segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Miguel Tamen - Plano Nocional de Leitura

* Miguel Tamen

Colunista do Observador, Professor (e director do Programa em Teoria da Literatura) na Universidade de Lisboa


Plano Nocional de Leitura (XV)

O que faz do livro de Oliveira Martins um livro de história não é parecer-se mais ou menos com um romance. É, como em toda a grande história, dar voz ao que pessoas achavam que se podia estar a passar

Plano Nocional de Leitura (XIV)

Bernardim Ribeiro é o autor de um poema maravilhoso onde imagina que em alturas especiais, quando alguns diriam ‘eu sou,’ é preferível dizer ‘eu estou’, apesar de a gramática recomendar o contrário.


Plano Nocional de Leitura (XIII)

Ao contrário dos anões, que acabam sempre por fazer as pazes com quem lhes mexe nas coisas, Camilo Pessanha parece ter razões para continuar a temer essa mãe morta, que insiste em aparecer-lhe em casa

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Plano Nocional de Leitura (XII)

D. João era um animal complexo: ora vezes explica o que o move, ora esfaqueia quem lhe desagrada. O mérito de Fernão Lopes é ter sido o primeiro autor português que se interessou por animais complexos

Plano Nocional de Leitura (XI)

Pode não ser despropositado fingir sentimentos que não temos; mas que razão teríamos para fingir sentimentos que já temos? É como fingir que temos uma piscina na nossa casa com piscina.

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Plano Nocional de Leitura (X)

Não é de excluir que o Padre António Vieira achasse que durante a hora anterior não tinha estado realmente a falar: e que por isso não tinha estado a mandar mensagens, a convencer pessoas.


Plano Nocional de Leitura (IX)

A razão por que não é possível sair de Lisboa, percebe-se no fim, é porque Lisboa é um cemitério. Poucos reparam nisso: depois de tantas coisas pitorescas e de um poema tão comprido, a atenção dormita

Plano Nocional de Leitura (VIII)

O susto desta ermida, porém, e a aflição da pessoa que lá está, são peculiares; não são preparados nem explicados; e muito menos o poeta nos comunica que já previra que tudo aquilo deveria acontecer.

Plano Nocional de Leitura (VII)

Contar a história não mostra que se prestou atenção ao romance, ao filme, à peça ou ao poema: só mostra que se tentou contar uma história; e uma certa impaciência com tudo o que não seja a história.


Plano Nocional de Leitura (VI)

Os poemas são no fundo colecções de coisas parecidas, que provêm dos armazéns de parecenças onde as vamos buscar; e nesses armazéns há artigos de toda a espécie: rimas e frases, barulhos e explicações


Plano Nocional de Leitura (V)

As frases de Camões foram escritas há muito tempo; e é normal que aqueles que acham que as devem tentar perceber não as percebam muito bem. São versos difíceis. O único remédio é prestar-lhes atenção.

Plano Nocional de Leitura (IV)

A literatura, acredita-se nos gabinetes, é como um guia turístico, um requerimento administrativo, ou um manual de história: um meio para tratar de outros assuntos embora com frases longas ou difíceis


Plano Nocional de Leitura (III)

Um contemporâneo de William Wordsworth declarou que os poetas são os “legisladores oficiosos deste mundo.” Não temos a certeza de que assim seja, ou que sempre seja assim.  

Plano Nocional de Leitura II

A inveja é uma emoção reprovável que não imaginamos poder sentir; e que imaginamos prontamente nos terceiros que haja por perto. O nosso consenso sobre a inveja é realmente sobre os outros.

Plano Nocional de Leitura I

Seria insólito que nas seis horas imediatas à leitura de um bom romance todos tivéssemos desenvolvido um impulso irresistível para praticar o bem.

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