terça-feira, 8 de abril de 2008

D. JOÃO VI CARIOCA - NO DIÁRIO DE NOTÍCIAS

abril 08, 2008

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O Diário de Notícias de sábado passado, dia 5, publicou uma entrevista com João Spacca de Oliveira, conduzida por Catarina Carvalho, sobre o livro D. JOÃO CARIOCA, de Lilia Moritz Schwarcz (argumento) e Spacca (desenho), editado no Brasil no ambito das comemorações dos 200 anos da chegada da corte portuguesa ao Rio (em 1808), em fuga "estratégica" às tropas de Napoleão.

Para quem não leu a entrevista (onde se inseria também uma caixa com a opinião do Spacca sobre o acordo ortográfico), aqui fica um excerto:

Sabia que o Presidente português glosou o título do seu livro numa entrevista que deu ao jornal Globo?

Olha só! Bem, quis dar a entender isso no último quadrinho da história: "Um rei bonacheirão e astuto, que gostava de música, sombra e água fresca." Só falta a trilha sonora de Bossa Nova para completar o quadro .

Porque escolheu o título "D. João, o carioca"?

Foi sugestão da Lília, a co-autora. E gostei. Quis brincar com o papagaio criado por Disney, Zé Carioca. O nome pode dar a entender que ele se acariocou, mas acho que não... o impacto da vinda dele para cá foi muito maior sobre os cariocas. D. João foi adoptado pelo Brasil. Ele procurou manter os mesmos gostos, a vidinha, assistir sua missa cantada... Além disso, foi, creio eu, o período mais feliz da vida dele, longe das pressões europeias, exercendo mais poder do que os outros reis.

D. João é uma figura polémica, ficou para a história como um indeciso, medroso, comilão.

O que me atraiu foi apresentar uma imagem não condizente com a caricatura pura. E a verdade mostrou-se interessante e engraçada o suficiente.

O que aprendeu na escola sobre ele?

Quando era criança, na escola. D. João VI não tinha má imagem. Era o pai do nosso imperador D. Pedro e dizia aquelas palavras proféticas para o filho, ao partir para Portugal: "Se o Brasil se separar, antes que seja para ti que me hás-de respeitar do que para algum desses aventureiros."

Que reacções teve ao livro?

Só elogios. As reacções mais contra vieram dos que acham que qualquer visão que não for a sátira desta família é a "história oficial".

Porque é que a ida da corte portuguesa para o Brasil ainda é tão malvista?

Acho que é uma soma de razões: dos brasileiros contra o domínio português, dos portugueses que não vieram e se sentiram abandonados, e dos republicanos contra a monarquia. Essa visão é reforçada pelo nosso hábito de não levar nada a sério. E funciona como justificativa dos nossos atrasos: "Pudera, com um governante desses, o Brasil só podia dar nisto." Nos últimos tempos, a oposição também pega carona, condenando o Governo actual por gastar nas comemorações dos 200 anos. Em suma, é tomate de todo lado... Na escola, há também um anedotário que os professores gostam de passar aos alunos, em parte para atrair o seu interesse com os detalhes mais pitorescos, mas também para acostumá-los a ser "irreverentes" desde cedo, como se isso os ajudasse a formar uma consciência anti-imperialista... Nos anos mais recentes, depois do regime militar que terminou em 1985, o ensino ficou iconoclasta, e todos os retratos mais sérios passaram a ser contestados. Sobre este tema, o filme Carlota Joaquina de 1995 virou referência não oficial, bastante usado em sala de aula.

Esse é o filme em que ela é retratada como uma ninfomaníaca?

Esse mesmo. Ela nem está tão mal, apesar de feia e mancando, pelo menos é a poderosa do filme. A mensagem que passa é que, casando à força e com aquele príncipe, só lhe restava pular a cerca mesmo.

Os brasileiros costumam dizer que estariam melhor se tivessem sido "descobertos" por franceses, ingleses ou holandeses. Concorda?

Não. E não é por estar na sua presença... A situação das Guianas não é lá muito inspiradora. Se o Brasil tivesse sido colonizado pelos ingleses, não tínhamos garantia de que terminaríamos sendo uma potência como os Estados Unidos, já que, devido ao clima, localização geográfica, os ingleses talvez optassem pelo mesmo tipo de produção agrícola em escala fabril, o que ajudou a determinar o tipo de sociedade que foi se desenvolvendo aqui. A questão não é tanto o povo, mas quem vem para as colónias e em que situação: se são famílias para morar, ou regimentos e feitores para explorar, se são católicos ou protestantes. Acho que o que vem a seguir tem mais a ver com a lógica colonial, o tipo de plantação adequada a cada região.

É interessante que essas figuras e a chegada da corte ainda sejam alvo de tanta polémica, 200 anos depois.

Esse é um tema muito debatido entre os académicos. Há os críticos do Nordeste, como o Ewaldo Cabral de Mello Neto, que defendem que a vinda da corte para cá só manteve o resto do Brasil em estado de colónia ou semicolónia. No Rio, há os pró-monarquistas, para quem D. João foi um grande estadista e inaugurou uma nova era (ou mesmo começou a fazer o Brasil existir), e estendem esse benefício ao Brasil como um todo. Além dessa polarização, o Ruy Castro, biógrafo seríssimo (que escreveu um livro sobre o rei), declarou que "há 200 anos se fala mal da família real, e chegou a hora de falar bem".

E qual é a sua posição pessoal?

É do retrato histórico honesto, e da reconstitui- ção criteriosa, evitando as armadilhas tanto do escracho quanto do ufanismo. A memória de D. João levou bordoadas dos dois lados do Atlântico, até por bons motivos (afinal, Portugal ficou à míngua e teve que livrar-se dos franceses e ingleses sem a Sua Real ajuda). Depois os republicanos completaram-lhe a caricatura. Coitado do gordinho. Merece um julgamento mais justo da história, mesmo que isso não nos renda um título de visconde...

Apesar de retratá-lo como gordo, nunca usou a imagem dos frangos nos bolsos, muito comum. Porquê?

Não encontrei um relato confiável, ou uma fonte localizada, sobre as coxinhas. Só li que na sala de despachos do rei havia um urinol que precisava ser trocado.... Um diplomata escreveu que, durante a audiência com D. João, havia à vista um penico cheio, que os criados não esvaziaram... Agora, gordo e com cara de bebezão, ele tinha mesmo.

Em quem se inspirou para desenhar essas personagens?

Todos os personagens foram inspirados em quadros e gravuras da época. Às vezes o personagem lembrava-me um actor. É o caso de Lord Strangford, o actor Bill Nighy... E também tem a citação do Zé-Povinho, criação do meu ilustre colega de traço Rafael Bordalo Pinheiro.

Como é que a história dos Bragança influenciou a imagem dos portugueses no Brasil?

A imagem dos portugueses vem da colonização toda, sendo que no século XX veio a leva de portugueses mais humildes, imigrantes. Então você tem o português da padaria, o mascate, o da construção civil. Como o "Oliveira" do meu nome, herança do meu avô mestre de padaria, Lucas Rodrigues de Oliveira.

O que se lembra dele?

Não sei se ele era filho de portugueses ou se veio pequeno. Era mestre padeiro, trabalhava em padarias italianas no bairro do Bexiga, em São Paulo. Eu o conheci já velhinho e morando numa casa muito simples. Era teimoso e tinha mania de procurar tesouros enterrados em todo o lado.

Como se documentou para desenhar este livro? Veio a Portugal?

Infelizmente, não fui a Portugal. Era para ter ido em Abril de 2007, mas a situação nos aeroportos estava um caos, e eu precisava iniciar logo a produção dos desenhos. Precisei me virar com fotografias, gravuras antigas, guias de viagem, mapas, fotos de satélite. Assisti a alguns filmes, desenhei actores. Adquiri em alfarrabistas livros preciosos sobre os tipos populares de Lisboa; comprei uma Ilustração Portuguesa de 1906, que traz uma reportagem sobre os tipos de outrora, e também Tipos e Factos da Lisboa do meu tempo, livro ilustrado de Calderon Dinis. Achei numa livraria um livro com aquarelas magistrais de Roque Gameiro, que ilustrou muito a história de Portugal. O meu ponto de partida foram alguns capítulos dos livro A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis. D. João VI no Brasil, do diplomata pernambucano Oliveira Lima, é o meu livro favorito sobre esse período. Uso muito a Internet com bastante critério e sem medo. O site Viriatus dedicado a miniaturas militares portuguesas foi de grande ajuda.


Publicado por jmachado in .

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