OPINIÃO
Neste momento, o melhor exemplo de “fucked up dad” é o senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
6 de Dezembro de 2023, 20:54
Um dos poemas mais famosos do século XX começa assim: “They fuck
you up, your mum and dad. / They may not mean to, but they do.” (Em
tradução livre: “Fodem-te a cabeça, a mamã e o papá. / Podem não ter essa
intenção, mas é assim.”) É realmente assim, mesmo que não seja essa a intenção.
O poema de Philip Larkin continua por ali fora, com uma série de observações e
conselhos sortidos, que incluem sair de casa o mais cedo possível e evitar
procriar, pelas razões aduzidas no primeiro verso.
Larkin foi coerente com a sua
poesia – morreu em 1985, aos 63 anos, sem ter tido filhos. Felizmente, para bem
da perpetuação da espécie humana, há 385 mil bebés a nascer todos os dias, e
280 milhões de mamãs e papás a iniciarem a cada ano a nobre tarefa de lixarem a
cabeça dos seus filhos. Aquilo que Larkin não diz no seu poema, talvez por ser
mais evidente – e nessa medida menos poético –, é que o inverso também é
verdadeiro: à sua maneira, os pais são igualmente “fucked up” pelos seus
filhos, ainda que sejam eternamente absolvidos pela frase clássica “não fui eu
que pedi para nascer”. Neste momento, o melhor exemplo de “fucked up dad”
é o senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Note-se que Marcelo está em
excelente companhia. Quem gosta de seguir a política americana sabe que um dos
maiores pedregulhos no caminho da reeleição de Joe Biden se chama Hunter
Biden, o seu filho absurdamente problemático, que durante anos andou a
fazer dinheiro à sombra do pai, fosse na China, fosse na companhia de gás
ucraniana Burisma, onde se rodeou de gente muito pouco recomendável. Até que um
dia se esqueceu de um computador portátil numa loja de informática, cheio de
documentação comprometedora e fotos com prostitutas que fizeram as delícias dos
tablóides.
Nuno Rebelo de Sousa não perdeu
nenhum computador – limitou-se a enviar
um email para a Presidência da República a pedir favores
para um amigo. Mas esse email pode estar para Marcelo como o
computador perdido para Joe Biden – uma bomba impossível de desarmadilhar,
porque se um Presidente, ou um primeiro-ministro, pode despedir funcionários,
assessores ou declarar em público que não tem amigos, não há forma
politicamente eficaz de um pai se afastar de um filho. Se corta com brutalidade
é impiedoso – o que lhe fica muito mal; se o protege é cúmplice – o que lhe
fica pessimamente. Até hoje, Biden não conseguiu resolver esse dilema. Duvido
muito de que Marcelo consiga.
Infelizmente para Marcelo,
Nuno Rebelo de Sousa não é um cidadão como qualquer outro
A profundidade do dilema de
Marcelo está espelhada numa formulação bizarra, que repetiu mais do que uma
vez na
conferência de imprensa desta semana: “O doutor Nuno Rebelo de Sousa,
Meu Filho.” Estranho cognome. Por um lado, procurou criar distância – o “doutor
Nuno Rebelo de Sousa”, “cidadão como qualquer outro”, que se limitou a enviar
correspondência para Belém. Por outro, foi obrigado a acrescentar “meu filho”,
porque obviamente aquilo que está no coração deste caso é essa proximidade.
Marcelo andou a brincar com as palavras ao longo de todo o processo: declarou
que um filho de Presidente não tinha privilégios, enquanto privilegiava um
filho de Presidente.
Infelizmente para Marcelo, Nuno
Rebelo de Sousa não é um cidadão como qualquer outro. Aliás, a pergunta
fundamental neste momento é saber quem realmente é Nuno Rebelo de Sousa, e
porque é que mobilizou um Presidente, um Governo, vários médicos e o Infarmed
para ajudar um amigo brasileiro, ao ponto de comprometer a reputação do seu
próprio pai.
O autor é colunista do PÚBLICO
https://www.publico.pt/2023/12/06/opiniao/opiniao/doutor-nuno-rebelo-sousa-filho-2072819
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