* José Pacheco Pereira
17 de Fevereiro de 2024
Pedro Nuno Santos não é único, a São está por todo o lado nos textos
eleitorais, mas ele pôs-se mais a jeito.
Por que raio quer ele mais a São? Não sei, mas
duvido que haja muitas razões benévolas para isso, e as perversas ficam para as
redes sociais. Repito o plebeísmo, que é sempre apropriado para estas coisas
enquanto não for proibido. Por que raio Pedro Nuno Santos resolveu, logo no seu
primeiro cartaz de propaganda eleitoral, usar uma das palavras que ficaram mais
estragadas com o novo acordo ortográfico? Indiferença é de
certeza, ignorância também, mas fico-me pela primeira, que é, junto com a
inércia, a grande força motora do novo acordo ortográfico, em bom rigor, a
única. Pedro Nuno Santos não é único, a São está por todo o lado nos textos
eleitorais, mas ele pôs-se mais a jeito.
Por que raio Pedro Nuno Santos resolveu, logo
no seu primeiro cartaz de propaganda eleitoral, usar uma das palavras que
ficaram mais estragadas com o novo acordo ortográfico? Indiferença é de
certeza, ignorância também, mas fico-me pela primeira
O Acordo Ortográfico de 1990, pomposamente assinado pela maioria dos países de
língua portuguesa, foi um dos maiores desastres diplomáticos dos últimos anos,
com países como Angola e Moçambique a continuarem na mesma e todos os outros
com diferentes graus de implementação. E, mesmo no Brasil, cada um escreve como
quer, o que é aliás um dos factores do dinamismo do português do Brasil, fruto
da pujança da sociedade brasileira, para o bem e para o mal.
Os resultados do Acordo foram separar
ainda mais, uns dos outros, os países cuja língua oficial é o português e,
dentro de cada um, haver na prática duas ortografias, como se vê neste jornal.
Mesmo quando todos os passos legais para a sua implementação foram dados, quem
escreve português bem, recusa o Acordo. E mais: considera uma questão de
princípio escrever com a ortografia antiga, o que torna muito mais radical a
divisão. Basta comparar os jornais dos vários países da CPLP para perceber
isso, já para não falar de Portugal. Só que em Portugal deu-se um passo, cuja
legalidade é contestada, de obrigar instituições, escolas e outras dependências
do Estado a usar esse abastardamento da língua portuguesa que é o Acordo de
1990. E isso trouxe, como aliás a decisão de fazer o Acordo, muitos interesses
económicos em jogo, que só se têm reforçado e hoje são um lóbi poderoso.
Apesar de uma enorme contestação, por
que razão não se volta a escrever o português que tem a riqueza da memória da
língua? A razão principal é que os nossos governantes, do PSD ao PS, estão-se
literalmente nas tintas para o que é importante na nossa identidade cultural,
mesmo quando se mostram muito indignados com a bandeirinha vermelha e verde,
cuja história também desconhecem, ou se esquecem de colocar no orçamento as
verbas para comemorar o Camões.
(No Arquivo Ephemera não nos ensaiamos nada
para colocar o episódio do Velho do Restelo em painéis pelas cidades com estes
versos em negrito
"Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!”
para envergonhar a São…)
A memória de uma língua, que muitas
vezes se traduz na ortografia – e não me venham com o “pharmacia”, que é outra
coisa –, faz parte da sua riqueza, nunca impediu ninguém que fale português no
Brasil, em Angola, em Moçambique, em Cabo Verde ou na Guiné, de ler Camões,
Vieira, Camilo, Eça de Queirós ou Pessoa. Aliás, são mais lidos no Brasil do
que cá. O que atenta contra essa capacidade de ler é outra coisa, é o ataque à
leitura em papel, é a progressiva desaparição dos livros nas escolas, como se
os ecrãs os substituíssem, é a desaparição da herança cultural das histórias da
mitologia clássica ou da Bíblia, que são indispensáveis para ler, por exemplo, Os
Maias, que é suposto ser lido nas escolas e que eu duvido muito se possa
ler sem essas histórias, e, por fim, a progressiva limitação do vocabulário
circulante, que empobrece a capacidade de expressão, logo, o poder de quem fala
ou escreve.
Quando o Ministério Público está a espatifar o
sistema político e a democracia, entre a intencionalidade e a
irresponsabilidade, quando a campanha eleitoral foge de tudo o que é importante
cá dentro e lá fora, quando Trump apela à invasão russa da Europa, quando a
traição à Ucrânia e aos palestinianos mostra a nossa cobardia e vergonha,
quando Putin assassina na cadeia o seu principal opositor, porque é que a São é
relevante? Porque a diferença entre a São e a Acção tem que ver connosco, com a
nossa identidade, com a nossa língua, com a nossa cultura, com a nossa
capacidade de falar bem, logo, de pensar bem, logo, de sermos mais fortes. E
vamos muito precisar de ser mais fortes nos tempos que aí vêm.
O autor é colunista do PÚBLICO
https://www.publico.pt/2024/02/17/opiniao/opiniao/sao-campanha-ps-2080597
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