (século XIII), entruido (século XIV) e entrudo (século XV). Por cá era um folguedo galaico-português realizado nos três dias que antecedem a entrada da Quaresme e nos quais os foliões arremessavam baldes de água, limões de cheiro, ovos, tangerinas, pastelões e luvas cheias de areia, golpeavam-se com vassouras e colheres de pau e sujando-se com farinha, gesso, etc. 

   Depois vinha a Quarta-Feira de Cinzas (Feria quarta cinerum, em latim) que é, como se sabe, o primeiro dia da sorumbática Quaresma, que, no calendário católico, é quando se recebe aqueles restos de fogueira devidamente peneirados que neste dia são um símbolo da reflexão a ter sobre o dever da conversão, da mudança de vida, recordando a passageira, transitória, efémera fragilidade da vida humana, sujeita à necessária e implacável morte. O desgraçado étimo quaresma  é originário do latino ‘quadragesima dies’ (quadragésimo dia).

  Já quanto à Quinta-Feira Santa,  ou Quinta-Feira de  Endenças, ou Grande e Sagrada Quinta-Feira, é o quinto dia da Semana Santa no cristianismo ocidental o sexto no oriental (que  tem também o Sábado de Lázaro, anterior ao Domingo de Ramos. É neste dia que se comemora o lava-pés e a Última Ceia, segundo o relato dos evangelhos canónicos e a enigmática pintura de Da Vinci.

   Já a Sexta-Feira Santa ou Sexta-Feira da Paixão ou Sexta-Feira Maior é uma data religiosa cristã que relembra a crucificação do Mestre e a sua morte no Calvário enquanto o  Sábado de Aleluia (em latim: Sabbatum Sanctum), também conhecido como Sábado Santo é a véspera da Páscoa, 

   Em termos litúrgicos, o Sábado Santo vai até às 18 horas consideradas o início do crepúsculo, começando logo a Vigília Pascal  que inicia oficialmente a Época da Páscoa. 

   No mundo o ortodoxo, este dia, conhecido como Grande e Santo Sábado, é chamado também Grande Sabá  pois foi neste dia que Jesus “descansou”. Nas tradições coptas, etíopes e eritreias, este dia é conhecido como Sábado de Alegria.

   Os ramos que os fiéis levam são um desastre para muitos milhões de árvores, por esse mundo fora, mas ainda não havia ecologia ambiental quando tal tradição se estabeleceu. 

Coisas…

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Atenção, atenção! A comunicação social confirma que só existem 6 jovens no país

 EDITORIAL|COMUNICAÇÃO SOCIAL

AbrilAbril

         

23 DE FEVEREIRO DE 2024

O debate sobre a falta de representatividade dos jovens acabou. A comunicação social dominante resolveu esse problema e encontrou os únicos seis jovens que, aparentemente, existem. Repetem a cassete, mas com laivos joviais para suavizar.

Longe vão os tempos onde se falava da falta de representatividade juvenil nos espaços de comentário político. Recentemente, esse problema foi sanado e os órgãos de comunicação social conseguiram encontrar os únicos jovens que, aparentemente, existem. Andavam escondidos na camada oprimida da fina flor do comentário no Twitter, mas finalmente foi-lhes consagrado um espaço mediático à altura das suas ambições, para poder dizer tudo aquilo que a sua geração quer dizer.

Bem, talvez não seja uma geraçãoTalvez seja o que a sua classe quer dizer. Dizem apenas o que é repetido em todo o lado pela narrativa dominante, mas fazem-no de uma forma muito descontraída, desapegada e alegadamente irreverente. O ar jovial conjugado com uma boa articulação discursiva, sem deixar de lado a testa franzida para aparentar seriedade, dá aos jovens premiados com este lugar de fala um passaporte para nada de importante acrescentar.

A reboque destes elementos vem a replicação de tudo o que já é dito em todos os espaços de comentário, inclusive praticar o mesmo tipo de revisionismo histórico e desonestidade intelectual. Veja-se o exemplo do mais recente podcast do Expresso, o «Lei da Paridade». Apresentado por Adriana Cardoso, hoje jovem «apartidária», mas que nasceu no seio da Iniciativa Liberal; Maria Castelo Branco, ex-militante da Juventude Popular, agora militante da Iniciativa Liberal e ex-jovem promessa; e Leonor Rosas, militante do Bloco de Esquerda e candidata à Assembleia da República pelo círculo eleitoral de Lisboa.

O podcast que teve o seu começo na TSF, regressou agora ao jornal de Pinto Balsemão. Neste importante retorno, até às eleições legislativas serão entrevistadas mulheres do BE, IL, PS, AD. Segundo Adriana Cardoso foram excluídos «evidentemente desta conta partidos que não são feministas». Uma escolha caricata já que são jovens que são vendidas como bem informadas, mas parece que deliberadamente se esqueceram do importante e determinante papel do PCP na luta emancipatória das mulheres ao longo dos seus mais de 100 anos de história. 

Nas redes sociais, quando confrontada com este facto, Adriana Cardoso usa como argumento o facto de serem «os 4 partidos com mais intenção de voto» e não haver «espaço nem episódios infinitos até às próximas eleições». Um critério nunca antes visto. Uma escolha editorial clara que visa beneficiar determinados partidos e apagar outros. A suposta jovialidade é usada para repetir as manobras de apagamento e o revisionismo histórico. 

Neste ramalhete temos ainda o caso de João Maria Jonet com espaço assíduo na SIC Notícias. Habilidoso com metáforas, supostamente irreverente, vende-se como um militante de base PSD com uma voz própria. É uma espécie de jovem Pacheco Pereira que, no momento certo, não hesita em esgrimir um conjunto chavões analíticos que dão jeito à narrativa dominante. Defende a NATO, define-se «americanista» e promove a União Europeia. Invoca sempre a social-democracia para aparentar a moderação, mas no final do dia, não falta à chamada dos projectos mais reaccionários e nebulosos como os de Luís Newton e Carlos Moedas. 

Surge ainda o «jovem» Gaspar Macedo. As aspas não são inocentes. É que Gaspar Macedo, passista assumido e militante do PSD, parece ter saido de um governo de Cavaco Silva, arrancado por uma máquina do tempo directamente dos anos 80. Viralizou nas redes sociais com vídeos pequenos com música de fundo épica onde "debatia" contra alguém, sendo que estava sempre a falar sozinho. Nesses vídeos, falava do orgulho nacional, dos heróis da pátria desprezados, e em todas as teses de Nostradamus aplicadas à realidade nacional. No momento da responsabilização, sem colocar quais os reais problemas, apaga a responsabilidade do PSD e só sabe falar do PS. A CNN viu nele um pequeno Tucker Carlson e, neste momento, tem espaço de comentário com a Joana Amaral Dias. 

Por fim, há ainda o já renomado Sebastião Bugalho. Jornalista reformado que quase exclusivamente escrevia sobre o partido da extrema-direita em Portugal (com dezenas de artigos sobre o assunto nos dois anos em que exerceu funções), integrou as listas do CDS-PP à Assembleia da República, a convite de Assunção Cristas, e tem actualmente espaço fixo de comentário na SIC Notícias e um podcast no Expresso. Apresenta-se como uma alma velha, algo que corresponde também à visão política que transpõe para o seu comentário. Recentemente comprou a heróica batalha de defender Diogo Pacheco de Amorim e de apagar os crimes do MDLP. Nas análises que fez aos debates, talvez por defender colégios privados, inflaccionou sempre as notas dadas dos candidatos dos partidos de direita. Cada análise do jovem Bugalho parece saída de um antiquário, cumprindo o papel que lhe foi destinado no grupo Impresa. 

Parece que estes são os únicos jovens que existem no país. Quem não tem lugar de comentário é o jovem que não tem professor numa disciplina, que estuda na Escola Pública e está numa turma sobrelotada. Quem não tem lugar no espaço opinativo é o jovem que tem dificuldade a pagar as propinas, alojamento e alimentação. Quem não tem direito à palavra é o jovem que recebe o salário mínimo e tem um vínculo precário. Quem não interessa ouvir é o jovem que tem actividade sindical e se assume de esquerda. Quem é ignorado é o jovem que vê um mundo que pode ser transformado e dá a sua vida por essa transformação. Esses jovens não existem. Só existem seis jovens e nenhum deles é o jovem real. São, enfim, jovens de uma outra classe. 

https://www.abrilabril.pt/nacional/atencao-atencao-comunicacao-social-confirma-que-so-existem-6-jovens-no-pais


O OCIDENTE ‘OXIDANTE’ (‘L'’OXYDANT ‘) – por Alain de Benoist

O OCIDENTE ‘OXIDANTE’  (‘L'’OXYDANT ‘) – por Alain de Benoist (*), tradução de Alfredo  Barroso

Há muito tempo que o Ocidente não se define pela sua oposição ao “Oriente”. O que hoje se designa por “Ocidente”, é o conjunto político-tecno-económico que associa, sob domínio anglo-saxónico, os Estados-Unidos da América e a Europa Ocidental. Ora, os Estados-Unidos nasceram de um desejo de romper com a Europa e, após terem substituído, quase por completo, as populações autóctones, e de terem criado uma nova Terra Prometida, nunca deixaram de impor ao mundo, desde então, uma americanização indissociável da extensão planetária do comércio livre, da “sociedade aberta” e da lógica do mercado. Um prelúdio do velho sonho de um Estado mundial.

Dum lado e doutro do Atlântico, os interesses são necessariamente divergentes. Tomar partido pelo Ocidente, é tomar partido pelo Mar contra a Terra, pelas potências comerciais marítimas contra as potências políticas continentais, ou seja, ignorar os dados mais fundamentais da geopolítica. Porque o Ocidente é, antes de tudo o mais, isso: uma aberração histórica, ideológica e geopolítica.

O OCIDENTE, CONTRASTE DO SUL GLOBAL

Nem por isso o “ocidentalismo” deixa de estar mais presente do que nunca. Como é habitual, ele reúne, em proporções variáveis, os idiotas úteis e os colaboracionistas estipendiados. Tem-se visto a propósito do consenso mediático relativo à guerra na Ucrânia ou ao conflito israelo-palestiniano: os grandes partidos da direita e da esquerda estão hoje convertidos ao atlantismo, em ruptura com a tradição de independência característica duma linha “gaullista” hoje repudiada. O ocidentalismo, é uma espécie de inventário à Prévert: reúne atlantistas de sempre, que endossam sem estados de alma o papel de vassalos da América; liberais que acham que tudo o que vem de além-Atlântico é necessariamente melhor; bravos conservadores que ainda acreditam que o Ocidente é a “civilização”; leucodermes alucinados, pertencentes aos meios marginais da chamada “lunatic fringe” que se atém no essencial a um “nacionalismo puro” (um nacionalismo vazio, sem raízes sociais-históricas, portanto tipicamente americano) totalmente impolítico.

«Aqueles que (‘esquerda’ cosmopolita à cabeça) - escreve Panagiotis Kondylis - acreditam numa coesão do Oeste baseada exclusivamente na comunidade dos valores, são politicamente e historicamente ingénuos. A comunidade dos valores não cria só por si comunidade de interesses – pode mesmo suceder o contrário». No passado, aliás, a comunidade dos valores nunca impediu os países europeu de fazerem a guerra uns contra os outros.

Mas, de que valores estamos a falar? Ontem, o Ocidente era respeitado ou detestado, mas em geral invejado. Hoje, todavia, é considerado decadente, depravado, envergonhado da sua própria existência e, precisamente por essa razão, (justamente) desprezado. Para uma maioria de países que se recusam a considerar que a teoria do género e os delírios LGBT, a “cancel culture” e o “wokismo” são “valores universais”, o Ocidente já não é um modelo. É apenas um repelente.

«A política supremacista ocidentalista conduzida desde o fim da URSS conduziu-nos à situação em que estamos hoje», disse recentemente Hubert Védrine. Mas Joe Biden, esse, garante friamente que «a liderança americana é o que hoje une o mundo» (qualificando, de passagem, a ajuda à Ucrânia como «investimento inteligente que renderá dividendos para a segurança dos EUA por várias gerações»!). Na Europa, o ocidentalismo só pode, por conseguinte, tender para a direcção dos países e dos povos por um governador-geral [um ‘gauleiter’] de além-Atlântico. Em última análise, um tal conceito de Ocidente remete para a colonização e para a submissão. Uma Europa «ocidental» é uma Europa que já não tem nem a vontade nem os meios de determinar a sua política em função dos seus interesses. A adesão ao Ocidente é sinónimo de dependência e de vassalagem.

Tal como o capitalismo predatório, também o Ocidente é o inimigo da Europa. Um inimigo ‘íntimo’ se preferirem, um inimigo interno, sinónimo da tentação de ceder ao conforto da impotência e da vassalagem.

Trotsky passa por ter dito que «a guerra é a locomotiva da história». Mas foi de facto Marx que afirmou que «as revoluções são a locomotiva da história» (‘A Luta de Classes em França’, 1850). Mas é verdade que a guerra da NATO contra a Rússia, conduzida na Ucrânia, desempenhou o papel dum formidável acelerador dos processos em curso. Por pouco que analisemos todas as suas consequências, vê-se perfeitamente que ela já mudou o mundo.

Na assembleia geral da ONU, quarenta países que representam dois terços da humanidade recusaram-se a condenar a entrada de tropas russas na Ucrânia e a aprovar a política americana de sanções contra a Rússia. Dezanove países já fazem hoje fila à porta dos BRICS [Brasil, Rússia, India, China, África do Sul] que contribuem por si sós para uma maior parte do crescimento mundial do que os países do G7. Como então, nestas condições, continuar a falar de uma «comunidade internacional» que só representa os países anglo-saxónicos e os seus aliados?! Se há, doravante, uma comunidade internacional, ela tem de ser sobretudo a dos países emergentes, que recusam considerar o Ocidente como a encarnação do «mundo civilizado».

Uma nova clivagem se impõe, anunciadora de um Nomos da Terra fundado na multipolaridade (ou no ‘pluriversalismo’) e no não-alinhamento: de um lado, o «Ocidente colectivo» e o seu núcleo anglo-saxónico; do outro lado, o «resto do mundo», a começar pelos países que durante muito tempo foram qualificados como «emergentes» e que surgem agora como potências de futuro. Há um Sul periférico, assim como há uma França periférica. Este corte entre o «Ocidente colectivo» e o «resto do mundo» só pode aprofundar-se. Há que ver nisso uma boa notícia. Como escreve Max-Erwan Gastineau em “A era da afirmação”, é a desocidentalização que constitui uma possibilidade para uma Europa que está em dormência [entorpecida, sonolenta, em estado soporífero].

O futuro da Europa não está a Oeste, do lado do estado ‘terminal’ do Poente californiano. Está do lado do Sol nascente, do Levante.

(*) Na revista francesa “éléments”, número 206, de Fevereiro-Março de 2024

 

2024 02 23 (*), tradução de Alfredo  Barroso

Há muito tempo que o Ocidente não se define pela sua oposição ao “Oriente”. O que hoje se designa por “Ocidente”, é o conjunto político-tecno-económico que associa, sob domínio anglo-saxónico, os Estados-Unidos da América e a Europa Ocidental. Ora, os Estados-Unidos nasceram de um desejo de romper com a Europa e, após terem substituído, quase por completo, as populações autóctones, e de terem criado uma nova Terra Prometida, nunca deixaram de impor ao mundo, desde então, uma americanização indissociável da extensão planetária do comércio livre, da “sociedade aberta” e da lógica do mercado. Um prelúdio do velho sonho de um Estado mundial.

Dum lado e doutro do Atlântico, os interesses são necessariamente divergentes. Tomar partido pelo Ocidente, é tomar partido pelo Mar contra a Terra, pelas potências comerciais marítimas contra as potências políticas continentais, ou seja, ignorar os dados mais fundamentais da geopolítica. Porque o Ocidente é, antes de tudo o mais, isso: uma aberração histórica, ideológica e geopolítica.

O OCIDENTE, CONTRASTE DO SUL GLOBAL

Nem por isso o “ocidentalismo” deixa de estar mais presente do que nunca. Como é habitual, ele reúne, em proporções variáveis, os idiotas úteis e os colaboracionistas estipendiados. Tem-se visto a propósito do consenso mediático relativo à guerra na Ucrânia ou ao conflito israelo-palestiniano: os grandes partidos da direita e da esquerda estão hoje convertidos ao atlantismo, em ruptura com a tradição de independência característica duma linha “gaullista” hoje repudiada. O ocidentalismo, é uma espécie de inventário à Prévert: reúne atlantistas de sempre, que endossam sem estados de alma o papel de vassalos da América; liberais que acham que tudo o que vem de além-Atlântico é necessariamente melhor; bravos conservadores que ainda acreditam que o Ocidente é a “civilização”; leucodermes alucinados, pertencentes aos meios marginais da chamada “lunatic fringe” que se atém no essencial a um “nacionalismo puro” (um nacionalismo vazio, sem raízes sociais-históricas, portanto tipicamente americano) totalmente impolítico.

«Aqueles que (‘esquerda’ cosmopolita à cabeça) - escreve Panagiotis Kondylis - acreditam numa coesão do Oeste baseada exclusivamente na comunidade dos valores, são politicamente e historicamente ingénuos. A comunidade dos valores não cria só por si comunidade de interesses – pode mesmo suceder o contrário». No passado, aliás, a comunidade dos valores nunca impediu os países europeu de fazerem a guerra uns contra os outros.

Mas, de que valores estamos a falar? Ontem, o Ocidente era respeitado ou detestado, mas em geral invejado. Hoje, todavia, é considerado decadente, depravado, envergonhado da sua própria existência e, precisamente por essa razão, (justamente) desprezado. Para uma maioria de países que se recusam a considerar que a teoria do género e os delírios LGBT, a “cancel culture” e o “wokismo” são “valores universais”, o Ocidente já não é um modelo. É apenas um repelente.

«A política supremacista ocidentalista conduzida desde o fim da URSS conduziu-nos à situação em que estamos hoje», disse recentemente Hubert Védrine. Mas Joe Biden, esse, garante friamente que «a liderança americana é o que hoje une o mundo» (qualificando, de passagem, a ajuda à Ucrânia como «investimento inteligente que renderá dividendos para a segurança dos EUA por várias gerações»!). Na Europa, o ocidentalismo só pode, por conseguinte, tender para a direcção dos países e dos povos por um governador-geral [um ‘gauleiter’] de além-Atlântico. Em última análise, um tal conceito de Ocidente remete para a colonização e para a submissão. Uma Europa «ocidental» é uma Europa que já não tem nem a vontade nem os meios de determinar a sua política em função dos seus interesses. A adesão ao Ocidente é sinónimo de dependência e de vassalagem.

Tal como o capitalismo predatório, também o Ocidente é o inimigo da Europa. Um inimigo ‘íntimo’ se preferirem, um inimigo interno, sinónimo da tentação de ceder ao conforto da impotência e da vassalagem.

Trotsky passa por ter dito que «a guerra é a locomotiva da história». Mas foi de facto Marx que afirmou que «as revoluções são a locomotiva da história» (‘A Luta de Classes em França’, 1850). Mas é verdade que a guerra da NATO contra a Rússia, conduzida na Ucrânia, desempenhou o papel dum formidável acelerador dos processos em curso. Por pouco que analisemos todas as suas consequências, vê-se perfeitamente que ela já mudou o mundo.

Na assembleia geral da ONU, quarenta países que representam dois terços da humanidade recusaram-se a condenar a entrada de tropas russas na Ucrânia e a aprovar a política americana de sanções contra a Rússia. Dezanove países já fazem hoje fila à porta dos BRICS [Brasil, Rússia, India, China, África do Sul] que contribuem por si sós para uma maior parte do crescimento mundial do que os países do G7. Como então, nestas condições, continuar a falar de uma «comunidade internacional» que só representa os países anglo-saxónicos e os seus aliados?! Se há, doravante, uma comunidade internacional, ela tem de ser sobretudo a dos países emergentes, que recusam considerar o Ocidente como a encarnação do «mundo civilizado».

Uma nova clivagem se impõe, anunciadora de um Nomos da Terra fundado na multipolaridade (ou no ‘pluriversalismo’) e no não-alinhamento: de um lado, o «Ocidente colectivo» e o seu núcleo anglo-saxónico; do outro lado, o «resto do mundo», a começar pelos países que durante muito tempo foram qualificados como «emergentes» e que surgem agora como potências de futuro. Há um Sul periférico, assim como há uma França periférica. Este corte entre o «Ocidente colectivo» e o «resto do mundo» só pode aprofundar-se. Há que ver nisso uma boa notícia. Como escreve Max-Erwan Gastineau em “A era da afirmação”, é a desocidentalização que constitui uma possibilidade para uma Europa que está em dormência [entorpecida, sonolenta, em estado soporífero].

O futuro da Europa não está a Oeste, do lado do estado ‘terminal’ do Poente californiano. Está do lado do Sol nascente, do Levante.

(*) Na revista francesa “éléments”, número 206, de Fevereiro-Março de 2024

 

2024 02 23

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Margarida Gomes entrevista Gonçalo da Câmara Pereira

Câmara Pereira: “Não vejo diabolização nenhuma em aceitar o apoio do Chega”

 

Líder do PPM vai entrar na campanha da AD na próxima semana, mas não sabe se irá participar na caranava da coligação pré-eleitoral ao lado de Luís Montenegro e de Nuno Melo.

Margarida Gomes

23 de Fevereiro de 2024, 18:34

Câmara Pereira: “Não vejo diabolização nenhuma em aceitar o apoio do Chega”
Gonçalo da Câmara Pereira praticamente só ainda entrou na campanha eleitoral através de declarações por si feitas no passado. Apesar de o PPM, que lidera, integrar a AD, Câmara Pereira não conta integrar a caravana da coligação, mas, se " for chamado a fazer actividades", irá participar "com certeza".

 

 Tem estado afastado da pré-campanha da Aliança Democrática (AD), embora seja um dos três líderes da AD. Foi silenciado?

A mim ninguém me manda calar. Quero ser uma pessoa útil à coligação, mas não me quero pôr em bicos de pés porque essa não é a minha postura. Assinámos um acordo com a Aliança Democrática em que consideramos o doutor Luís Montenegro o nosso líder, o meu líder. Ele é que tem de ser o porta-voz, é ele que dirige a coligação. Se for preciso fazer alguma acção [de campanha], se me pedirem, com certeza que estarei disponível. Acho mais importante ser útil do que ser importante. Eu não quero ser importante, quero ser útil.


Disse que iria participar na campanha oficial da AD, nomeadamente no círculo de Lisboa, pelo qual concorre. A campanha arranca domingo, quando é que se vai juntar a Luís Montenegro?
Estou na Madeira em campanha para apoiar o candidato do PPM [Paulo Brito] e espero na terça ou quarta-feira começar as minhas actividades na campanha.

 

Vai integrar a caravana da AD?

 Não sei se é integrar a caravana, mas se for chamado a fazer actividades vou com certeza. Neste momento, prefiro andar nas associações a falar com as pessoas e ver o que nós poderemos fazer para mudar o país.


E é esse papel que vai assumir a partir de agora?

Sim, talvez seja esse o meu papel. Quero ser útil a fazer outras acções, como comunicação com organizações e com instituições e vou fazê-lo. É talvez mais importante neste momento focar a posição do doutor Luís Montenegro, porque ele é que vai ser primeiro-ministro. Estive uma vida inteira em palco como actor – o palco para mim não me é estranho –, mas nunca fui segunda figura, fui sempre uma primeira figura em palco.

 

A ausência na pré-campanha da AD é uma opção sua ou está a ser mantido à margem por causa das posições machistas que revelou num programa televisivo?

 Não tem nada que ver uma coisa com a outra. Ao fim destes anos todos fui aceite como um actor por excelência. Fiz um programa em que fiz aquele boneco – como chamamos em teatro – durante 10 anos para divertir as pessoas e hoje em dia o boneco do palco passou para a minha vida privada. Ora, isto é de um bom actor. Nesta questão do machismo, o que aconteceu foi que agora trouxeram isto para a política e para a vida real, e isso é de quem não sabe o que é o teatro ou desconhece completamente o que é a cultura.

 

O secretário-geral do PS mostrou disponibilidade para viabilizar um governo minoritário AD. Como presidente do Partido Popular Monárquico (PPM), agradece a disponibilidade do líder socialista?
Com certeza, desde que viabilize o governo para mudar o paradigma da política em Portugal. Não vejo diabolização nenhuma em aceitar o apoio do Chega. Não vejo aqui mal nenhum. Não se justifica!

 

Na sua opinião, a AD devia viabilizar um governo minoritário do PS?

  Isso é com o doutor Luís Montenegro, mas, se for eleito deputado, com certeza que não me importarei nada de viabilizar qualquer governo minoritário. O que é preciso é que Portugal tenha estabilidade. Não concordei com a queda do Governo de Pedro Santana Lopes nem com o de António Costa.

 

Luís Montenegro já disse que não governará com o Chega. Concorda?

  Estou na coligação com o doutor Luís Montenegro e se ele tomou essa posição eu estou ao lado dele.

 

 O PPM ainda é um partido para ser levado a sério?

  Quem quiser levar a sério, leva, temos essa liberdade. O PPM tem um programa, é um partido ecologista e ambientalista, mas não é um partido revanchista, que entre em guerras. Temos Os Verdes, que aproveitam o ambiente e a ecologia para fazer guerra, a favor do PCP; temos o PAN, que faz guerra permanente a favor do PS. Mas nós não. Nós queremos construir uma sociedade mais ecológica, mais ambientalista e mais amiga de todos.

Há uma coisa engraçada, os jovens não votam no PPM, mas têm hoje em dia uma postura muito de acordo com o nosso programa, que é viver numa comunidade em que não se faça guerra nem à economia nem à política.

 

 O PPM está para a AD como Os Verdes estão para o PCP?

Não. Porque eles aproveitam o ambiente e a ecologia para fazerem guerra política e nós não queremos fazer guerra política. O que queremos é induzir ideias dentro do programa e soluções que respondam à agressividade do dia-a-dia, o que é completamente diferente.

 

 O partido a que preside está reduzido à família Câmara Pereira?

O PPM é um partido que defende a família e há muitos militantes dentro da família. Se defendesse oficialmente a família e não defendesse a minha, não estava cá a fazer nada.

 

O PPM não pode ser considerado como um partido dinástico?

Não. O PPM é um partido monárquico. Já o PS é um partido dinástico. Há a dinastia de António Costa com o seu filho [Pedro Costa], que preside à Junta de Freguesia de Campo de Ourique, e a dinastia de Carlos César [que foi presidente do Governo Regional dos Açores] e do seu filho, Francisco César, que encabeça a lista de candidatos a deputados do PS nos Açores.

https://www.publico.pt/2024/02/23/politica/entrevista/camara-pereira-nao-vejo-diabolizacao-nenhuma-aceitar-apoio-chega-2081433

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Pedro Tadeu - Os nossos políticos são cobardes?

OPINIÃO
21 fevereiro 2024

* Pedro Tadeu
Jornalista

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, imitando o que outros ministros europeus fizeram na sequência da morte, tremendamente suspeita, de Alexei Navalny, opositor do presidente russo Vladimir Putin, chamou o embaixador da Rússia ao seu ministério para que fossem prestados esclarecimentos... Muito bem!

O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, João Gomes Cravinho, que se saiba, ainda não chamou ao seu ministério o embaixador de Israel no nosso país para pedir esclarecimentos sobre a morte de 10 mil a 30 mil civis (conforme as fontes) e o valor de quase dois milhões de deslocados, imensas vítimas inocentes provocadas pela retaliação de Israel ao ataque do Hamas de 7 de outubro que, por seu lado e perante indignação geral, matou 1200 pessoas... Muito mal!

Note-se que, no caso da Palestina, aos mortos e deslocados acrescenta-se uma situação humanitária catastrófica em Gaza: faltam ali medicamentos, comida, água, combustível e os hospitais estão em colapso, como vemos, todos os dias, nas TV.

A União Europeia (e Portugal por arrasto) está a tornar banal a utilização contraditória do argumento da Defesa dos Direitos Humanos para tornar efetivas as decisões políticas mais desumanas da sua história, contrariando claramente a sua retórica oficial.

Para além das sanções e das denuncias de violações de Direitos Humanos só se fazerem se forem cometidas pelos “inimigos do Ocidente” e se ignorarem ou escamotearem as que são cometidas por “Aliados” - e o caso da brandura inconsequente com que os Governos europeus analisam o que Israel tem feito é o exemplo mais pungente de como a hipocrisia política mata -, a própria União Europeia começa a tornar legal, dentro do seu próprio território, a violação de Direitos Humanos.

Temos agora o exemplo noticiado há dias de um texto que está pronto para ser aprovado em abril pelo Parlamento Europeu e que preconiza uma série de medidas severas para conter a imigração.

Uma dessas medidas chega ao ponto de prever que crianças, de qualquer idade, acompanhadas ou não pelas famílias, e que sejam requerentes de asilo, podem ser presas durante três meses desde que os estados que as recebam as declarem “perigos para a segurança nacional”, numa violação que a muita gente parece clara da Convenção das Nações Unidas para os Direitos das Crianças.

Numa notícia sobre isso que li no jornal Público diz-se que esse Pacto sobre Migração e Asilo prevê ainda a recolha de dados biométricos, como impressões digitais, a partir dos 6 anos de idade, e permite o recurso à “coação” contra crianças que se recusem a deixar recolher os seus dados.

Mais: as crianças podem ser devolvidas livremente ao país de origem desde que ele seja considerado um “país seguro” e nessa lista incluem-se países com problemas de perseguição a minorias ou com situações de violência social frequente, como a Tunísia, Turquia, Albânia ou Índia.

Outro dado inaceitável: os irmãos já não contarão para figurar em processos de reunificação de famílias, só os pais - se estes não estiverem presentes, os irmãos podem ser separados.

Estamos, portanto, a autorizar que um dia possa haver na União Europeia campos de concentração de crianças refugiadas ou requerentes de asilo... o antigo presidente norte-americano Donald Trump deve estar a rir-se do que os europeus disseram dele quando tentou fazer algo similar na fronteira com o México.

É tristemente significativo que nos debates eleitorais das últimas semanas as grandes questões internacionais, apesar de o mundo estar a arriscar-se a um conflito global, tenham ficado quase completamente ausentes das discussões entre líderes partidários - o medo de analisar seriamente o desvario atual é a prova da reduzida estatura política da maioria dos intervenientes.

Por outro lado, o fechar de olhos e a recusa em vetar os cada vez mais frequentes abusos da União Europeia em matéria de Direitos Humanos - com que a mesma UE enche a boca para condenar o resto do mundo - é a demonstração da cobardia prevalecente nos palácios do poder, nossos e da restante Europa “democrática”.

https://www.dn.pt/5001258510/os-nossos-politicos-sao-cobardes/

Carla Romualdo - História em que não acontece nada

Carla Romualdo

19/02/2024

Era um modesto hotel de uma cidade de província. Um desses estabelecimentos semifamiliares, em que o dono parece ter conseguido desenvolver o dom da ubiquidade, não só para controlar os empregados e guardar a sua propriedade, mas também para observar com deleite a nossa cara de susto quando nos surpreendia em cada esquina. Era um homem calvo, de rosto amarelado, com um dente de ouro que reluzia em simultâneo com o relógio de pulso, uma espécie de sincronização prévia à dos smartwatches com os smartphones que me pareceu muito original. Esperava os hóspedes pela manhã, chegava a persegui-los se ousavam esquivá-lo, para indicar-lhes a salinha, mesmo ali ao lado, onde o pequeno-almoço estava a ser servido, como se estivéssemos em Xanadu e houvesse o risco de perder-nos. Desejava que estivesse “tudo de feição” e indagava detalhes sobre a nosso relacionamento com o colchão: demasiado brando, quiçá muito duro? E que tal as almofadas? A mantinha extra está na prateleira de cima do armário, favor não esquecer. Era diligente, atencioso, insuportável.

O dono alternava com um rapazola na recepção. O rapazola dava indicações sobre como abrir a fechadura da porta do quarto e qual a melhor estrada para a cidade mais próxima com a rispidez de quem já perdeu a paciência para velhadas e os olhos indisfarçadamente postos no “Velocidade Furiosa 14”, que a TV frente ao balcão parecia estar sempre a transmitir. Já o dono sintonizava a CMTV, para animar o ambiente.

A cidade era monótona, o tempo chuvoso, o quarto arcaico. Ao pequeno-almoço, sentávamo-nos todos na salinha acanhada e falávamos baixo porque todos escutavam todos, a rádio tocava “os grandes sucessos da década de oitenta” e havia sempre alguém a lutar para libertar o pão da torradeira (“ela prende muito”, esclarecia a empregada), enquanto uma jovem, a única que apreciava ser escutada por todos, de gorro cor-de-rosa e botas altas, apetrechada para uma neve imaginária, garantia ao marido que já sabia que iria ter problemas com a Cátia, porque ela não tem consideração por ninguém e até a mãe se queixa dela no supermercado.

As cidades onde não acontece rigorosamente nada, são agradáveis, à sua maneira. Visitei mercados vazios e castelos encerrados (“Tem de vir cá na Primavera!”), li os anúncios necrológicos afixados nas paredes, avistei uma fauna pujante e sabiamente misantrópica (um casal de javalis, de passeio com os javardinhos, escapou da estrada com a destreza de celebridades habituadas a esquivarem paparazzi), evitei experiências gastronómicas e preferi seguir o conselho dos locais, e, por fim, cheguei ao sítio onde realmente queria ir, no qual me esperavam paisagens deslumbrantes e um gato zarolho, mas cuja história fica para outro dia.

Pelo caminho, assisti aos exercícios de uns quantos praticantes de BTT, a quem admirei a valentia e lamentei a falta de juízo, enquanto os via lançar-se pela ribanceira enlameada, evitando os pinheiros por um triz, e dizia para mim mesma o que dizem todos os cobardes, que o que nos temos é um elevadíssimo instinto de autopreservação.

Os dias passaram com uma lentidão prazenteira, quanto bastasse para que eu pudesse entregar-me aos habituais devaneios sobre uma vida no campo em que me dedicaria a cultivar alfazema e a ordenhar as minhas cabritas que teriam os nomes das irmãs Brontë, até ao momento do regresso a casa, quando alegremente adio sine die estes planos e recordo que tanto as cabras como a alfazema provavelmente me fariam espirrar, e que o campo só é aceitável quando fica perto da esplanada de um bar, como nos ensinou certa canção.

Quem me conhece reserva sempre uma palavra de cepticismo desdenhoso para os meus planos de fuga para o campo, porque as pessoas, em geral, têm pouca fé nos seus semelhantes e houve um ou outro episódio em que fugi de certos animais que afinal eram amistosos (como se eu pudesse saber!) ou em que me esbardalhei por um caminho de cabras e amaldiçoei o concelho inteiro. Enfim, o que lá vai lá vai.

Saí do hotel a transbordar de amor pelas cidades de província, pelos castelos fechados até Março, pelos praticantes de BTT, pelas torradeiras que prendem muito, e até, talvez, pela jovem Cátia que nem pela mãe parece ser apreciada.

Bem vos avisei que não ia acontecer nada.

https://aventar.eu/2024/02/19/historia-em-que-nao-acontece-nada/#more-1341557

Carlos Matos Gomes - Portugal é uma Ilha?



* Carlos Matos Gomes


Portugal é uma Ilha? Quem ouvir os jornalistas que interrogam os políticos em campanha e o enxame de comentadores que esvoaçam sobre eles como moscas varejeiras só pode concluir que sim. E mais, uma ilha fora do tempo e do espaço, por onde não passam correntes marítimas nem anticiclones. Um território no meio do nada.

Ouvindo os assuntos que os jornalistas e respetivos enxames colocam aos políticos descobrimos que Portugal não sofre influências externas — não ouvi uma única questão sobre os impacto da guerra na Ucrânia, nem do genocídio de Gaza, nem da ação dos guerrilheiros d Iémen sobre as rotas marítimas do comércio, nem sobre as consequências do corte da Europa Ocidental coma Rússia, nem da desindustrialização e deslocalização das indústrias alemãs, o motor europeu, nem sobre a emergência dos BRICs e a nova moeda de troca mundial, nem sobre a má relação da União Europeia com o Mercosul, nem sobre o conflito no interior da oligarquia dos Estados Unidos entre os adeptos da intervenção externa como motor da economia (Democratas, maioritariamente) e os adeptos do investimento interno (Republicanos maioritariamente), nem sobre a relação entre o Euro e o Dólar, nem sobre a política do BCE (que é decisiva para a questão da habitação, por exemplo), nem sobre os pesadíssimos investimentos previstos na Europa para despesas militares a pretexto de uma ameaça de invasão Russa que tem sido difundida, em detrimento de investimentos produtivos.

Portugal é uma ilha? Parece que sim. Tudo é prometido sem que seja formulada a questão: como? Já agora, como vai ser mantido o turismo no Algarve sem água? E que impacto é que tem a redução do IVA na restauração se não tivermos clientes para se “restaurarem”?

O que responderá um dirigente político à pergunta: Quanto oferece de aumento de salários, seja o mínimo, o médio, o do setor privado ou da função pública, se o governo não controla nenhum dos fatores do custo de vida, se estes dependem da situação mundial, das guerras, das alianças, da bolsa de valores de Wall Street? No entendimento dos fotógrafos à la minute que surgem nos ecrãs nem vale a pena perguntar, nem comentar o que não foi dito. Penso que terá sido Cícero quem escreveu que o inimigo da verdade não é apenas a mentira, mas principalmente o silêncio.

O silêncio sobe os fatores determinantes do que está em jogo nas eleições é revelador da manipulação a que estamos sujeitos, levando-nos a discutir o puzzle de arranjos para formar um governo, se A casa com B e rejeita C. Se B não casa com C, mas se junta e conta com a complacência da sogra de A. É disto e sobre isto que se desenrola a campanha de esclarecimento. Histórias de becos e de vão de escada, de vidas comezinhas.

A alegoria da gruta de Platão é uma história retirada de A República, em que nos pedem para imaginar uma espécie de caverna subterrânea em que os seres humanos vivessem como prisioneiros desde sempre e possui uma parede de modo a que eles vejam somente o que se passa na parede paralela. Sombras do que os estão no exterior querem que eles entendam como realidade, a única imagem que os prisioneiros conseguem ver. Os de fora falam e gritam, criando ecos que os prisioneiros podem ouvir. Sombras e ecos são projeções distorcidas das imagens e dos sons reais. Saramago recriou de certo modo esta alegoria de sermos colocados em modo de ilusão em Ensaio Sobre a Cegueira.

Não abordar a questão da dependência de Portugal do estado do Mundo é fazer dos portugueses prisioneiros cegos. A melhor apreciação dos que criam este silêncio é o de ignorantes. A outra é a de manipuladores que utilizam a ignorância do seu público para lhes venderem ilusões.

https://cmatosgomes46.medium.com/portugal-%C3%A9-uma-ilha-10e590e78195

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Carlos Coutinho - Absoluta impiedade à beira do Mondego ou em Jarmelo?

 


[No alto de Jarmelo, nas traseiras do edifício da antiga Câmara Municipal, D. Inês de Castro está ladeada de duas crianças, ajoelhada e olha para três homens que revelam insensibilidade à sua dor. As estátuas em metal são do artista Rui Miragaia e inspiram-se no quadro de Columbano Bordalo Pinheiro intitulado O Drama de Inês de Castro.]

 

Carlos Coutinho

2024 02 19

Vamos por partes

ONTEM, na sequência de um momento picante da visita guiada em que participei ao centro histórico e à sé da Guarda, quase chorei. É que as décadas que levo de vida razoavelmente informada e cada vez mais sedenta de informação, tiveram sempre como certeza que a Quinta da Lágrimas, em Coimbra, foi o camoniano lugar onde três fulanos mataram Inês de Castro, a mando de um rei estratega e resoluto, D. Afonso IV.

Então não é que agora me garantem, com argumentação alegadamente bem documentada, que a tal dama ao serviço da Corte afonsina, aquela que depois de morta foi rainha, partiu desta para melhor num lugar serrano chamado Jarmelo ainda hoje integrado neste concelho ventoso e alto-beirão, a Guarda?

Vamos por partes.

Parte 1

Confirmei que o político assassínio ocorreu lá no alto da antiga vila de Jarmelo, nas traseiras do decrépito edifício que já foi o poiso da respetiva e desaparecida Câmara Municipal. Inês estátua metálica está aí ladeada por duas crianças aflitas, coisas de metal como a mãe.

Anotei que as esculturas são da autoria de Rui Miragaia que se inspirou num quadro famoso de Columbano, havendo ainda quem pense que D. Pedro mandou escombrar a vila porque um dos assassinos havia nascido lá. Foi o que fugiu para a Espanha, o Pêro Coelho, que depois seria recambiado para Portugal, tendo rei “Cruel” ou “Justiceiro” mandado que lhe tirassem de entre os pulmões o seu coração impiedoso.

Sem tomar partido por nenhuma destas duas versões da mesma execução, hoje consideradas lendárias pelos especialistas em indagações historiográficas, confesso que sempre que atravesso o Mondego em Coimbra, vou à Quinta das Lágrimas lançar um olhar condoído para as suas fontes, junto ao Mosteiro de Santa Clara a Velha.

A Fonte das Lágrimas, ao lado da Fonte dos Amores, era, segundo a lenda, o local dos encontros discretos e vulcânicos do príncipe herdeiro, casado com D. Constança, e a sua amada e já mãe, como a legítima rival. E foi aí que no dia 7 de janeiro de 1335 de banharam de sangue os punhais dos três fidalgos leais ao rei mandante. A fonte possui a forma de uma cruz e dela sai uma água profunda, serena e dolente que nunca seca.


Parte 2

Tendo tudo isto em conta, deambulei pelo centro histórico da Guarda, uma urbe com infância pré-romana que a Federação Europeia do Bioclimatismo galardoou com o título de Primeira “Cidade Bioclimática Ibérica” em 2002 e reparei que é desta região que partem as linhas de água subsidiárias das três maiores cidades portuguesas: para a bacia do Tejo que abastece Lisboa, para a bacia do Mondego que dá de beber a Coimbra e para a bacia do Douro donde brotam os melhores vinhos de Portugal, se não do mundo.

Na verdade, tenho alguma dificuldade em meter em mim a ideia de que os primeiros residentes conhecidos nesta região, muito antes da chegada dos romanos foram os celtiberos, coabitando com as feras tribos que Roma apelidou de lusitanas e de outras como as dos igediatanos, as dos ausetanos, bastulos, cessetanos, contestanos, edetanos, ilercavões, ilergetes, indigetes, laietanos, oretanos, lancienses opidanos e as dos transcudanos que preferiam a cerveja de bolota e lutavam com uma espada curva chamada falcata.

Estes povos colaboraram uns com os outros, durante mais de dois séculos, na resistência à romanização. Existência e ação especialíssimas teriam sido as a dos túrdulos. Seguiram-se aos romanos os bárbaros visigodos já cristianizados e, finalmente, os muçulmanos.

Admite-se, não sei como, que topónimo Guarda tenha derivado do de um castro sobranceiro ao Mondego, o Castro de Tintinolho.


Parte 3

O poeta e distribuidor de castelos que também mandou semear os os pinhais de Leiria e a quem chamaram o Lavrador, ficou mês e meio na Guarda em gozo de núpcias com D. Isabel de Aragão, onde também estudou as hipóteses de uma guerra com Castela, conflito que foi para a frente mas não deu em nada a não ser na assinatura do Tratado de Alcanizes que fixou os limites fronteiriços entre os dois reinos.

Também parece indesmentível que aconteceu aqui o “nascimento da língua portuguesa” em 1169, já que aqui foi escrito o primeiro texto literário em português pelo trovador galego Paio Soares de Taveiró para a sua amada Ribeirinha, ou seja, Maria Pais Ribeira, trova que chegou ao conhecimento de D. Sancho I que também fez dela sua amante e com ela semeou duas filhas e quatro filhos, além de mais nove em três outras mulheres.

À Ribeirinha, “branca de pele, de fulvos cabelos, bonita, sedutora” muitos a queriam para si, tal como este rei prolífico que também trovava e até dedicou o a seguinte cantiga de amigo a uma donzela que lhe caiu no goto:

Ay eu, coitada,

como vivo em gram cuydado

por meu amigo

que ey alongado!

muyto me tarda

o meu amigo na Guarda!

Ay eu, coitada, como vivo

en gram desejo por meu amigo

que tarda e non vejo!

muyto me tarda

o meu amigo na Guarda!

 

Tudo isto na minha emoção se sobrepôs à contemplação da maravilhosa sé com o seu magnífico retábulo em pedra de ançã executado na oficina do célebre João de Ruão.


Parte 4

À tarde, a minha excursão dirigiu-se a Celorico da Beira, aonde eu já no ia há mais de quatro décadas, apesar de ser considerada a “capital do queijo da serra”. Terão sido os túrdulos os primeiros povos a povoar a zona., a partir do ano 500 a.n.e. – dizem alguns historiadores, mas outros garantem que esta povoação foi fundada 2 000 anos antes da nossa era. De todos ficaram resíduos arqueológicos de grande monta que têm vindo a ser postos à luz do dia.

D. Afonso Henriques atribuiu-lhe o primeiro foral que foi várias vezes remodelado por outros reis e aqui nasceu, já no século XX um certo António Rosa, que foi almirante e tão Coutinho como eu.

À tarde parti para Trancoso, aonde eu também já não ia há muitos anos.

Devo dizer que era absolutamente urgente para mim o reencontro com um sapateiro que já morreu há 479 anos e se chamava Gonçalo Annes, o Bandarra. Grande alvoroço e acontecimentos inenarráveis, diria Camilo Castelo Branco, ele causou em Portugal durante mais de três séculos.

Muito familiarizado com o Antigo Testamento, compôs uma série de trovas e profecias que aludem ao futuro de Portugal e do mundo, assim como da vinda de um segundo Messias a quem chamou o Encoberto.

Alegava ele que tais prenúncios lhe eram fornecidos em sonhos e profetizava papa Portugal a constituição de um V Império que virou a cabeça ao jesuíta Padre António Vieira e a muitos outros visionários mais ou menos bacocos, chegando a inspirar repetidamente Fernando Pessoa, o poeta com mais heterónimos que eu conheço.

Foi, enfim, o sebastianismo e o milenarismo lusitano, desvarios que assustaram a Inquisição porque via neles provas insofismáveis de judaísmo e condenaram o sapateiro de Trancoso a integrar na fila de um auto de fé no Rossio.

A seguir foi obrigado a voltar para Aldeia Velha, antiga cabeça do concelho que existia a sudoeste da vila de Trancoso. Aí onde morreu em 1556 e há agora na vila uma rua com o seu nome, além de uma estátua de bronze que faz um sapateiro parecer um alcaide. As sua trovas foram incluídas em 1581 no “Catálogo dos Livros Proibidos”.

Em 1642, D. Álvaro Abranches, general da província da Beira, mandou fazer um epitáfio o tumulo do Bandarra, na Igreja de São Pedro da Vila de Trancoso, com os seguintes dizeres:

“Aqui jaz Gonçaliannes Bandarra natural desta Vila que profetizou a restauração deste reino, e que havia de ser no ano de seiscentos e quarenta por el Rei D João o quarto nosso senhor, que hoje reina, faleceu na era de mil e quinhentos e quarenta e cinco.”


Parte 5

Se formos à Wiquipédia, veremos que em Trancoso há histórias ainda mais atordoantes que tudo o que tenho vindo a escrever aqui.

Só é cidade desde dezembro de 2004, mas as suas muralhas apertam lendas e histórias verdadeiras que surpreendem até o mais abstrato dos visitantes. Uma delas é a de um padre que viveu no século XV e terá gerado 299 filhos em 53 mulheres, muitas das quais suas familiares diretas ou próximas, incluindo irmãs e a própria mãe.

A história do padre Costa parece ter começado em 1487 quando, por carta régia datada de 31 de agosto, o monarca português «legitimou Maria Gomes, filha de Diogo Gomes, pároco da Igreja de São Pedro (de Trancoso) e de Maria Eanes, mulher solteira, residente na vila de Trancoso».

As fornicações quase sem intervalos do Padre Costa também incluíram 1 tia, de quem teve 3 filhos, e a própria mãe, na qual terá incubado 2 irmãos-tios ou tios-irmãos, como se queira.

A lenda refere que o prior terá sido julgado em 1487, com 62 anos, e condenado a ser “degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou”.

No entanto, apesar da tétrica sentença, conta-se que “El-Rei D. João II lhe perdoou a morte e o mandou pôr em liberdade aos 17 dias do mês de março de 1487 com o fundamento de ajudar a povoar aquela região da Beira Alta, tão despovoada ao tempo, e guardar no Real Arquivo da Torre do Tombo esta sentença, devassa e mais papéis que formaram o processo”.

Sentença proferida no processo contra o prior de Trancoso (1487)

(Torre do Tombo, Armário 5, Maço 7)

“Padre Francisco da Costa, prior de Trancoso, de idade de sessenta e dois anos, será degredado de suas ordens e arrastado pelas ruas públicas nos rabos dos cavalos, esquartejado o seu corpo e postos os quartos, cabeça e mãos em diferentes distritos, pelo crime que foi arguido e que ele mesmo não contrariou, sendo acusado de:

– ter dormido com 29 afilhadas e tendo delas 97 filhas e 37 filhos;

– de 5 irmãs teve 18 filhas;

– de 9 comadres 38 filhos e 18 filhas;

– de 7 amas teve 29 filhos e 5 filhas;

– de 2 escravas teve 21 filhos e 7 filhas;

– dormiu com uma tia, chamada Ana da Cunha, de quem teve 3 filhas, da própria mãe teve 2 filhos.

 

Total: 299 filhos, sendo 214 do sexo feminino e 85 do sexo masculino, tendo concebido em 53 mulheres.


Parte 6

Já que falei dos túrdulos, talvez não seja enjoativo regressar a eles.

Formavam uma antiga tribo tartéssica, ou melhor, um povo pré-romano que vivia no Sul de Portugal, assentada, a leste do Alentejo, entre os vales do rio Guadiana e do Guadalquivir, aproximadamente entre a Oretânia e a Turdetânia.

A sua capital foi o antigo ópido de Ipolka, conhecida como Obulco na época dos romanos, correspondendo atualmente à cidade de Porcuna, em Jaén. Entre outras particularidades, crê-se que os túrdulos se diferenciavam dos demais povos ibérios de então na língua, supostamente de origem tartéssia.

Eis o que encontrei em castelhano e não parece necessário traduzir:

"Porcuna es un pueblo con historia, con una gran historia bajo su gruesa piel de olivos. Un lugar que no ha dejado de estar habitado en los últimos 5.000 años y que entraña numerosos tesoros aún por descubrir. Fue poderosa nación ibera, Ipolka, y decisiva ciudad romana después, Obvlco. De sus épocas tartesias e iberas aún quedan por pulir muchas aristas, mientras que de su glorioso pasado romano las evidencias asoman en cada rincón de la urbe. Pero no menos importante fue para visigodos y musulmanes, y en la Edad Media los reyes deseaban en sus dominios a Porcuna."


Parte 7

Em Coimbra, no regresso a casa, parei no Largo da Portagem e logo desci para a Rua dos Gatos, porque Miguel Torga não veio à janela do seu consultório e na rua escura em que me embrenhei nem o mais infeliz dos felinos me apareceu.

Torga tinha morrido, afinal, como Inês e o próprio Joaquim António de Aguiar, o pedreiro livre que foi cartista e chefe de governo três vezes no século XIX, ainda continua em silêncio a olhar para o Mondego, desde o dia 26 de maio de 1861.


 https://www.facebook.com/carlos.coutinho.7186896/posts/pfbid033LQ9HtNr7A3TdFAYU5s9acNWr69JechGf1KJ66rfKDFeccWaCNHkC7GH6afQ8WaVl


sábado, 17 de fevereiro de 2024

José Pacheco Pereira - A São na campanha do PS

* José Pacheco Pereira

17 de Fevereiro de 2024


Pedro Nuno Santos não é único, a São está por todo o lado nos textos eleitorais, mas ele pôs-se mais a jeito.


Cartaz de propaganda eleitoral do Partido Socialista, Fevereiro de 2024 DR

  Experimentem dizer alto “Ação”. Os mais velhos, que têm a memória de como se diz “Acção”, dirão direito, os mais novos educados já na novilíngua, e os mais velhos modernaços e oficialmente muito obedientes, dirão “A São”. Entrou, pois, a São na campanha eleitoral do PS, e Pedro Nuno Santos quer “mais a São”.

 Por que raio quer ele mais a São? Não sei, mas duvido que haja muitas razões benévolas para isso, e as perversas ficam para as redes sociais. Repito o plebeísmo, que é sempre apropriado para estas coisas enquanto não for proibido. Por que raio Pedro Nuno Santos resolveu, logo no seu primeiro cartaz de propaganda eleitoral, usar uma das palavras que ficaram mais estragadas com o novo acordo ortográfico? Indiferença é de certeza, ignorância também, mas fico-me pela primeira, que é, junto com a inércia, a grande força motora do novo acordo ortográfico, em bom rigor, a única. Pedro Nuno Santos não é único, a São está por todo o lado nos textos eleitorais, mas ele pôs-se mais a jeito.

 Por que raio Pedro Nuno Santos resolveu, logo no seu primeiro cartaz de propaganda eleitoral, usar uma das palavras que ficaram mais estragadas com o novo acordo ortográfico? Indiferença é de certeza, ignorância também, mas fico-me pela primeira

O Acordo Ortográfico de 1990, pomposamente assinado pela maioria dos países de língua portuguesa, foi um dos maiores desastres diplomáticos dos últimos anos, com países como Angola e Moçambique a continuarem na mesma e todos os outros com diferentes graus de implementação. E, mesmo no Brasil, cada um escreve como quer, o que é aliás um dos factores do dinamismo do português do Brasil, fruto da pujança da sociedade brasileira, para o bem e para o mal.

Os resultados do Acordo foram separar ainda mais, uns dos outros, os países cuja língua oficial é o português e, dentro de cada um, haver na prática duas ortografias, como se vê neste jornal. Mesmo quando todos os passos legais para a sua implementação foram dados, quem escreve português bem, recusa o Acordo. E mais: considera uma questão de princípio escrever com a ortografia antiga, o que torna muito mais radical a divisão. Basta comparar os jornais dos vários países da CPLP para perceber isso, já para não falar de Portugal. Só que em Portugal deu-se um passo, cuja legalidade é contestada, de obrigar instituições, escolas e outras dependências do Estado a usar esse abastardamento da língua portuguesa que é o Acordo de 1990. E isso trouxe, como aliás a decisão de fazer o Acordo, muitos interesses económicos em jogo, que só se têm reforçado e hoje são um lóbi poderoso.

Apesar de uma enorme contestação, por que razão não se volta a escrever o português que tem a riqueza da memória da língua? A razão principal é que os nossos governantes, do PSD ao PS, estão-se literalmente nas tintas para o que é importante na nossa identidade cultural, mesmo quando se mostram muito indignados com a bandeirinha vermelha e verde, cuja história também desconhecem, ou se esquecem de colocar no orçamento as verbas para comemorar o Camões.

 (No Arquivo Ephemera não nos ensaiamos nada para colocar o episódio do Velho do Restelo em painéis pelas cidades com estes versos em negrito

"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça

Desta vaidade, a quem chamamos Fama!

para envergonhar a São…)

A memória de uma língua, que muitas vezes se traduz na ortografia – e não me venham com o “pharmacia”, que é outra coisa –,​ faz parte da sua riqueza, nunca impediu ninguém que fale português no Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde ou na Guiné, de ler Camões, Vieira, Camilo, Eça de Queirós ou Pessoa. Aliás, são mais lidos no Brasil do que cá. O que atenta contra essa capacidade de ler é outra coisa, é o ataque à leitura em papel, é a progressiva desaparição dos livros nas escolas, como se os ecrãs os substituíssem, é a desaparição da herança cultural das histórias da mitologia clássica ou da Bíblia, que são indispensáveis para ler, por exemplo, Os Maias, que é suposto ser lido nas escolas e que eu duvido muito se possa ler sem essas histórias, e, por fim, a progressiva limitação do vocabulário circulante, que empobrece a capacidade de expressão, logo, o poder de quem fala ou escreve.

 Quando o Ministério Público está a espatifar o sistema político e a democracia, entre a intencionalidade e a irresponsabilidade, quando a campanha eleitoral foge de tudo o que é importante cá dentro e lá fora, quando Trump apela à invasão russa da Europa, quando a traição à Ucrânia e aos palestinianos mostra a nossa cobardia e vergonha, quando Putin assassina na cadeia o seu principal opositor, porque é que a São é relevante? Porque a diferença entre a São e a Acção tem que ver connosco, com a nossa identidade, com a nossa língua, com a nossa cultura, com a nossa capacidade de falar bem, logo, de pensar bem, logo, de sermos mais fortes. E vamos muito precisar de ser mais fortes nos tempos que aí vêm.

 

O autor é colunista do PÚBLICO

https://www.publico.pt/2024/02/17/opiniao/opiniao/sao-campanha-ps-2080597


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Carlos Coutinho - Para nunca esquecer

* Carlos Coutinho
 
    Escrever na pele pode ser uma tatuagem em Lisboa ou em Paris, mas em Gaza é a mais desesperada forma de, na melhor das hipóteses, poder reagrupar a família. 

   Ontem, uma profissional de saúde que trabalha na organização Médicos sem Fronteiras estava ao lado de um local atingido por mais bombardeamento israelita e resolveu enviar a seguinte mensagem a outros membros da equipa:

   “Escrevi os nomes dos meus filhos e da minha família nos pulsos nos seus pulsos e nas suas pernas, para que possamos ser identificados.” 

   Na mensagem seguinte escreveu:

   “Vamos morrer todos. Todos nós. Espero que suficientemente cedo para parar o sofrimento que estamos a viver a cada segundo.”

   “Sobrevi”, contou depois, “mas na ninha cabeça não. Quando vi partes de corpos no quintal, pensei que não fazia sentido.”

   A uma centena de quilómetros dali, nalgum covil subterrâneo como de Hitler, Netanyahu, ignorando as pressões internacionais e contando com a absolvição do fiteiro Biden, retocava os últimos pormenores da “solução final” para os palestinianos encurralados no sul da Faixa de Gaza.

   A cidade de Rafah tem 64 quilómetros quadrados onde se acotovelam 1,4 milhões de palestinianos para ali empurrados pelas forças israelitas. Estes, enquanto não são desfeitos pelas bombas, vão sobrevivendo à falta de comida, medicamentos, água potável, combustíveis, eletricidade, enfim, tudo o que constitui a mínima resposta às necessidades básicas de vida, bem como sem tratamento de doenças e de ferimentos ou queimaduras.

   Para que não se esqueça.

2024 02 15

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Chay Bowes - Palavras que matam:

Palavras que matam: como os manipulares de comunicação ocidentais desumanizam povos seleccionados para justificar a guerra

 Chay Bowes     15.Feb.24     Outros autores

O papel da comunicação social dominante na justificação e promoção das infindáveis guerras desencadeadas pelo “ocidente” está definitivamente posto à vista. Os casos da Ucrânia e da Palestina arrumaram a questão. Já vem de longe o recrutamento e a instrumentalização de jornalistas pelos serviços secretos e de “informações”, a subordinação dos media às estratégias do complexo militar-industrial. Tal com “a guerra é a continuação da política por outros meios”, esta rede mediática inteiramente manipulada e servil configura a “antecipação da guerra por outros meios”. 

Com a operação punitiva de Israel contra Gaza no seu quarto mês, é impossível não comparar a indignação ocidental em relação a outros conflitos com a moralidade selectiva agora a ser aplicada quando se trata de Israel.

Mesmo a mais breve avaliação da forma como as inúmeras guerras do Ocidente têm sido retratadas nos meios de comunicação social clientes rapidamente produz provas irrefutáveis de que o marketing dos conflitos, tal como justificado pelas potências ocidentais, é fundamental para a sua contínua legitimação.

Desde a Segunda Guerra Mundial, os EUA têm estado directa e indirectamente envolvidos em dezenas de guerras e golpes de Estado, a par de inúmeros conflitos secretos e abertos em todo o mundo. Dados os vastos recursos necessários para perpetuar este mecanismo agressivo de influência global, é importante reconhecer que os contribuintes a quem se pede que financiem estas “guerras eternas” talvez nunca as tivessem aceite sem a ajuda e o alinhamento secreto de um meio de comunicação social cliente.

A linguagem e a terminologia são, evidentemente, um elemento central e fundamental quando é necessário apresentar uma guerra como moralmente aceitável. Isto é claramente óbvio quando examinamos a forma como os meios de comunicação ocidentais estão a retratar a actual escalada em Gaza. Os meios de comunicação norte-americanos e britânicos retratam subtilmente as vítimas de um lado como sendo mais dispensáveis do que as do outro, por exemplo, referindo-se às baixas israelitas como tendo sido “mortas”, enquanto as palestinianas são descritas como tendo simplesmente “morrido”, enquanto os menores detidos por Israel, que estão detidos sem julgamento em alguns casos há vários anos, são referidos como “prisioneiros”, enquanto os israelitas detidos pelo Hamas são referidos como “reféns”.

Esta utilização intencional da linguagem para esterilizar e desumanizar uma vítima, ou mesmo toda uma etnia, não é de modo algum acidental. É um elemento essencial de um esforço psicológico para fazer pender a balança no cálculo de culpabilidade subconsciente dos espectadores (fisicamente afastados do conflito). É simples considerar justificável a eliminação de “terroristas”, ao passo que o assassínio em massa de muitos milhares de crianças, mulheres, doentes e idosos indefesos é uma tarefa muito mais difícil de vender a um público ocidental cada vez mais informado.

A manipulação dos meios de comunicação social ocidentais não é, de forma alguma, um desvio da norma. Os actuais consumidores de notícias “fidedignas” no Ocidente devem recordar a utilização generalizada de jornalistas pela CIA, tanto no país como no estrangeiro, para influenciar a opinião pública nos anos 60, largamente entendida como fazendo parte da “Operação Mockingbird”, uma operação labiríntica e com vastos recursos que se propunha influenciar as mensagens dos principais meios de comunicação social. Embora a existência dessa operação específica nunca tenha sido confirmada, os esforços anteriores da CIA para recrutar jornalistas - centenas deles, tanto no país como no estrangeiro - foram expostos numa investigação do Senado dos EUA.

Hoje em dia, dado o preço exorbitante da guerra por procuração na Ucrânia, o observador comum seria excepcionalmente ingénuo se presumisse que uma influência semelhante não está a ser aplicada aos meios de comunicação social quando se trata de justificar conflitos e de vilipendiar os supostos “inimigos” do Tio Sam, como a Rússia e a China. Convém lembrar que estamos a falar de meios de comunicação social que dependem quase exclusivamente das “boas relações” com a Casa Branca e Downing Street para terem acesso a informações “secretas” e se manterem na “faixa favorável” do negócio das notícias. Se sujarem o vosso babete uma vez, fazendo a pergunta errada, é para o deserto da informação que ides. Não é à toa que se chama “narrativa alimentada à colher”.

A análise da linguagem em torno do conflito na Ucrânia dá-nos uma boa ideia de como é incutido um preconceito no espectador e no leitor. Apesar das questões complexas e de longa data que contribuíram para a intervenção russa em 2022, os media ocidentais optam por uma narrativa descaradamente unilateral, intencionalmente atribuindo a culpa exclusiva à Rússia. A desumanização dos russos vivos e mortos parece ser uma pedra angular desta táctica, a par de revisões selectivas da história. Diz muito o indefensável fracasso de meios de comunicação social que se apresentam como os campeões da igualdade e da liberdade em enfrentar o impulso essencialmente xenófobo que constitui o cerne desta estratégia.

Qualquer pessoa que observe o fluxo e refluxo da cobertura ocidental do conflito ucraniano notará o surgimento de uma narrativa centralmente formada e “leve nos factos” que sugere que os ucranianos são totalmente inocentes, num conflito que, de facto, não começou em 24 de Fevereiro de 2022, mas com um golpe de Estado da CIA em Kiev, em 2014, impulsionado por ultranacionalistas e pela extrema-direita. As suas raízes são ainda mais profundas, décadas atrás, com as tentativas de desestabilização da RSS ucraniana pelas agências de informação ocidentais.

É claro que o espectador ocidental é convenientemente poupado a esses pormenores. A habilidade de enganar através da omissão de factos tem sido bem aperfeiçoada por empresas do calibre da BBC e da CNN. Para além disso, os meios de comunicação ocidentais também têm sido hábeis a ocultar os crimes de Kiev contra o seu próprio povo no rescaldo do golpe de Maidan de 2014. Não há espaço para relatar a corrupção grosseira, os batalhões punitivos neo-nazis desencadeados na região de Donbass, ou os assassinatos, raptos e violações cometidos contra as populações de língua russa que se recusaram a aceitar o mandato ilegítimo do governo pós-Maidan.

Assim, enquanto os meios de comunicação ocidentais se apegam alegremente a esta narrativa centralizada, há questões muito difíceis a colocar sobre as motivações e os instrumentos psicológicos que estão a ser utilizados para licenciar e vender a justificação da guerra e, no que diz respeito à Palestina, uma dessas realidades desconfortáveis é a utilização do racismo subconsciente.

Vejamos a conveniente demonização do Islão. Não é de modo algum um acidente o facto de a maioria das vítimas da catastrófica “guerra contra o terrorismo” dos EUA pós 11 de Setembro ser muçulmana. Décadas de demonização do Islão como uma religião selvagem empenhada em dominar o mundo tiveram um efeito subconsciente na “mente colectiva” do Ocidente. Este efeito é depois energicamente explorado pelos media ocidentais, conforme necessário.

Quando os refugiados sírios e africanos das guerras estimuladas pelas potências ocidentais procuraram refúgio na Europa, foram recebidos com protestos e, em muitos casos, com violenta objeção. No entanto, quando se tratou do conflito ucraniano, alguns comentadores ocidentais falaram abertamente do facto de os refugiados ucranianos “se parecerem connosco”, de poderem ser “a nossa gente”, de serem loiros e de olhos azuis. Foi uma demonstração chocante da forma como os ucranianos são tratados como seres humanos semelhantes, enquanto milhares de muçulmanos castanhos que se afogam no Mediterrâneo lutam para ocupar linhas nas colunas dos mesmos jornais.

A relação íntima entre os media clientes e o complexo militar industrial também requer investigação e análise profunda. Impérios mediáticos como o News Corp de Rupert Murdoch exercem uma vasta e esmagadora influência no discurso público quando se trata de justificar a guerra. A relação entre o complexo militar industrial, de importância crítica, e a criação de uma narrativa de guerra defensável é inegável, mas persistentemente negada. Assim, à medida que o mundo desvia o seu olhar da Ucrânia para o Médio Oriente, é notável a rapidez com que o conflito ucraniano deixou de estar no topo das notícias no Ocidente. É igualmente notável a forma como as críticas ao Presidente ucraniano Vladimir Zelensky se tornaram subitamente aceitáveis, quando as mesmas críticas, há apenas alguns meses, eram universalmente suprimidas nos meios de comunicação ocidentais.

Tudo isto sugere também que uma sinistra narrativa centralizada está a ser utilizada no interesse de uma vontade política e não na procura da verdade pelos meios de comunicação social do establishment. Qualquer observador objectivo tem de se esforçar muito para se convencer de que os media não estão agora a desempenhar um papel fundamental na justificação do conflito “do dia”. A deturpação intencional da representação de um grupo em oposição a outro, a utilização selectiva e astuta da história no cultivo de narrativas e o mal disfarçado uso do racismo para descrever um lado como essencialmente culpado pelo próprio tratamento brutal que lhe é infligido pelo outro.

Parece agora chocantemente óbvio que os meios de comunicação ocidentais estão determinados a suprimir qualquer debate informado sobre a razão de ser de um conflito quando esse conflito emana dos EUA ou de um dos seus clientes ou aliados. É também cada vez mais evidente que, mesmo quando os meios de comunicação social do sistema mudam de tom, o fazem para lubrificar uma mudança de direção política previamente acordada, como está a acontecer actualmente na Ucrânia. Meios de comunicação ocidentais como o Washington Post, o New York Times e o The Independent no Reino Unido estão agora a retratar abertamente um regime ucraniano à beira do colapso. A tão apregoada “contraofensiva” ucraniana, outrora incessantemente apregoada pelos media como uma manobra “revolucionária” liderada por mentes brilhantes e combatida com armamento ocidental inatacável, tornou-se agora uma fonte de escárnio aberto.

O que seria impensável assinalar há apenas alguns meses, tornou-se agora corrente. Surgiram milagrosamente relatos pormenorizados de “fontes anónimas” sobre a natureza fracturante do regime do Presidente Zelensky e sobre a intriga shakespeariana em Kiev, quando o Chefe das Forças Armadas, Zaluzhny, enfrenta o endemicamente corrupto establishment ucraniano. Esta narrativa tornou-se subitamente aceitável para os media clientes do Ocidente. Alguém acredita realmente que esta mudança de opinião não tenha sido aprovada ou moldada a nível central? Tendo em conta a história da relação íntima dos serviços secretos americanos com os meios de comunicação social nos Estados Unidos e não só, qualquer pessoa que acredite que o ADN da CIA não está presente nesta mudança radical de informação é excepcionalmente ingénua.

O manual para licenciar a guerra é, de facto, bastante simples. Primeiro, demonize o seu inimigo - chame-lhe orc, chame-lhe terrorista, cultive o medo entre a sua própria população e convença-a de que o seu inimigo não é o grosseiramente incompetente governo que gasta incessantemente milhares de milhões de dólares dos seus impostos em guerras no estrangeiro, mas sim os povos de terras longínquas que muito provavelmente sofrem as suas próprias privações devido a essas mesmas guerras perpétuas.

Depois, convencer os contribuintes de que as elites políticas que elegem não têm culpa destas guerras e das políticas económicas de dominação, que conduziram a vastas crises migratórias, como as enormes multidões de indivíduos que atravessam a fronteira sul dos EUA. Alguém sugere que a política externa norte-americana não teve qualquer influência nestes movimentos maciços de pessoas? Alguém sugere que os migrantes que morrem aos milhares no Mar Mediterrâneo, enquanto clamam desesperadamente por uma vida melhor na Europa, não foram levados para lá pelas inúmeras guerras no Médio Oriente? Estas guerras são travadas contra comunidades e países quase exclusivamente islâmicos que se tornaram endurecidos e radicalizados, não necessariamente pela religião em si, mas pelas políticas externas vazias e idiotas que resultaram da intromissão e interferência do Ocidente no Médio Oriente ao longo de séculos.

Para aqueles de nós que desejam uma paz justa e o fim das guerras eternas, há uma obrigação absoluta de desafiar o enganoso licenciamento dos conflitos por parte dos media clientes. Estas guerras desnecessárias empobrecem e tornam miseráveis não só as vítimas, mas também as populações enganadas dos países de onde emanam. Afinal de contas, são os contribuintes ocidentais que involuntariamente financiam esta grotesca fábrica de lucros circulares, um moedor de carne que suga vidas humanas e cospe uma vasta riqueza para uma pequena elite, a mesma pequena elite intimamente relacionada com a classe política que procura justificar esses conflitos desnecessários. Tudo licenciado e vendido como moralmente defensável pelos sempre leais meios de comunicação social clientes.

Fonte: HomeWorld News, 6 Fev 2024

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