A ação do Estado Judaico na
Palestina, o genocídio em Gaza e a destruição da Cisjordânia constitui um ato
que os seus autores pretendem que seja o ato final do direito de origem divina
de Povo Eleito à Terra Prometida, a provocar um Armagedeão em termos do Antigo
Testamento bíblico. Os dirigentes judaicos justificaram e justificam com o
Antigo Testamento da Bíblia e com o seu deus Javé a ocupação manu
militari de mais este território da Terra Prometida a Abraão há quatro
mil anos. Sem a dimensão religiosa não é possível entender a política do Estado
de Israel, o discurso e o comportamento dos seus dirigentes e a atitude de
arrogância que revelam perante aa comunidade internacional (gentios) e até
contra os seus protetores americanos.
No entanto, no Ocidente cristão
esta guerra santa, equivalente a uma cruzada ou uma jhiad, está a
ser quase exclusivamente analisada sob o ponto de vista técnico, como um
historicamente vulgar conflito tendo por base os interesses de grupos
políticos, económicos e sociais, interesses estratégicos de poder global
envolvendo superpotências e potências regionais. Como mais uma “guerra” das
muitas em que o Ocidente se tem envolvido desde que se reconstituiu após a
queda do império romano, tendo o cristianismo como base ideológica e
civilizacional.
No entanto esta é uma guerra de
rutura civilizacional, que coloca em causa as raízes mais profundas da nossa
civilização, que promove a substituição dos valores do cristianismo e do Novo
Testamento pelo judaísmo e pelo Velho Testamento, o retrocesso de uma
civilização de abertura, que o cristianismo foi e daí a sua universalidade, por
uma civilização fechada, racista e suprematista como é o judaísmo.
O que nos tem sido apresentado
pelos grandes meios de manipulação são episódios da violência inerente a
qualquer confronto armado, com a particularidade da utilização de meios
desproporcionados, da impiedade e da ausência de limites, ou de misericórdia. Os
autores do guião da ação do Estado de Israel em Gaza e na Cisjordânia e os
especialistas contratados para a analisar pretendem inculcar a ideia de que a
atual ação militar contra as populações palestinianas faz parte do “direito de
defesa de Israel”, pelo que o mundo estaria perante um facto recorrente, apenas
um pouco mais sangrento, mas sem que nada de essencial tenha sido alterado. O
discurso dominante, mesmo quando especializado, encontra-se delimitado pela
análise da arte da guerra: aniquilação do inimigo através do genocídio, ou por
uma conjugação de massacre e sujeição dos vencidos aos princípios e leis dos
vencedores.
Podemos chocar-nos com o
genocídio dos palestinianos executado a frio e com justificações de aberrante
hipocrisia em nome dos interesses do Ocidente americano, mas do ponto de vista
estratégico e operacional, como referem os comentadores militares, a operação
está a decorrer muito bem e conforme o planeado. Nada de novo: Delenda
Carthago! — Cartago tem de ser destruída! — assim terminava Catão os
discursos fosse qual fosse o assunto. O mesmo afirmam Netanyahou e os seus
camisas negras em todas as ocasiões: Delenda o Hamas! — Delenda Gaza, a
Cisjordânia! Até surge nas notícias o picante de que os alvos são selecionados
pela Inteligência Artificial, o que, numa segunda leitura, reduz os pilotos dos
aviões, os artilheiros, os manipuladores de drones a imbecis que se limitam a
seguir a inteligência das máquinas. Mas como é em nome da promessa da posse da
Terra Prometida, tudo se desculpa e nenhum desses seres invocou problemas de
consciência.
Há, contudo, uma outra análise
que deve (devia) ser feita e que remete para a profundidade das raízes desta
ação de Israel — da vingança histórica e milenar que ela materializa contra o
Ocidente. O Ocidente está a dar a oportunidade de ouro para a realização do
mais extraordinário ato de vingança contra si próprio desde a instauração do
cristianismo como religião do império romano decretado no século IV por
Constantino, dentro do princípio cujus regio, ejus regio — a
religião do príncipe é a religião do país.
Independentemente das convicções
religiosas de cada um é inegável a importância das religiões na organização das
sociedades e na vida dos seres humanos. Para criar instituições políticas, o
primeiro obstáculo é o de superar a desconfiança geral do grupo. Não se pode
organizar um sistema político estável se a população, ou pelo menos uma parte
dela, não aceita a autoridade de um chefe. A resposta mais eficaz a este
desafio foi concentrar a autoridade religiosa e a do chefe político e militar.
Estabelecer a religião como fonte da autoridade política. O primeiro registo
desta ideia parece ser o do faraó Akenaton (1350 a.C), que se declarou
emissário de um único Deus, Aten, a única ponte entre o humano e divino. A
associação do poder de base militar e religiosa teve consequências para a
religião, que se tornou parte da organização política.
A criação dos deuses e das
religiões constituem as mais importantes descobertas do ser humano, mais
importantes que a descoberta da roda, do fogo ou da escrita. O ser humano não
quer apenas viver, tem necessidade de dar sentido à vida. A religião é um dos
espaços para dar sentido à vida e os deuses são criações do homem, têm real
existência. Quando um piloto judeu larga uma bomba do seu avião sobre Gaza em
nome do seu deus, esse deus existe, mata e venceu o deus que não salvou os seus
fiéis palestinianos. O deus dos cruzados europeus que atacaram o Templo de
Jerusalém e mataram os que lá se encontravam a ponto de o sangue dar pelos
jarretes dos cavalos existia e venceu o deus que lá estava. Os deuses existem,
têm criador e, infelizmente, os criadores de deuses são por norma os mais
ambiciosos e sem escrúpulos dos homens, que os utilizam para lhes servirem de
instrumento de domínio.
A dimensão religiosa desta ação
do Estado judaico devia e deve estar no centro das análises, porque é ela que,
em última instância, determina o futuro de todos os envolvidos e, desde logo,
do Ocidente que fornece as armas e o apoio político e ideológico a quem se bate
por um deus que é o seu e que há dois mil anos foi derrotado pelo deus do
Ocidente.
O Estado de Israel tem o judaísmo
por infraestrutura ideológica. Pelo seu lado, o Ocidente, a partir do édito de
Milão e da “conversão” de Constantino, validou o cristianismo como religião
oficial, colocando o judaísmo na situação de seita responsável pela morte e
sacrifício do novo Deus de Roma. Durante séculos, até ao nazismo, os judeus
foram tidos no imaginário ocidental como um povo-vítima, pacífico, perseguido,
estigmatizado, que se deixava sacrificar sem luta. O judaísmo era uma religião
de mansos que viviam em guetos e aí celebravam os seus rituais. O Ocidente
ignorou a violência genética do judaísmo e do seu deus, Javé. Não pareceu
surpreendido com o terrorismo que os judeus praticaram logo que tiveram a
oportunidade de reunirem uma massa critica adequada primeiro no protetorado
britânico da Palestina, que evoluiria para Estado de Israel sob os auspícios
das Nações Unidas, atribuindo as práticas dos seus grupos terroristas à
necessidade de defesa e ao seu direito de existência. Não era: o judaísmo é geneticamente
violento, por ser exclusivista, racista e negacionista do outro, por se assumir
como a prova de que é a ideologia de um povo eleito, superior.
O grande sofisma utilizado pela
elite judaica no coração do Ocidente para se confundir com ele e o tomar por
dentro tem sido o de que o cristianismo é uma “continuação” do judaísmo (uma
justificação que também serviria para o islamismo…) e o instrumento culminante
dessa manobra de continuidade do cristianismo a partir do judaísmo foi o Estado
de Israel, promovido pelo movimento sionista, aproveitando as condições do
pós-Segunda Guerra.
Na realidade, o cristianismo é
uma nova religião que nasceu e se desenvolveu em confronto direto e irredimível
com o judaísmo. Durante dois mil anos o convívio entre as duas religiões teve
episódios de grande conflitualidade — a Inquisição, os pogrom e
o nazismo — alternando com outros de coexistência mais ou menos tolerada
segundo os interesses do momento, em especial nos momentos de aperto financeiro
dos soberanos cristãos.
O facto de duas famílias judaicas
dominarem desde o século XVIII o sistema financeiro mundial, o coração do
sistema capitalista, as duas praças mundiais, os Rothschild em Londres (e
também Frankfurt) e os Rockfeller em Nova Iorque fez com que o judaísmo,
enquanto formatador civilizacional, aparelho ideológico e legitimador de
comportamentos fosse parasitando e metastesiando o corpo principal da
civilização ocidental, tendo o cristianismo como base dos seus princípios.
Segundo o Antigo Testamento da
Bíblia, pelo qual se regem os judeus, o pacto entre eles e Javé, o seu deus,
teria começado com Abraão, há cerca de 4 mil anos. Este foi chamado por Deus
para deixar a cidade de Ur, na Mesopotâmia e ir fundar uma nova nação num terra
desconhecida, a Terra Prometida, que seria chamada de Canaã. O deus que
apareceu a Abraão rompia com a tradição politeísta dos gregos, e colocava-se na
posição omnipotente de exigir o que quisesse. No caso de Abraão, ordenou-lhe
que sacrificasse o seu filho Isaac como prova de fé, isto é, de sujeição.
O Javé do Antigo Testamento (o
Pentateuco, para os judeus) não tem semelhanças com o pai protetor que mais
tarde o cristianismo iria propagar como sendo o seu Deus. Javé é um deus
brutal, parcial e assassino, um deus de guerra, que seria conhecido como Javé
Sabaoth, Deus dos Exércitos. Manda pragas aos egípcios, mostra-se até
arrependido da sua criação, como quando ordenou a morte por afogamento de toda
a humanidade através do dilúvio, do qual só escapou a família de Noé e os
animais que colocou na arca. Javé, o deus dos judeus, está mais preocupado em
ameaçar a raça humana para que ela não se desvie das instruções que entregou a
Moisés do que em criar condições de paz e de harmonia, de felicidade e de
justiça. Javé é passionalmente partidário do seu povo eleito, os judeus, e tem
pouca misericórdia pelos não favoritos. É uma divindade tribal.
A narrativa de continuidade entre
o judaísmo e o cristianismo foi destruída por Paulo de Tarso, ao estabelecer
que o cristão se justificava pela fé e não pela obediência à lei judaica, nem à
sua ascendência judaica, que os gentios, os não judeus, se podiam converter,
abrindo o cristianismo a novos espaços. Paulo tirou Jesus Cristo da pequena
gaiola de um messias para o povo hebreu, ou de mais um profeta, transformando-o
num salvador de todos os povos. Javé, esse continuou ligado apenas ao povo
hebreu, enquanto Cristo ganhava um caráter universal. Javé continuou a ser o
deus carrancudo dos judeus e o cristianismo transmitiu a imagem de um deus bem
mais amistoso que Javé.
Na tradição judaica estava muito
claro que o homem devia temer a Deus acima de tudo. Com o cristianismo, a
mensagem passa a ser amar a Deus acima de tudo. A diferença entre o judaísmo e
o cristianismo é a mesma entre temer e amar. É esta escolha que está em causa
com a ação de Israel na Palestina e em que os dirigentes ocidentais estão a
tomar o partido do Deus do medo, defensor de um pequeno povo de eleitos contra
a humanidade. O “direito de Israel a defender-se” tem o sentido de direito
divino a destruir ou subjugar todos os que não são os eleitos, incluindo nós,
os que lhe fornecemos as armas e a complacência.
O que o Estado de Israel está a
realizar perante o mundo e em nome do Ocidente é a morte do Deus dos cristãos,
do Deus que, apesar das violências cometidas em seu nome, permitiu que surgisse
um humanismo cristão, que produziu um Santo Agostinho, um São Francisco, que
permitiu a recuperação do conceito de um deus moral, em oposição ao deus
brutal.
A vitória nas guerras foi sempre
a vitória dos deuses dos vencedores. A vitória de Israel na Palestina é a
vitória do deus dos judeus sobre o deus dos muçulmanos, mas também sobre o deus
dos cristãos. O deus moral representado por Cristo podia oferecer uma via para
que as sociedades cooperassem, evitando ofender um poder superior atento ao seu
comportamento em relação aos demais. Javé, o deus dos judeus exclui o
compromisso. E essa exclusão é evidente no discurso dos dirigentes judaicos.
Mesmo para quem, como eu, entende
a religião apenas como uma dimensão simbólica do comportamento humano e a
religiosidade como um sistema produtor de normas e culturas inerentes a
qualquer sociedade, quer a religião, quer a religiosidade são fatores constitutivos
e estruturantes da vida humana. Não me é, pois, indiferente, muito pelo
contrário, ser regido pelas normas de Javé ou de Cristo, de ser regido pelo
Velho Testamento, pelo Alcorão ou pelo Novo Testamento. Não é a mesma coisa ser
não crente numa divindade numa civilização que tenha por deus Javé ou Alá,
entre judeus e muçulmanos, ou sê-lo numa civilização que tenha Cristo por
referência.
Impressiona-me a ausência de
pensamento no interior do cristianismo sobre o conflito judaico-cristão, que
coloca em causa a nossa civilização. Preocupa-me que estejamos a ir atrás do
canto das sereias do conflito com os muçulmanos, encadeados que estamos pelo
domínio dos poços de petróleo do Médio Oriente e dos eixos de ataque à Rússia,
a primeira barreira a ser ultrapassada para os Estados Unidos enfrentarem a
China. Entendo ser uma cegueira perigosa e criminosa o Ocidente abdicar do seu
Deus e dos seus valores, trocando-o por Javé, o velho carrancudo, vingador e
sem piedade.
Além dos palestinianos, é também
o cristianismo que está debaixo de fogo neste Natal na Palestina. Quem invoca
um deus para justificar o genocídio na Palestina não me merece respeito.
Repugna-me a corrupção dos que traficam o seu deus com eles. Dos católicos, dos
anglicanos, dos luteranos, das igrejas evangélicas, dos cardeais de Roma, dos
televangelistas americanos, dos vendedores de dízimo brasileiros nem uma
palavra!
Para ser claro: à vingança dos
judeus por dois mil anos de humilhação pela derrota de Javé, os cristãos
respondem agora com a traição ao seu Deus. Falta-nos um Shakespeare!
2023 12 23
https://cmatosgomes46.medium.com/a-derrota-do-deus-do-ocidente-68a58fecb0c5
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