quarta-feira, 9 de abril de 2008

Ciganos: os intocáveis

História do Tarô: Ciganos

O baralho chamado "cigano"] [Galeria de arte sobre ciganos]

Ciganos: os intocáveis
Compilado de Conhecer,
vol. IX, pág. 2064. Abril Cultural, SP
e Folha Enciclopédia, na web
Cigano quer dizer "intocável". Vem do grego athinganoi, que se transformou em atsigan e tsigane. E reflete a relativa incomunicabilidade que existiu entre esse povo e os demais. Na Espanha, seu nome é gitano, resquício da crença em sua origem egípcia (gitano vem de egiptano), o que também acontece com a denominação húngara de Faraonemtség, que quer dizer raça do faraó. A crença foi disseminada pelos próprios ciganos, que, ao chegarem à Europa, se apresentavam como nobres egípcios. Mas, na verdade, os ciganos têm ascendência hindu.

Semelhanças indicam a origem


Ruppa, em prakiti (dialeto hindu da casta Domba), significa prata. Rup, em romany (língua cigana), quer dizer a mesma coisa.
A coincidência ocorre entre muitas outras palavras das linguas prakiti e romany. Inclusive Roma, que os ciganos usam para nomear-se, é muito parecido com Domba, nome da casta hindu.
Não haveria parentesco entre os dois povos?
O costume das danças e do canto, a estatura média, a cor morena, os cabelos e olhos negros são comuns aos dois povos.
Todos esses indícios respondem de modo afirmativo à interrogação.



Die Zigeunerin
tela do pintor holandês Frans Hals (1626)



Migração

O ramo Domba (que se transformaria nos ciganos) deslocou-se do centro da Índia para noroeste, no século I a.C. Quatro séculos depois, migrava novamente, dessa vez para oeste, em direção a Pérsia. Lá permaneceu até a invasão mongol, verificada no século XIII.


Então, dividiu-se em dois grupos, dos quais um rumou para a Grécia, através da Armênia, e o outro para a Síria, a Palestina e o Egito. Os primeiros acabaram por atravessar o Danúbio, quando os turcos invadiram a Europa Oriental (século XIV). A partir de então, até por volta de 1460, difundiram-se pela Hungria, Áustria, Boêmia (parte da atual Checoslováquia), Hamburgo (atual Alemanha), França e Suíça

Apesar de se declararem nobres, eram escravizados assim que chegavam a esses países. Só a partir de 1496 puderam usufruir de alguma liberdade. O primeiro a favorecê-los foi Vladislau II, rei da Hungria, que lhes concedeu livre trânsito em território húngaro.



Grupo cigano na Transilvânia

http://www.depts.washington.edu/ - (c) University of Washington

Reações e perseguições

Da segunda metade do século XVI em diante, as coisas ficaram piores: começou a perseguição aos ciganos, primeiro movida pelos camponeses, depois pelos prefeitos das cidades e até pelos reis. No Ducado de Milão, em 1663, foi publicado um édito que proibia a entrada dos ciganos nos domínios milaneses, sob pena de sete anos de cárcere para os homens e de uma orelha cortada para as mulheres. Maria Teresa, da Áustria, em 1768 tornou ilegal a permanência de ciganos em seu país a menos que eles morassem em casas, trajassem à maneira dos camponeses e trabalhassem em ofícios definidos. Mas nem em Milão, nem na Áustria, nem no resto da Europa eles mudaram seu modo de vida.
A América e a Austrália só os receberam na segunda metade do século XX.
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Usos e costumes

Tradicionalmente, os ciganos levam vida nômade, deslocando-se em grupos de tamanhos diversos, compostos por um conjunto de núcleos familiares mais ou menos extensos, sob a liderança de um chefe vitalício escolhido.
A maioria dos ciganos, até poucas décadas atrás, ainda formavam caravanas puxadas por cavalos; abrigavam-se em tendas, pedreiras e minas. Em fogueira, ao ar livre, cozinhavam seus frangos, ovos e vegetais. Seus alimentos, afirmam os comentaristas mais críticos, eram "quase sempre roubados, já que eles não plantam, nem criam animais para o abate". "Sua profissão é a mentira", diz Cervantes. "Mas há uma lei cigana que proíbe roubar... alguém mais pobre."
Viviam principalmente da criação e comércio de cavalos, do artesanato em metal, vime e madeira, e das artes divinatórias, como cartomancia e quiromancia. A música dos ciganos, executada em público apenas pelos homens, permanece muito popular e é uma atividade rendosa na Europa Central.



Cigano de "ontem"
Primeira metade do sec. XX - França

www.casadei.fr





Violinista cigano
República Tcheca

www.slunceveskle.com


Não abandonam a quiromancia, embora professem a religião dominante no país em que se instalam. As adivinhações têm terminologia própria e algumas vezes utilizam as cartas como acessório. Através dos ciganos, o baralho (tarot) foi difundido pela Europa. Assimilam facilmente as artes do lugar onde habitam, em especial a música e as danças folclóricas. Interpretam-nas com um estilo próprio, que inclui o uso do violino, seu instrumento por excelência.
Cada grupo tem um chefe natural, escolhido, não-hereditário.
Na família, o membro central é a mãe, que exerce autoridade sobre os filhos e é dona do patrimônio.
O mesmo sistema se aplica à tribo, que tem uma mãe tribal, a puri dai, guardiã do código moral. Os infratores são julgados por um júri de "condes". E, nos casos mais graves, a pena é o banimento da tribo.
Alguns estudos dão nuances diferentes da organização social dos ciganos, possivelmente em razão da diversidade dos grupos estudados. Quanto à posição das mulheres dizem que "segundo os costumes ciganos, as mulheres devem subserviência aos homens, e as mulheres casadas sempre usam um lenço para cobrir a cabeça".
A questão política

Várias foram as tentativas de agrupar os ciganos sob o poder de um só governante. Uma delas foi o aparecimento da dinastia Kwick, inaugurada por Gregory Kwick, cigano polonês que, por volta de 1883, se declarou "rei dos ciganos". Durante seu reinado, realizou-se, em 1909, o único recenseamento cigano de que se tem notícia; o censo informou que havia então na Europa 600 mil ciganos. Gregory abdicou em 1930 em favor de seu filho Michael II, que, após sete anos de governo, foi sucedido por Janusz I. Este proclamou-se administrador dos ciganos da Hungria, Espanha, Alemanha, Bulgária, Iugoslávia e Polônia. Planejou ir a Genebra reivindicar um país para seu povo, mas o projeto foi vetado por uma assembléia cigana. Seu "reinado" durou apenas um ano. Sucedeu-o Mathew Kwick, do qual não se tem maiores notícias.


Wagon - carro que muitos ciganos adotam a partir de meados do séc. XIX

Do acervo da Universidades de Liverpool
http://sca.lib.liv.ac.uk/collections/gypsy/wagons.htm


Em 1933, foi cogitada, sem êxito, a possibilidade de agrupar todos os ciganos do mundo (aproximadamente 2 milhões) nas ilhas da Polinésia, com subvenção da Liga das Nações. A idéia não se concretizou. Pouco depois, eclodiu a II Guerra Mundial (1939) e cerca de 20 mil ciganos foram exterminados nos campos de concentração.
Os regimes comunistas da Europa Oriental do pós-guerra forçaram os ciganos a se fixarem em cidades industriais e residirem em grandes edifícios de apartamentos, desmembrando os grupos familiares extensos e obrigando-os a trabalhar em fábricas, fazendo-os abandonar o modo de vida tradicional.
Os governos pós-comunistas mais recentes permitiram aos ciganos que se organizassem politicamente para encontrar os meios de reivindicar seus direitos como minoria étnica.
Formaram-se associações e grupos de pressão, como é o caso dos phralip (em romani, "irmandade") da Hungria, para lutar por escolas especiais e adoção de livros pedagógicos na língua romani. A grande maioria do povo cigano, ainda enfrenta discriminação social, está sujeita a más condições habitacionais, desemprego e expectativa de vida mais baixa que a de seus compatriotas.



Cigana de Babadag - Romênia

Foto de R. V. Bulck
www.pbase.com


Hoje, eles estão espalhados em quase todo o mundo. E alguns relatos dão conta da inevitável mudança de costumes. "Cigano dos Estados Unidos não viaja mais de carroça: usa trailer motorizado; nem prepara mais sua refeição: come enlatados."
Na União Soviética e na Iugoslávia, são publicados jornais em língua cigana. A Sociedade Cigana Lore, na Inglaterra, preocupa-se em recolher todas as informações possíveis sobre esse povo. A biblioteca da Universidade de Liverpool, também na Inglaterra, tem em seu acervo um conjunto de livros sobre os ciganos. Assim, esse povo se torna cada vez menos estranho aos demais.

Compilação e editoração:
Constantino K. Riemma

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