segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Amílcar Correia - Novo símbolo do Governo gera críticas à direita e ameaças ao seu autor


DESIGN

Novo símbolo do Governo gera críticas à direita e ameaças ao seu autor

O escudo, as quinas e os castelos não constam do novo logótipo do Governo, para que este “não se torne uma cópia ou uma adaptação livre da bandeira original”

Amílcar Correia

25 de Dezembro de 2023, 19:09

Personalidades da direita e da extrema-direita portuguesa criticaram o novo logótipo do Governo, porque a sua identidade gráfica foi descrita como “inclusiva, plural e laica”, e porque nele não figuram “os sete castelos, as cinco quinas, as chagas e a esfera armilar” da bandeira nacional.

Paulo Portas, José Miguel Júdice, Manuela Ferreira Leite, Nuno Melo ou André Ventura foram algumas dessas vozes que se insurgiram contra a nova identidade visual do Governo, que desencadeou um coro violento de críticas nas redes sociais, e esteve na origem de várias ameaças ao seu autor, o designer Eduardo Aires, que, entretanto, apresentou queixas às autoridades judiciais.

Houve quem amaldiçoasse a ideologia woke (expressão que descreve uma perspectiva progressista em que há preocupações de igualdade de género, religiosa, bem como para com as pessoas LGBTQ e de diferentes etnias) que estaria subjacente a esta alteração. E quem achasse que “este novo logótipo que decretaram representar o nosso país, sem nos perguntar, não respeita a história de um dos mais antigos países da Europa”.

Pacheco Pereira tem sido excepção: “Esta é uma típica questão suscitada pela direita radical que não tem hoje muitas oportunidades para ser nacionalista, e prolongada por ignorância, ou por equívoco, pela direita em peso e pela ala direita do PS”, escreveu na revista Sábado.

O designer Eduardo Aires recorda que o logótipo governamental começou a ser amplamente utilizado aquando da Jornada Mundial da Juventude, e que teve outro momento de grande exposição na entrega do Orçamento do Estado, mas que as críticas só surgiram depois da demissão do primeiro-ministro, em Novembro.

“É um facto que as críticas”, afirma ao PÚBLICO, “só surgiram depois disso: elas são de uma profunda ignorância, porque não têm a percepção da complexidade do projecto, nem da síntese de criação de um logótipo com esta natureza”.


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Exemplo de utilização do símbolo nas redes sociais D.R.

O facto de as críticas só terem surgido neste momento levam-no a concluir que a transição entre o anterior e o actual logótipo tenha sido uma evolução tranquila e a questionar se são indissociáveis da presente fase política do país. Luís Montenegro, líder do PSD, associou-se aos críticos desta mudança e já se comprometeu a alterar o símbolo, caso tome posse como primeiro-ministro.

Mas, afinal, que logótipo é este? A nova imagem é formada por uma coluna verde à esquerda, um círculo amarelo ao centro, numa reconfiguração sintética da esfera armilar, e uma segunda coluna vermelha à direita.

Os elementos verde e vermelho são colocados na mesma proporção em que surgem na bandeira portuguesa, que data da instauração da República e que tanta celeuma provocou na época, com Guerra Junqueiro a liderar o grupo dos críticos da opção final.


“Nas suas cores e na sua geometria são encontrados os argumentos visuais que melhor conseguem associar o símbolo à bandeira, sem a desvirtuar ou copiar”, lê-se no respectivo manual de identidade visual. O escudo, as quinas e os castelos não constam do novo símbolo, para que este “não se torne uma cópia ou uma adaptação livre da bandeira original” e possa ser uma “forma abstracta, isenta, para assim representar o executivo da República Portuguesa”.

Todos os órgãos de soberania têm os seus próprios símbolos. O da Presidência da República apenas tem o verde como fundo e o da Assembleia exibe simplesmente um desenho a preto e branco da respectiva fachada. É frequente que os organismos públicos, nomeadamente governos, recorram a uma linguagem visual que não seja um decalque preciso da bandeira nacional. Segundo Eduardo Aires, os Países Baixos e o Reino Unido são dois dos melhores exemplos de logótipos que não reproduzem a bandeira das respectivas Nações.

“Não é uma questão de ideologia”​

“O Governo não se identifica com a Nação e os símbolos nacionais são sempre reconstruções”, começa por dizer o politólogo João Adelino Maltez. “A República na sua via patriótica, imperialista, passou a [esfera] armilar a símbolo nacional para substituir a coroa. Há quem goste e quem não goste!”, diz.


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Exemplo da nova tipografia do Governo. DR

João Adelino Maltez observa que “este símbolo, pelo menos, tem a vantagem de não confundir o Governo com a Nação” e tem, também, “a vantagem de ser simples”. Maltez nota que a oposição “transformou isto quase numa traição à pátria, o que não tem graça nenhuma”. “Portugal pode ter muitos problemas, mas não o da identidade nacional: o ‘sou mais patriota do que tu’ já deu o que tinha a dar.” Em suma, sintetiza o politólogo, “é um problema técnico, não é uma questão de ideologia”. “Quem deveria discutir isto”, sugere, “eram os especialistas”.

A intenção do Eduardo Aires Studio foi criar um logótipo que se comportasse correctamente segundo as especificidades de cada canal de comunicação, seja o email ou a newsletter, seja o PowerPoint ou um post numa determinada rede, a pensar na sua legibilidade num computador, telemóvel, mupi ou em qualquer outro dispositivo ou evento.

O referido manual de identidade gráfica estipula a utilização do logótipo em cada uma das várias situações, determinando regras gráficas e de paginação, com a “uniformização da natureza da informação e a sua hierarquização, para um Governo que assim fala no mesmo tom e na mesma linguagem gráfica”.

Ou seja, os 19 ministérios e os vários organismos públicos obedecem às mesmas regras de comunicação, o que até Maio último não acontecia, quer do ponto de vista gráfico, quer do ponto de vista da tipografia. O símbolo do Governo manteve-se inalterável nos últimos 12 anos (a sua criação data de um Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas).



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Imagem do logótipo anterior DR

“Nos sites, nas redes sociais, nos grupos de conversação, nas aplicações mobile e em todas as plataformas digitais (que não existiam há 12 anos), a marca do Governo tem de se comportar tão bem como a de qualquer outro país, entidade ou empresa. Ou melhor”, explica João Cepeda, director de comunicação do Governo. O objectivo foi criar uma “representação do Governo e não do país”. “Do executivo e não da bandeira. Nunca da bandeira.”

João Cepeda acrescenta que “a expressão em que se baseiam as críticas nunca fez parte desse manual e portanto nunca quis fazer parte de qualquer narrativa pública. É retirada de um documento interno para as entidades tuteladas, com orientações técnicas sobre a aplicação da nova marca”.

O director de comunicação do executivo sublinha que “em nenhuma parte desse documento se afirma que a nova identidade visual da República Portuguesa se afirma ‘mais’ inclusiva, plural e laica. Apenas assume esses atributos, porque é suposto que toda a comunicação da República o faça; e uma imagem simplificada, mais genérica, que apenas usa as cores e as formas ao ponto de tornar o país reconhecível, é por inerência uma imagem mais plural, com menos valores simbólicos e limitada ao papel executivo de um Governo”.

A criação do logótipo foi secundada pela encomenda de dois tipos de letra, um para o logótipo em si e outro para o corpo de texto, da autoria de Dino dos Santos. Isto quer dizer, sublinha Eduardo Aires, que, contrariamente a algumas críticas que lhe foram feitas, esta mudança de identidade visual teve preocupações económicas, uma vez que os novos tipos de letra “podem ser empregues ad aeternum”.

Eduardo Aires é professor de Design na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e um dos profissionais mais premiados em Portugal. Aires já venceu o D&AD, o European Design Awards e o Graphis Design Award. Este designer colaborou com a Fundação de Serralves e com a da Gulbenkian, com o Esporão ou com a Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Um dos trabalhos mais recentes, e ao mesmo tempo mais conhecido e premiado, foi a identidade visual da cidade do Porto.

tp.ocilbup@aierroca

https://www.publico.pt/2023/12/25/politica/noticia/novo-simbolo-governo-gera-criticas-direita-ameacas-autor-2074740

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