sábado, 5 de abril de 2008

Prendas, política e futebol


* João Marques dos Santos, Advogado

O Calcanhar de Aquiles



Triste País este onde nunca chegam ao fim gravíssimas denúncias de corrupção, mas se mobiliza legiões para apurar se foram oferecidos relógios.


1. A pulsão eleitoralista que todos os nossos governantes trazem encaixada nas suas cabeças é tão inexorável como a herança genética. Não há nada que a trave ou desvie do seu caminho. Na hora própria ela se manifesta-se sempre em toda a sua exuberância. Como a natureza na Primavera. Mas este ano o milagre começou mais cedo. De um dia para o outro o espectáculo começou. O ‘socialismo’ rejuvenesceu. Acordámos e tínhamos em casa uma inesperada prenda. Fruto da época. A baixa da taxa máxima do IVA num fantástico 1%. Como os ‘brindes’ oferecidos aos árbitros de futebol para os ‘enganar’. E mais virão. Muitas. Para todos os gostos e feitios. O ciclo cumprir-se-á.


Menezes, surpreendido pela precocidade destes efeitos feéricos, perturba-se e queixa-se.


De tudo, para não variar. Porque já entendeu que o seu PSD é um carro de combate avariado. Agora, queixa-se da televisão pública. E não se queixa das privadas porque não rende. Atacar a TV pública é que é bom porque é atacar, simultaneamente, Sócrates, o Governo e o PS. A pouco santa trindade da nossa política. É claro que todos os governos têm a tentação de manipular a informação. É um facto histórico que já interiorizámos e a que quase somos insensíveis. Mas Menezes devia começar por se queixar de si próprio. Por ser incapaz de captar a atenção dos jornalistas (e do País) pela positiva. Por não conseguir fazer com que todos os órgãos de Comunicação Social tenham equipas de reportagem sempre no seu encalço. Por nos condenar à pasmaceira, ao lugar comum e à desesperança. Por não nos surpreender com as suas soluções. Por quase nos fazer esquecer que o PSD existe como alternativa. E, neste enquadramento, o que Menezes faz é um patético apelo para que olhem para ele. Não pede mais. Nem quer melhorar a qualidade da TV do Estado, que é muito melhor do que ele com o seu ‘complexo do desgraçadinho’ pretende fazer crer. Já o conseguiu. Minimamente. Se não for capaz de fazer melhor, tente outra vez.


2. A Liga de Futebol Profissional resolveu dar um arzinho da sua graça. Só por graça, bem entendido. Depois de anos e anos a olhar para o lado à espera de que os tribunais fizessem o seu trabalhinho (dela, Liga), lembrou-se de que afinal também tem uma Comissão Disciplinar. Fê-lo por várias razões: por julgar que Pinto da Costa está fragilizado. Por sentir que a família Loureiro pode estar ferida de morte. Por ter a certeza de que nem Boavista nem União de Leiria têm quem chore por eles. Por o FCP se estar a marimbar para perder seis ou mais pontos e provavelmente não levar a gracinha a mal. Mas, sobretudo, por julgarem que estão protegidos por um guarda-chuva que se chama ‘Apito Dourado’. Oportunismo, do pior.


Epílogo: triste País este onde nunca chegam ao fim gravíssimas denúncias de corrupção envolvendo muitos milhões, mas se mobilizam legiões de investigadores durante anos a fio para apurar se foram oferecidos ou não a alguns árbitros, não Ferraris, nem apartamentos ou contas bancárias em offshores, mas apenas uns reluzentes relógios ou outras prendinhas de enganar tolos ou ainda a generosa companhia de prestimosas damas altamente especializadas nas mais modernas técnicas de prestação de refinados prazeres sexuais a preços módicos.


Quem brinca com quem?

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in Correio da Manhã - 04 Abril 2008 - 09.00h

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ilustração de Robson Minghini em pca.org.br/guia_do_voluntario

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