sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Ricardo Araújo Pereira - Bem-vindos a mais um esclarecedor debate



Bem-vindos a mais um esclarecedor debate

* Ricardo Araújo Pereira

Humorista

08 FEVEREIRO 2024

Bom, eu gostaria de começar por dizer que...

— Não, isso é falso.

— Desculpe, eu estava a falar.

— Ah, pois. Não quer ouvir. Não quer ouvir. Não quer ouvir.

— O que eu estava a dizer era que...

— Não quer ouvir.

— ...o meu partido considera que...

— Não quer ouvir.

— ...bom, assim é impossível.

— Pois, é, porque não quer ouvir.

— Se eu puder completar o meu raciocínio...

— Eu sei que custa. Eu sei que custa.

— Nós temos uma proposta para resolver o problema da habitação.

— Ai é? Então e esta folha A4 que eu trouxe que é a fotocópia de uma notícia antiga?

— A proposta consiste em...

— Não, mas olhe aqui esta fotocópia de uma notícia antiga que eu trouxe.

— ...investir em habitação pública.

— Não quer falar sobre esta notícia antiga, não é? Não interessa. Não pode negar. Isto veio nos jornais.

— Ainda ontem li no jornal que as propostas do seu partido levam o país à ruína.

— Desculpe lá, isso só pode ser para nós nos rirmos. Os jornais só dizem mentiras.

— Não, desculpe lá.

— Não, desculpe lá.

— Não, desculpe lá.

— Não, desculpe lá.

— Não interrompa, por favor. Eu não o interrompi.

— Não quer ouvir, não é? Não quer ouvir.

— O seu partido tem nas suas listas de candidatos a deputados pessoas que foram constituídas arguidas por serem suspeitas de crimes.

— Mas a minha gravata é azul.

— O que é que isso tem a ver com o que eu disse?

— É mentira?

— Não tem nada a ver com o que eu disse.

— Mas é mentira? Responda à pergunta. É mentira?

— Posso falar?

— Não quer responder. A verdade incomoda, não é? Por isso é que as sondagens dão um péssimo resultado ao seu partido.

— As últimas sondagens também dão o seu partido a descer.

— As sondagens são uma vigarice e têm o único objectivo de prejudicar o meu partido. A sondagem que interessa é o voto do povo, nas urnas. O povo é que interessa.

— O povo tem dado maiorias a outros partidos, que não o seu.

— O povo não percebe nada, está completamente dependente da máquina do Estado, por isso é que vota sempre nos mesmos.

— Posso falar?

— Ai, coitadinho. A vítima. Lá vêm as queixinhas. Isto é política, habitue-se. É por causa deste tipo de político que o país está como está. O Parlamento tem deputados a mais, que não estão lá a fazer nada.

— É o caso do seu grupo parlamentar, que aprovou zero propostas.

— É mentira.

— Que propostas é que aprovaram?

— Nenhuma, porque não nos deixaram. Chumbaram as nossas propostas de propósito.

— Está a queixar-se? Então isso não é política? Desculpe, isto é uma bandalheira.

— Não é, não. Eu e o meu partido viemos precisamente para acabar com a bandalheira. Agora vou defecar na mão e arremessar-lhe as fezes.

 

Ricardo Araújo Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia



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