LIVRE DE ESTILO
* Bárbara Reis
07 de fevereiro
de 2024
É fácil estar
no sofá – e não ao vivo na televisão – e pensar "como é que ele não lhe
pergunta isto?!", "como é que ela não lhe diz aquilo?!".
Do mesmo modo,
é fácil estar a ver uma entrevista ao vivo na televisão e pensar: "Boa
pergunta."
São momentos de
felicidade.
Pensará que
vejo entrevistas como vejo jogos de futebol. "Bom golo", "bom
passe", "boa assistência de calcanhar". Não vejo futebol, por
isso não se aplica. Mas há algum parentesco.
Não espero que
os jornalistas façam hat tricks na televisão – já agora, falo
de televisão em directo porque há uma arte particular neste media; é
mais exigente do que entrevistar alguém para um gravador, conversa que mais
tarde será editada com pinças cirúrgicas de modo a que todos façam boa figura,
entrevistado e entrevistador.
A televisão em
directo – como o futebol – exige jogo de cintura naquele instante,
não resulta se for um minuto depois. Televisão em directo é a pergunta certa no
momento certo. É estudar e preparar, como nas outras entrevistas, mas é rapidez
de reacção e reacção certeira. É a diferença entre um concerto de música clássica
– onde cada um segue a partitura – e um concerto de free jazz
– onde o improviso é rei.
Com a ascensão
do Chega e da direita populista radical dou por mim a prestar mais atenção às
perguntas dos jornalistas do que às respostas. Podem ser líderes
políticos, analistas e comentadores, e todo o tipo de intervenientes no espaço
público.
Foi o que
aconteceu este sábado, na CNN. Armando Ferreira, presidente do Sinapol
– um dos 19 sindicatos da Polícia de Segurança Pública –, estava em estúdio a
comentar o cancelamento do jogo Famalicão-Sporting, desse sábado, por falta de policiamento.
Quando o
polícia disse que começa "a temer que poderá haver falta de
polícias para [as eleições legislativas de] 10 de Março, porque os
boletins de voto são transportados pelas forças de segurança e as urnas de voto
também", André Carvalho Ramos, pivot da CNN, perguntou:
– Não quer
desaconselhar acções semelhantes a esta [não terem feito policiamento do jogo]
no dia das eleições?
O sindicalista
da Sinapol disse que "os sindicatos têm tentado que as coisas sejam feitas
dentro dos princípios legais e das linhas vermelhas do que se pode e não pode
fazer" e que "nada disto é o que os sindicatos queriam que estivesse
a acontecer".
E a entrevista
prossegue:
– No caso das
eleições legislativas, o transporte de urnas de voto não tem substituição
possível?
– Que eu saiba,
não. Quero acreditar que isso não vá acontecer, mas não podemos descartar. E
temos de alertar o Governo para aquilo que pode acontecer.
– São ou não as
forças de segurança essenciais à democracia?
– Claro que
são. As forças de segurança são um dos pilares da democracia.
– Então como é
que explica que possam colocar em causa o grande momento democrático de um
país, o momento em que os eleitores vão votar?
– Essa pergunta
tem de fazer ao Governo. O Governo português é que fragilizou este pilar da
democracia [...]. Com a sua teimosia de não querer resolver os problemas, está
a empurrar os polícias para um precipício e está a forçar os polícias a tomar
posições extremadas que não são desenvolvidas pelas estruturas sindicais, são
por iniciativas inorgânicas.
– Por ser por
iniciativa inorgânica, pergunto se não quer aconselhar os seus colegas a alguma
ponderação, sobretudo para 10 de Março?
Repare: é a
segunda vez que o jornalista pergunta isto. Vamos no minuto quatro e o tema é o
mesmo – é preciso polícia para haver eleições. O que responde o
presidente do Sinapol?
– Tenho de
dizer aos meus colegas que eles são profissionais das forças de segurança e
sabem perfeitamente as suas responsabilidades, mas também tenho de dizer ao
Governo português que ele sabe perfeitamente quais são as suas
responsabilidades e, desde que este conflito começou, o Governo está em
silêncio absoluto. Começa a cair em descrédito o movimento sindical por culpa
do Governo. Quem está a criar o monstro, quem está a criar a besta, é o
Governo.
– Não teme que
esse descrédito seja ainda maior se os portugueses olharem para o 10 de Março
com desconfiança em relação à polícia por não garantir o escrutínio eleitoral?
Repare: é a
terceira tentativa do pivot da CNN. Resposta?
– Acredito que
isso possa acontecer e pode ser um perigo que pode acontecer. A verdade é que
eu não controlo os meus colegas. Eu não tenho mão sobre os meus colegas.
O
Sinapol chama-se Sindicato Nacional da Polícia mas, apesar do que o
nome sugere, só tem 1350 sócios. É verdade que Armando Ferreira não controla os 22 mil membros da PSP.
Mas podia ter feito um apelo. Pelo menos aos "seus" 1350. Podia
ter dito qualquer coisa como "lutem, mas não bloqueiem as
eleições". Não o fez. Nem à primeira, nem à segunda, nem à terceira.
Não
conheço André Carvalho Ramos e não sei se ficou surpreendido com a falta
de sentido de responsabilidade do líder do Sinapol. Imagino que sim. Como eu e
milhares de pessoas ficámos. Fico a pensar que o jornalista tentou dar a mão ao
polícia e dar-lhe a voz de sindicalista sensato e democrático. Não conseguiu,
mas fez bom jornalismo.
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