OPINIÃO
Como se percebe desde 2019, os governos PS-contas-ditas-certas foram verdadeiras fábricas de extremistas de direita.
Manuel Loff
7 de Fevereiro de 2024
Num país em que
votam 40 a 60% dos eleitores, e onde as empresas de sondagens veem dois terços
dos inquiridos a não lhes responder, vale a pena ver com atenção como votou
meio milhão de pessoas nos Açores e, em setembro passado, na Madeira. Muito
mais fiável que sondagens.
As eleições nas
ilhas mostram que, ao contrário dos últimos anos, há muito mais gente a votar.
Mais do que nas regionais de 2019 e 2020, mas mais ainda do que nas
legislativas de 2022. Motivo de sobra para tomar estas eleições como indício
fiável das tendências políticas. E confirmam o que já sabíamos: que o PS está
irremediavelmente em queda. Muito pronunciada na Madeira: em setembro perdeu
40% dos votos das regionais de 2019 e um terço dos votos que obteve para a
Assembleia da República (AR) em 2022. Nos Açores, o PS perde menos, compensado
em parte pela descida do BE. Por outro lado, a AD não descola do que já tinha:
já estava em perda (-2%) na Madeira, está estancada nos Açores (+0,1%), onde, é
verdade, reúne muito mais apoio do que nas legislativas. A IL estancou também,
com resultados sempre muito abaixo dos que obtém nas mesmas regiões para a AR.
Isto é também o
que tradicionalmente acontece com o BE, que, ao contrário dos demais partidos,
teve resultados muito diferentes num arquipélago e no outro: subida na Madeira
em setembro, descida muito pronunciada nos Açores. É já comum que o BE obtenha
maus resultados quando o PS pretende recuperar o poder à direita, como agora
acontecia. À CDU acontece, normalmente, o mesmo, mas desta vez as coisas
correram melhor: contrariou tudo o que as sondagens para a AR têm previsto,
subindo significativamente na Madeira e conservando o que tinha nos Açores, em
ambos os casos acima dos maus resultados das legislativas de 2022. A campanha
eleitoral vai ser decisiva para recuperar muitos dos votos que se perderam para
a maioria absoluta do PS – e que, afinal, serviram só para facilitar o caminho
ao Chega.
Os resultados
da extrema-direita confirmam que (ainda) está em fase ascendente, mas nada a
ver com o que as sondagens indicam. Recordemos que há dias o estudo do Iscte/ICS dizia que o Chega poderia triplicar a sua
votação (de 7% para 21%) para a AR, quando os resultados finais, reais, das
eleições regionais dão-no a ficar muito abaixo disso: com menos abstenção agora
que em 2022, o Chega sobe de 6,1% para 8,9% na Madeira e de 5,9% para 9,2% nos
Açores. Ventura fez ambas as campanhas, o escândalo Albuquerque já se tinha
dado quando os açorianos votaram. Não há bola de neve alguma. O Chega só conta
porque sem ele não há maioria de direita. Mais nada.
Todos os
estudos dizem que não são os trabalhadores pobres que votam Chega; exatamente
como aconteceu nos anos do fascismo clássico (1922-45), é nestes setores das
classes médias e médias altas que há muita gente disponível para votar neles
Apoiado na
cultura política do ressentimento e do ódio que povoa as redes sociais, levado
ao colo por muitos dos media que fazem capas sucessivas com os
seus dirigentes e que sobrerrepresentam Ventura como se ele já tivesse os
resultados que só as sondagens lhe dão, o Chega tem sido muito beneficiado por
um mal-estar difuso, especialmente nas classes médias baixas e em setores
profissionais da administração e dos serviços públicos que pagam hoje o preço
que há muito pagam já os trabalhadores precários e/ou do salário mínimo,
esmagados por salários baixos, por privatizações que tudo encarecem e pela
omissão do Estado em limitar preços e rendas que a maioria não consegue
suportar. Todos os estudos dizem que não são os trabalhadores pobres que votam
Chega; exatamente como aconteceu nos anos do fascismo clássico (1922-45), é
nestes setores das classes médias e médias altas que há muita gente disponível
para votar neles. A aposta de Ventura é evitar discutir políticas sociais que
corrijam a desigualdade e puxar o debate para o medo da perda de estatuto, ou
para a demonização dos mesmos trabalhadores imigrantes que asseguram uma grande
parte do bem-estar da classe média.
Como se percebe
desde 2019, os governos PS-contas-ditas-certas foram verdadeiras fábricas de
extremistas de direita. Não são os únicos: Macron é melhor ainda do que eles.
Para travar a extrema-direita, qual PS nem meio PS. Como aconteceu sempre que o
fascismo avançou, só uma frente social construída em torno dos direitos do
trabalho, da luta por todas as formas de igualdade e contra o racismo. É um
dever democrático nos 50 anos do 25 de Abril.
O autor é
colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico
https://www.publico.pt/2024/02/07/opiniao/opiniao/votos-serio-nao-sondagens-2079496
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