segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

António Filipe - A tragédia moral do ocidente

OPINIÃO -


* António Filipe

Membro do Comité Central do PCP e professor universitário

Se houvesse alguma autoridade moral do “ocidente” para dar lições ao resto do mundo em matéria de democracia e direitos humanos, teria morrido na Palestina

Israel matou mais de 18.000 pessoas em Gaza. Eram pessoas como nós. Não são números.

Israel mata em Gaza uma criança em cada dez minutos. Eram crianças, como são os nossos filhos e netos. Não são números.

A esmagadora maioria dos mortos são civis, não são militares.

Israel matou 90 jornalistas. Eram jornalistas. Profissionais que arriscaram a vida para que o mundo soubesse a verdade do que está a acontecer. Pagaram com a vida. Não são números.

Israel matou mais de 100 funcionários das Nações Unidas que trabalhavam em Gaza. Não eram combatentes do Hamas. Eram funcionários das Nações Unidas.

Israel bombardeia e destrói hospitais. Assassina profissionais de saúde e doentes. Quando atacou o primeiro hospital ainda quis demonstrar que tinha sido o Hamas por engano e houve quem fingisse acreditar. Depois perdeu a vergonha e veio dizer que os hospitais eram alvos legítimos.

Israel condena os dois milhões de palestinianos de Gaza a sucumbir à fome, à sede, à doença, às bombas e às balas.

Israel destruiu as tendas onde as pessoas se abrigavam nas imediações de um hospital e enterrou as pessoas vivas com buldozers.

Israel assassina pessoas dentro de templos religiosos, cristãos e muçulmanos.

Israel arrasa Gaza, destrói infraestruturas, hospitais, escolas, casas de habitação, com as pessoas lá dentro a sucumbir debaixo dos escombros.

Israel obriga as pessoas do norte a fugir para o sul e mata-as enquanto fogem. Depois obriga as pessoas do sul a fugir para o norte e mata-as enquanto fogem. Ninguém está seguro em .lugar algum.

Israel ataca ambulâncias que procuram socorrer os feridos, tanto palestinianas como de organizações internacionais.

Israel justifica o genocídio com o resgate dos reféns, mas recusa-se a negociar a libertação dos reféns e entrega-os à morte às suas próprias mãos.

Se os três reféns assassinados pelo exército israelita fossem palestinianos assassinados em circunstâncias exatamente idênticas teria sido mais um crime de guerra a ficar impune.

Israel não ataca só Gaza nem o Hamas. Na Cisjordânia já matou mais de 300 pessoas e feriu muitas centenas desde 7 de outubro.

Israel tem nas suas prisões milhares de palestinianos sem culpa formada, vítimas de torturas e humilhações. São homens, mulheres, jovens e crianças. Sim, os militares de Israel prendem crianças de 12 anos.

Na Cisjordância e em Jerusalém Oriental, Israel instala colonatos ilegais para roubar as terras e as casas dos palestinianos e são esses colonos que, com o apoio do Exército, atacam e aterrorizam as populações palestinianas.

Os ministros e responsáveis militares de Israel não escondem os seus propósitos genocidas contra a população da Palestina. O racismo e a limpeza étnica são assumidos em declarações públicas. O sofrimento inenarrável que impõem ao povo palestiniano é motivo de escárnio até em publicações oficiais.

Autoridades em todas matérias, civis e militares, continuam a desfilar nas televisões portuguesas repetindo a cartilha de que Israel tem o direito de matar quem, quando e como quiser, porque tem o direito de se defender.

No Conselho de Segurança das Nações Unidas, os Estados Unidos vetaram uma Resolução que pediam um cessar-fogo em Gaza e negociações para a libertação dos reféns. Só os Estados Unidos e Israel se opuseram à Resolução.

Na Assembleia Geral das Nações Unidas 153 países aprovaram uma Resolução pelo cessar-fogo em Gaza. Só os Estados Unidos, Israel e mais 8 países votaram contra. Israel e os Estados Unidos estão de um lado, o da guerra e do genocídio. A Humanidade está do outro, o da paz e do respeito pelos Direitos Humanos.

Nos últimos 75 anos Israel já violou mais de 140 Resoluções das Nações Unidas. É um Estado pária, mas ninguém lhe impõe sanções.

Na Palestina há um povo colonizado por um país colonizador. Há um povo sob ocupação de um país ocupante que impõe um regime de apartheid e que assassina impunemente homens, mulheres e crianças. Dizem que é a única democracia do Médio Oriente. Estranho conceito de democracia.

Israel não é o Estado dos judeus nem os representa. É um Estado baseado numa ideologia assumidamente racista e supremacista, o sionismo.

No mês passado a Assembleia da República iluminou-se com as cores da bandeira de Israel por decisão do PS, do PSD, do CH, da IL, do PAN e do Livre. É uma vergonha que lhes ficará colada à pele para a posteridade.

Os “ocidentais” apoiam ou assistem de poltrona ao genocídio do povo palestiniano, dizendo que a solução no futuro tem de passar por dois Estados, sabendo que Israel não só se recusa a aceitar essa solução como faz tudo, impunemente, para a inviabilizar.

E apesar de tudo, os países “ocidentais” continuam a apoiar Israel, com armas e com apoio político e mediático, porque é uma democracia e, apesar de ser o ocupante, tem o direito de se defender.

Se houvesse alguma autoridade moral do “ocidente” para dar lições ao resto do mundo em matéria de democracia e direitos humanos, teria morrido na Palestina.

2023 21 18

https://expresso.pt/opiniao/2023-12-18-A-tragedia-moral-do-ocidente-9f87646e


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