* Carlos Coutinho
Ao contrário do escanzelado Rocinante, o melancólico e sisudo cavalo branco de D. Quixote de la Mancha, o burro anafado do fiel escudeiro Sancho Pança não tinha nome, embora fosse um equídeo muito inteligente, sensato e introvertido.
Houve quem o batizasse como Rocio, porque Cervantes o pintou como ruço, mas aquele jerico era, de facto, inominável, ou simplesmente incrível, porque tinha a sageza peculiar de toda a fauna asinina e suspeita-se até que era capaz de entender o mundo e as suas lógicas muito melhor que o desvairado patrão do seu dono.
O mesmo não direi do Rocinante, nome que alguns linguistas vão buscar ao “ross” do medieval alto-alemão que até ao português chegou, dando-nos o étimo de escaço uso “rocim” que é sinónimo de pileca, sendeiro, cavalicoque, ou seja, um pequeno animal que, no caso em apreço, era como o dono, desengonçado, magricela e de reduzida capacidade mental para a cavalgar no território da racionalidade.
Cervantes definiu mesmo D. Quixote como um fulano “alto e de compleição rija, seco de carnes, enxuto de rosto e grande madrugador”, enquanto o paciente, bonacheirão e sagaz Sancho era, pelo contrário, atarracado e senhor de um burro que montava com respeito, apesar de se tratar de um infeliz jerico, ou asno, isto é, um quadrúpede de parca respeitabilidade e grande importância para o comum dos mortais que sempre o utilizaram como escravo de tração e de trabalho agrícola.
Ou seja, nem para puxar caleches ou carroças de nómadas servia. Só muito modernamente é que já aparece em certas terapias e como afetuosa montada de crianças. Julgo que nisso ele terá muito orgulho.
Como se vê, possui traços de caráter muito afins aos da melhor parte da espécie humana.
Para que conste.
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