sábado, 19 de abril de 2008

25 de Abril - visões e contrastes

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25 de Abril - «olhares» - «entrevistas» - «verdades» (2)

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O Portugal silencioso


"É muito pomposo ficar vestido de almirante o tempo todo"


Os planos do MFA não mudam com as eleíções


Para muitos, ele é a estrela em ascensão dentro do MFA. E, de fato, desde o 25 de abril, o almirante Antônio Rosa Coutinho, 49 anos, nunca deixou de ocupar postos importantes. De início, foi logo convidado a ser uma das sete cabeças da Junta de Salvação Nacional. Hoje, preside a importante Comissão Executiva de Extinção da Ex-PIDE, além de ser um dos membros mais destacados e influentes do Conselho Superior da Revolução, recentemente criado. Em entrevista exclusiva a Paulo Sotero, de VEJA, Rosa Coutinho, de camisa de gola olímpica – "É muito pomposo ficar vestido de almirante o tempo todo", diz ele –, fala do significado das eleições da semana passada.


VEJA – Que significado e importância o senhor atribui às eleições portuguesas?


ROSA COUTINHO – Em primeiro lugar, há que fazer sentir o papel didático que essas eleições têm como primeira lição de democracia para o povo português. O povo português tem que aprender o que é o voto, como se vota. Essas eleições permitiram-lhe adquirir essa consciência e praticar um ato do qual se viu impedido durante cerca de cinqüenta anos. Em segundo lugar, foram eleitos deputados a uma Assembléia Constituinte que vai ter o trabalho de elaborar uma Constituição. Dizer-se que a Constituição está praticamente feita é uma fantasia. Os deputados têm noventa dias para fazer uma Constituição e ao fim de noventa vão pedir mais noventa para continuar. Se estivesse realmente feita até se podia fazer em quinze.


VEJA – Três partidos políticos foram impedidos de participar das eleições. Outro, o CDS, reclama que não lhe deram garantias de se expressar livremente. Pode-se assim falar em campanha e eleições livres?


ROSA COUTINHO – Sim. O PDC foi eliminado por participação ativa de seu secretário geral no golpe contra-revolucionário de 11 de março. Não admitimos que um partido se acoberte com um nome e depois atue não como partido político mas como organização conspiratória. Da mesma maneira, o MRPP. Encontramos provas de envolvimento dessa organização no 11 de março. O outro partido, o AOC, foi eliminado por um ataque feito à Intersindical do norte. Quanto ao CDS, não tem razão nenhuma. A fim de que o eleitorado do CDS possa exercer o seu direito de voto, fizemos até uma lei especial para que o partido pudesse votar isolado e não ficasse eliminado pela coligação que já tinha feito com o PDC.


VEJA – Que conclusões o senhor tiraria da campanha eleitoral?


ROSA COUTINHO – Eu poderia dizer que foi mal feita. Os partidos não mostraram calma, habilidade, para fazer uma campanha interessante. Houve mesmo partidos que fizeram o que eu chamo duma campanha negativa, isto é, conseguiram mais votos para seus adversários do que para eles próprios. Isso também vem com o hábito. Não são só os portugueses que estão a aprender coma democracia: também os partidos têm que aprender como agir.


VEJA – Os resultados das eleições poderão provocar mudanças na linha programática do MFA?


ROSA COUTINHO – Não, de maneira nenhuma. As eleições foram feitas apenas e unicamente - como já dissemos não sei quantas vezes – para escolher os deputados que vão elaborar e aprovar a Constituição deste país. Assim, os deputados da Assembléia Constituinte não têm outra missão além de elaborar a Constituição, e não terão outra influência fora do campo em que estão definidos.


VEJA – À luz dos resultados, não é de se prever um reajustamento na composição do governo?


ROSA COUTINHO – Já esclarecemos que não vai haver necessariamente nenhuma adaptação para esse efeito. Essas alterações serão feitas as se realizarem eleições para a Assembléia Legislativa.


VEJA – O senhor propôs recentemente a formação de um novo partido, que seria, conforme explicou, um MFA civil. Seria um partido único?


ROSA COUTINHO – É claro que não seria um partido único, visto que isso nunca esteve no nosso pensamento. Nem sequer necessariamente um partido, mas sim uma coligação de partidos que adotem um caminho socialista adaptável ao programa já traçado. Atualmente, da grande gama de partidos portugueses – são cerca de quinze –, uns cinco poderão integrar-se perfeitamente dentro dessa proposta que eu apresentei. Sentimos realmente necessidade de encontrar uma coligação de partidos dentro da via socialista que corresponda às ideologias do MFA e que seja realmente o seu suporte civil. Será difícil governar este país se não encontrarmos uma coligação coerente que permita as ações executivas do governo e lhe dê apoio na Assembléia Legislativa.


VEJA – Quais são os cinco partidos que o senhor diz caberem nessa coligação?


ROSA COUTINHO – Começando, digamos talvez, da direita englobaria o OS, o FSP, o MDP, o PC e o MÊS. Pelo menos estes cinco têm pleno lugar nessa aliança socialista, na qual o MFA poderia se apoiar.


VEJA – Importantes jornais europeus vêm afirmando que o atual processo político português é o resultado de uma vasta conspiração comunista, que controla politicamente o MFA. O que o senhor tem a dizer sobre isso?


ROSA COUTINHO - Trata-se de uma campanha tremendamente tendenciosa que o povo português e sua Revolução têm sofrido. Não sei por quê, mas parece que na Europa há subitamente medo deste irmão pobre de quem nunca ligaram. Agora, os países europeus parecem hipocritamente preocupar-se com a nossa democracia interna, quando durante cinqüenta anos não tiveram qualquer preocupação a esse respeito. Isso mostra a má fé com que estamos sendo tratados e mostra que a Europa gostaria de continuar a ter aqui um irmão pobre mas bem comportado. Pois bem, Portugal resolveu libertar-se desse jugo e, embora continue pobre, deixou de ser ridículo. Passou a afirmar a sua personalidade. A prova é que, com má fé ou má vontade, nosso país está agora a aparecer nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo. Aqui em Portugal criamos aquilo que se pode chamar de a heresia portuguesa, isto é, consideramos os comunistas homens iguais aos outros, que têm seu direito de voz, que a sua maneira de pensar tem de ser considerada com uma das maneiras de pensar da civilização mundial, não necessariamente para ser seguida, mas para ser discutida e aceita como qualquer outra.


VEJA – Há poucas semanas os jornais de Lisboa divulgaram depoimento de dois militantes de esquerda que anunciavam ter o Partido Comunista assumido o controle dos arquivos da ex-PIDE, com a intenção de criar uma nova polícia política em Portugal. Como presidente da Comissão Executiva de Extinção da ex-PIDE, o senhor poderia esclarecer isso?


ROSA COUTINHO – Há aí uma completa fantasia. Essas afirmações não representam mais do que aquilo que eu classifico de lutas partidárias estéreis. Os arquivos da ex-PIDE estão plenamente sob controle militar. Eu sei que eles têm despertado a cobiça de muitos partidos políticos. Há uma coisa que eu aprendi durante toda a minha vida: os partidos e os grupos que mais reclamam são aqueles que mais desejam fazer batotas.


VEJA – Encerrado esse primeiro período eleitoral, quais os principais problemas que Portugal irá enfrentar agora?


ROSA COUTINHO – Considero que Portugal tem que se conscientizar para a batalha da economia, da produção. Situamo-nos atualmente dentro dos níveis de consumo mais baixos da Europa. Seria absurdo baixar o nível ainda mais. Há necessidade absoluta de aumentar a produção a um ritmo superior ao aumento de consumo. É uma batalha econômica que evidentemente tem que ser feita com base política para que os trabalhadores portugueses se conscientizem de que a partir de agora não estão a trabalhar para usufruto de uma classe privilegiada, mas para eles mesmos.


VEJA – O MFA ainda teme possíveis tentativas de golpes internos?


ROSA COUTINHO – Internamente não tememos nada. Externamente, porém, estamos preocupados com a campanha que tem sido feita contra Portugal, principalmente através de órgãos de informação mal informados ou de má fé, e talvez esteja se procurando fazer aqui um processo de desestabilização semelhante ao que foi feito no Chile.


VEJA – O socialismo português respeitará a iniciativa e a propriedade privada?


ROSA COUTINHO – A iniciativa privada tem que ser respeitada desde que contribua para o bem geral. Nas fábricas, pensamos que a gestão terá que ser coletivizada sob varias formas: cooperativista, de co-gestão, de autogestão, etc. Quem vai definir essas formas de gestão será o próprio povo. A propriedade privada continuará a existir. Ela não é nociva, desde que não permita a escravização do homem pelo limitem.


O Portugal silencioso


Nas aldeias, a luta do padre contra a foice e o martelo


À margem dos refinados duelos ideológicos dos gabinetes de Lisboa, um Portugal silencioso, carregado de frustrações e, freqüentemente, de extrema pobreza, se viu lançado nos últimos meses no turbilhão esquerdista que envolveu o país – e tornou-o, pela primeira vez em oito séculos de história, um centro vital de operação política. Na semana passada, ao irem enfim às urnas, centenas de comunidades do interior quase sempre minúsculas, fizeram ouvir sua voz – e, até o último momento, muito do que tinham a dizer ainda permanecia como uma interrogação. Pouco antes das eleições, o correspondente de VEJA em Lisboa, Paulo Sotero, percorreu as aldeias de Baçal, no norte, e Baleizão, no sul, retratos clássicos desse vasto e estagnado Portugal. Seu relato:


O lugar, inevitavelmente, evoca um refúgio de fantasmas. Em suas esburacadas e tortuosas vielas, apenas uma ou outra galinha, eventualmente um burro de carga, dá algum ritmo à vida. De vez em quando, desponta na janela de uma das arruinadas casas construídas com blocos de granito cinzento, e cobertas de pedra-lousa, um perfil fugaz de mulher, destacado pelo negro do vestido e do chale. O tempo é lerdo em Baçal, uma das muitas vilas esquecidas na topografia árida e ondulada de Trás-os-Montes – região de ventos gelados e tida corno a mais atrasada de toda a Europa. Além disso, é tida como um fértil celeiro de agentes da extinta PIDE e berço de uma das figuras mais sinistras do salazarismo – o ex-ministro do Interior Gonçalves Rapazote, hoje asilado ria Espanha.


Fincada nas vizinhanças da barroca cidade de Bragança, a capital da região, a pouco mais de 550 quilômetros de Lisboa e a 20 da fronteira espanhola, a aldeia não conhece ainda a luz elétrica e "vive nos tempos medievais", como reconhecem alguns de seus 500 habitantes. Da mesma forma que em tantas outras comunidades semelhantes, o pouco de vida coletiva de Baçal se concentra, nas manhãs de domingo, sob o vacilante teto da Igreja de São Romão, o padroeiro do lugar. E ali o padre Manuel Martins, de 70 anos e há 28 pároco da aldeia, exerce o papel não só de chefe espiritual como de constante conselheiro político.


Num de seus recentes sermões, padre Martins, um velho robusto de faces rosadas, alertava contra "a escalada que o demônio vem fazendo nos últimos tempos, perseguindo os padres e os católicos". Aparentemente, a esquerda pouco teria a esperar de Baçal. Pois, mesmo tendo diminuído o tom de suas críticas, por recomendação do bispo de Bragança ("e por medo de ser preso", acrescenta ele), o pároco não está disposto a transigir com "os materialistas que querem dividir tudo por igual para ficar com as terras" – e, fora dos sermões, recomendava aos amigos e aos empregados dos 300 hectares que herdou da família a votar no PPD ou no CDS, "Já que proibiram o Partido Democracia Cristã".


Escavadeira – Para os poucos militantes do PC ou do PS que até a semana passada se aventuravam por essa região, a Igreja não é o único adversário. "A própria estrutura econômica, baseada em pequenas propriedades de regime quase feudal", sugere o candidato esquerdista Manuel Garcia, de Bragança, que viveu onze anos como asilado no Brasil, "gera um conservadorismo visceral."


Não chegaram a surpreender, portanto, fatos como o ocorrido na vizinha Moncorvo, onde dois meses atrás um grupo de oficiais do MFA foi escorraçado da aldeia, onde pretendia promover uma "sessão de dinamização cultural". Na verdade, além da Igreja e da mentalidade transmontana, há ainda a imigração, que carregou para a França, Alemanha e Suíça a maior parte dos jovens e trouxe de volta homens que, após anos de privações no estrangeiro, querem fazer frutificar as economias sofridamente amealhadas e entendem mal as teses distributivislas da esquerda.


A emigração chegou mesmo a deixar marcas dramáticas em Trás-os-Montes – é comum, por exemplo, atravessarem-se em seguida duas ou três aldeias semi-abandonadas com seu cenário sombrio de casas há muito fechadas e ameaçando desabar. E Baçal, embora não muito atingida em comparação aos níveis da região, não escapou ao esvaziamento: de suas 120 habitações, quase trinta estão abandonadas. Poucos voltarão logo à aldeia – e operários, como Adolfo Mariz, de 37 anos, que regressou a Baçal alguns meses atrás, após três anos corno pedreiro na França e sete numa mina de ferro em Perth, na Austrália, nada querem com o PC ou com o PS.


Com parte de suas economias, equivalentes a 250 000 cruzeiros e muito de seu trabalho como operador de máquinas pesadas em Perth, Mariz comprou uma escavadeira italiana com a qual presta serviços na região a 80 cruzeiros a hora. "Se isso virar para o comunismo, largo tudo e volto para a Austrália", diz ele. "Uma coisa que não me serve é trabalharem todos para o mesmo monte –pois ganha igual quem trabalhou e quem não trabalhou." Igualmente, nenhuma esperança para a esquerda havia do lado dos poucos proprietários de Baçal – como Barnabeu Spinelo, dono de 400 hectares e considerado rico na região. "Se o comunismo fosse bom", sentencia ele, "nossos imigrantes não iriam para a Alemanha Ocidental, e sim para a outra, não é mesmo?"


Feudo – Nenhuma outra aldeia poderia ser tão oposta a Baçal como Baleizão, uma típica comunidade do Alentejo, com suas casas brancas e de telhados baixos a pouco mais de 200 quilômetros de Lisboa. Ali, ao contrário do resto de Portugal, muros e paredes foram poupados da avalancha de cartazes eleitorais. "É que o povo, aqui, vota todo no Partido Comunista", explica Francisco Bugio, 64 anos e dono de um botequim. "Os outros partidos não vão desperdiçar tinta em Baleizão – nem nós."


Feudo intocável do PC, conquistado milimetricamente e na clandestinidade ao longo dos últimos quarenta anos, Baleizão faz parte, ao lado de outras vilas da região do Couço, no Alto Alentejo, do curioso aglomerado conhecido como "aldeias vermelhas". Mais ainda, é uma espécie de relicário rural do PC: metade de seus moradores com idade superior a 40 anos já esteve pelo menos uma vez nas cadeias do regime deposto, muitos quadros do partido saíram dali durante o salazarismo e existe até mesmo uma mártir comunista local, a jovem Catarina Eufêmia, morta a tiros pela PIDE durante uma greve em 1954.


Catarina repousa num túmulo hoje enfeitado com a foice e o martelo, em Baleizão. e seu rosto, dividindo com o de Lênin os distintivos de lapela, tornou-se um símbolo da cidadezinha [aldeia - VN ] – tanto quanto "Chico Sapateiro", ou "Chico Miguel", que após fundar a primeira célula do PC local passou 21 anos em diversas prisões, outros vinte na clandestinidade e é hoje um membro considerado influente na comissão central do partido. Mas por que essa aldeia modesta, que perdeu com a emigração metade dos 3 000 habitantes que tinha há quinze anos, juntou-se ao conglomerado vermelho? O fator primordial, acreditam todos, está na sua localização.


Revoltas – De fato. além de ostentar um vago e histórico anticlericalismo, o Alentejo é uma das poucas regiões de Portugal onde há algo parecido com o latifúndio – e onde existem, em conseqüência, assalariados rurais. Em Baleizão, por exemplo, não há muitas maneiras de se ganhar a vida senão empregando-se nas grandes fazendas de trigo da planície alentejana e o regime de semi-escravidão que sempre norteou as tabelas de locais foi gerando, ao longo dos anos, surdas revoltas que o PC, único partido organizado na clandestinidade durante o salazarismo, vem pacientemente capitalizando desde a década de 30.


"O salário de um dia não dava para comprar um pão", lembra João Refouto, um aposentado de 63 anos. "Foi então que começamos a nos reunir por esses ermos, à noite, depois do trabalho. Isso já faz quarenta anos." Outro pioneiro, Antônio de Assunção de 54 anos, lembra-se da presença constante da PIDE na aldeia. "Eles sempre prendiam os mais conhecidos, mas isso só aumentava nossa raiva e fazia crescer o partido", diz ele, exibindo sua carteirinha de filiado com doze divisões no verso, cada um correspondendo à contribuição mínima mensal de 10 escudos (cerca de 3,50 cruzeiros) devida pelos camponeses. "Um tipo aqui é muito conservador e sereno, mas no fundo é mais teimoso que uma mula.


Mesmo com a crescente inflação que tem punido a desordem econômica do novo regime, os lavradores de Baleizão ainda festejam seus recentes e vertiginosos aumentos de salários – que fazem um trabalhador no trigo ganhar, hoje, o equivalente a 1 300 cruzeiros por 25 dias de trabalho, contra 800 para as trabalhadoras. Eles preferem falar mais, no entanto, de sua obstinação política, e citam o exemplo da camponesa e costureira Mariana Janeiro. Presa durante nove anos por sua militância comunista, ela voltou a Baleizão cega e paralítica após as torturas da PIDE – para assumir a direção da célula local do partido. (Arquivo de Veja)

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sáb 19-04-2008 0:09

Texto publicado in e destaques da responsabilidade do PortugalClub (VN)

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