quinta-feira, 24 de abril de 2008

Rita Levi Montalcini - entrevista

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Rita Levi-Montalcini, Prêmio Nobel de Medicina
Rita Levi-Montalcini, Prêmio Nobel de Medicina

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Dra. Rita Levi, que tem 96 anos recebeu o Prêmio Nobel de Medicina há 19 anos, quando tinha 77 !!!

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Rita Levi Montalcini, nasceu em Turín, Itália, em 1909, e obteve o título de Medicina na especialidade de Neurocirurgia.

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Eis uma entrevista com a médica no dia 22/12/2005

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- Como vai celebrar seus 100 anos?
- Ah, não sei se viverei até lá, e, além disso, não gosto de celebrações. No que eu estou interessada e gosto é no que faço a cada dia.!

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- E o que você faz?
- Trabalho para dar uma bolsa de estudos às meninas africanas para que estudem e prosperem ... elas e seus países.
E continuo investigando, continuo pensando.

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- Não vai se aposentar?
- Jamais! Aposentar-se é destruir cérebros!
Muita gente se aposenta e se abandona...
E isso mata seu cérebro. E adoece.

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- E como está seu cérebro?
- Igual quando tinha 20 anos!
Não noto diferença em ilusões nem em capacidade.
Amanhã vôo para um congresso médico.

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- Mas terá algum limite genético ?
- Não. Meu cérebro vai ter um século, mas não conhece a senilidade. O corpo se enruga, não posso evitar, mas não o cérebro!
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- Como você faz isso?
- Possuímos grande plasticidade neural: ainda quando morrem neurônios, os que restam se reorganizam para manter as mesmas funções, mas para isso é conveniente estimulá-los!
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-Ajude-me a fazê-lo.

- Mantenha seu cérebro com ilusões, ativo, faca-o trabalhar e ele nunca se degenerará.
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-E viverei mais anos?
- Viverá melhor os anos que viver, é isso o interessante. A chave é manter curiosidades, empenho, ter paixões....
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- A sua foi a investigação científica...
- Sim, e segue sendo.
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- Descobriu como crescem e se renovam as células do sistema nervoso...
- Sim, em 1942: dei o nome de Nerve Growth Factor (NGF, fator do crescimento nervoso), e durante quase meio século houve dúvidas até que foi reconhecida sua validade e, em 1986, me deram o prêmio por isso.
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- Como foi que uma garota italiana dos anos vinte converteu-se em neurocientista?
- Desde menina tive o empenho de estudar. Meu pai queria me casar bem, que fosse uma boa esposa, boa mãe... E eu não quis. Fui firme e confessei que queria estudar.
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- Seu pai ficou magoado?
- Sim, mas eu não tive uma infância feliz: sentia-me feia, tonta e pouca coisa... Meus irmãos maiores eram muito brilhantes e eu me sentia tão inferior...
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- Vejo que isso foi um estímulo...
- Meu estímulo foi também o exemplo do médico Albert Schweitzer, que estava na África para ajudar a curar a lepra. Desejava ajudar aos que sofrem, esse é meu grande sonho.
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- E você o tem realizado... com a sua ciência.
- E, hoje, ajudando as meninas da África para que estudem. Lutamos contra a enfermidade, a opressão à mulher nos países islâmicos, por exemplo, além de outras coisas...
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- A religião freia o desenvolvimento cognitivo?
- A religião marginaliza muitas vezes a mulher perante o homem, afastando-a do desenvolvimento cognitivo, mas algumas religiões estão tentando corrigir essa posição.
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- Existem diferenças entre os cérebros do homem e da mulher?
- Só nas funções cerebrais relacionadas com as emoções, vinculadas ao sistema endócrino. Mas, quanto às funções cognitivas, não há diferença alguma.
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- Por que ainda existem poucas cientistas?
- Não é assim! Muitos descobrimentos científicos atribuídos a homens, realmente foram feitos por suas irmãs, esposas e filhas.
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- É verdade?
- A inteligência feminina não era admitida e era deixada na sombra. Hoje, felizmente, há mais mulheres que homens na investigação científica: as herdeiras de Hipatia!
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- A sábia Alexandrina do século IV...
- Já não vamos acabar assassinadas nas ruas pelos monges cristãos misóginos, como ela. Claro, o mundo tem melhorado algo...
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- Ninguém tem tentado assassinar você...
- Durante o fascismo, Mussolini quis imitar Hitler na perseguição dos judeus. E tive que me ocultar por um tempo. Mas não deixei de investigar: tinha meu laboratório em meu quarto... E descobri a apoptose, que é a morte programada das células!
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- Por que existe uma alta porcentagem de judeus entre cientistas e intelectuais?
- A exclusão estimula entre os judeus os trabalhos intelectivos e intelectuais: podem proibir tudo, mas não que pensem! E é verdade que há muitos judeus entre os prêmios Nobel...
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- Como você explica a loucura nazista?
- Hitler e Mussolini souberam como falar ao povo, onde sempre prevalece o cérebro emocional por cima do neocortical, o intelectual. Conduziram emoções, não razões!
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- Isto está acontecendo agora?
- Por que você acha que em muitas escolas nos Estados Unidos é ensinado o creacionismo e não o evolucionismo?
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- A ideologia é emoção, é sem razão?
- A razão é filha da imperfeição. Nos invertebrados tudo está programado: são perfeitos. Nós, não. E, ao sermos imperfeitos, temos recorrido à razão, aos valores éticos: discernir entre o bem e o mal é o mais alto grau da evolução darwiniana!
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- Você nunca se casou ou teve filhos?
- Não. Entrei no campo do sistema nervoso e fiquei tão fascinada pela sua beleza que decidi dedicar-lhe todo meu tempo, minha vida!
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- Lograremos um dia curar o Alzheimer, o Parkinson, a demência senil?
- Curar... O que vamos lograr será frear, atrasar, minimizar todas essas enfermidades.
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- Qual é hoje seu grande sonho?
- Que um dia logremos utilizar ao máximo a capacidade cognitiva de nossos cérebros.
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- Quando deixou de sentir-se feia?
- Ainda estou consciente de minhas limitações!
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- O que tem sido o melhor da sua vida?
- Ajudar aos demais.
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Nota do Editor (VN)
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Victor Nogueira
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Grato ao Júlio Pego [psicoescultura - Psicopintura - psicoarte ].pela partilha desta entrevista (qua 23-04-2008). Para saber mais sobre Rita Levi Montalcini ver Biografia (em inglês).
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Curiosamente comprei um dia destes um livrito editado pelo Jornal de Notícias (nº 8 da Colecção 120 anos JN), duma escritora - Maria Amália Vaz de Carvalho - intitulado «Cartas a Luísa. Dela nada ainda lera e abrindo ao acaso, numa 1ª leitura, deparei-me com a Carta XX - A Emancipação da mulher à luz da fisiologia. E fiquei surpreendido, como uma mulher culta e «pioneira», defende a inferioridade natural da mulher, que levaria séculos a igualar-se ao homem, pretensão que seria um absurdo. Afinal uma defensora da desigualdade entre sexos, reconhecendo a «superioridade» dos machos, com argumentação idêntica à defendida pelo fascismo e marialvas. Também Salazar e as senhoras da «elite» exprimiam posições similares, relativamente às mulheres e à generalidade dos povos português e das colónias, seres arredados do exercício da cidadania e da igualdade que só poderiam alcançar após séculos de «evangelização».
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Dedicado às senhoras e às famílias


"Cartas a Luísa", de Maria Amália Vaz de Carvalho, é a obra que o JN lhe oferece na edição de amanhã. Maria Amália Vaz de Carvalho foi a primeira mulher a entrar para a Academia das Ciências de Lisboa.A obra desta escritora tem um carácter de versatilidade pois, para além de poesia, também escreveu contos, ensaios, biografias e crítica literária . Conviveu com alguns dos maiores nomes da literatura e da cultura portuguesa. "Cartas a Luísa" (1886) é um formoso livro, consagrado às senhoras e famílias, escrito num estilo elegante com a lucidez e genial critério que caracterizam o espírito gentil da sua talentosa autora. Livro sobre a moral, a educação e os costumes.» JN - apresentação do livro e da autora

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