sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

José Pacheco - A liberdade de Corto Maltese e a inspiração de Spike Lee

SEMANÁRIO 09.02.2024

Exclusivo

FISGA

1994 Cong S.A. Suisse

Em Paris e Oslo, olha-se para a liberdade desenhada por Corto Maltese. Em Nova Iorque, Spike Lee abre o baú das suas inspirações

  •  

08 FEVEREIRO 2024 22:57

João Pacheco

 

PARIS — OSLO — AVELLINO — VENEZA

Um dia, uma amiga da mãe pegou na mão esquerda do rapaz. Olhou e ficou horrorizada. Não havia ali a linha do destino. O rapaz não pensou muito e foi buscar uma lâmina de barbear do pai. Inventou na palma daquela mão uma linha profunda e longa. Pela vida fora, nunca chegaria a acumular tesouros bem fechados. Mas sempre foi livre.

O rapaz chamava-se Corto Maltese e tinha nascido na ilha de Malta, no verão de 1887, filho de uma cigana de Sevilha e de um marinheiro inglês de Tintagel, na Cornualha. Aliás, o viajante Corto Maltese nasceu para o mundo 80 anos depois, no livro “A Balada do Mar Salgado”, de 1967. Corto é a grande personagem criada pelo autor de banda desenhada Hugo Pratt (1927-1995). E viajou por vários continentes, partindo de La Valletta no veleiro “Vanità Dorata” (ou seja, Vaidade Dourada). Nos livros de Pratt, Corto viveu apaixonado pela liberdade, sempre pronto para partir. Era também capaz de declarar amor, perguntando: “Queres partir comigo?”

Um próximo destino cortomaltesiano pode ser Paris, onde o Pompidou terá de 29 de maio a 4 de novembro três exposições de banda desenhada em simultâneo. A iniciativa chama-se “La BD à tous les étages” (A BD em todos os andares), com destaque para “Corto Maltese, une vie romanesque” (uma vida de romance). Já na capital da Noruega, Corto Maltese está presente até 22 de março no Istituto Italiano di Cultura di Oslo, na exposição “Hugo Pratt. Opphavet, verket, livshistorien” (a herança, a obra, a biografia).

Da biografia de Pratt faz parte a amizade com o cartoonista Milo Manara, conhecido sobretudo pelo erotismo e pela beleza de livros de banda desenhada como “O Clic”. E, em entrevista ao Expresso em 2022, Milo Manara contou que Pratt era Corto Maltese, mudando o contexto histórico. “Corto Maltese vivia numa época em que não era preciso pedir autorização para chegar de barco e ancorar num sítio qualquer. Agora é completamente diferente.” No atual contexto histórico, a cidade de Avellino está na linha do destino de quem quiser ver a exposição “Milo Manara — Così fan tutte. Le Metamorfosi d’amore”, que está até 9 de março no Museo Irpino e parte da ópera “Così fan tutte”, de Wolfgang Amadeus Mozart. De Avellino, será boa ideia prolongar a linha da sorte até a uma ponta aquática do mapa de Itália, para caminhar sem destino por Veneza, um dos territórios importantes para Corto Maltese. Haja liberdade.


NOVA IORQUE

A inspiração de Spike Lee


Sim, poderíamos ocupar-nos apenas de massa fresca. Mas é essencial lembrar outros aspetos da História, no contexto atual de propagação da extrema-direita, na Europa e no mundo. Este póster foi feito em Itália em 1944, durante a II Guerra Mundial. Contém racismo e pertence à coleção do casal Spike Lee e Tonya Lewis Lee. O autor do cartaz desenhou-o nos últimos tempos do regime fascista do ditador Benito Mussolini (1883-1945). E sim, a ideia era que vinham aí os soldados americanos, preparados para pilhar e violar as riquezas e os corpos de Itália. Para estimular o medo e a coesão entre a população, era preciso mostrar que, com uma possível invasão norte-americana, chegaria o caos personificado por soldados afro-americanos. Agora, este bocado de guerra psicológica faz parte da exposição “Spike Lee: Creative Sources” (Fontes Criativas), que está até segunda-feira no Brooklyn Museum, em Nova Iorque. Para ir às fontes de inspiração do realizador afro-americano Spike Lee, há aqui mais de 400 objetos fornecidos pelo autor. Haja inspiração.

https://expresso.pt/revista/fisga/2024-02-08-A-liberdade-de-Corto-Maltese-e-a-inspiracao-de-Spike-Lee-05a3faac

Sem comentários: