Novo símbolo do Governo gera críticas à direita e ameaças ao seu autor
O escudo, as quinas e os castelos não constam do novo logótipo do Governo, para que este “não se torne uma cópia ou uma adaptação livre da bandeira original”
25 de Dezembro de 2023, 19:09
Personalidades da direita e da extrema-direita portuguesa criticaram o novo logótipo do Governo, porque a sua identidade gráfica foi descrita como “inclusiva, plural e laica”, e porque nele não figuram “os sete castelos, as cinco quinas, as chagas e a esfera armilar” da bandeira nacional.
Paulo Portas, José Miguel Júdice, Manuela Ferreira Leite, Nuno Melo ou André Ventura foram algumas dessas vozes que se insurgiram contra a nova identidade visual do Governo, que desencadeou um coro violento de críticas nas redes sociais, e esteve na origem de várias ameaças ao seu autor, o designer Eduardo Aires, que, entretanto, apresentou queixas às autoridades judiciais.
Houve quem amaldiçoasse a ideologia woke (expressão que descreve uma perspectiva progressista em que há preocupações de igualdade de género, religiosa, bem como para com as pessoas LGBTQ e de diferentes etnias) que estaria subjacente a esta alteração. E quem achasse que “este novo logótipo que decretaram representar o nosso país, sem nos perguntar, não respeita a história de um dos mais antigos países da Europa”.
Pacheco Pereira tem sido excepção: “Esta é uma típica questão suscitada pela direita radical que não tem hoje muitas oportunidades para ser nacionalista, e prolongada por ignorância, ou por equívoco, pela direita em peso e pela ala direita do PS”, escreveu na revista Sábado.
O designer Eduardo Aires recorda que o logótipo governamental começou a ser amplamente utilizado aquando da Jornada Mundial da Juventude, e que teve outro momento de grande exposição na entrega do Orçamento do Estado, mas que as críticas só surgiram depois da demissão do primeiro-ministro, em Novembro.
“É um facto que as críticas”, afirma ao PÚBLICO, “só surgiram depois disso: elas são de uma profunda ignorância, porque não têm a percepção da complexidade do projecto, nem da síntese de criação de um logótipo com esta natureza”.
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Exemplo de utilização do símbolo nas redes sociais D.R.
O facto de as críticas só terem surgido neste momento levam-no a concluir que a transição entre o anterior e o actual logótipo tenha sido uma evolução tranquila e a questionar se são indissociáveis da presente fase política do país. Luís Montenegro, líder do PSD, associou-se aos críticos desta mudança e já se comprometeu a alterar o símbolo, caso tome posse como primeiro-ministro.
Mas, afinal, que logótipo é este? A nova imagem é formada por uma coluna verde à esquerda, um círculo amarelo ao centro, numa reconfiguração sintética da esfera armilar, e uma segunda coluna vermelha à direita.
Os elementos verde e vermelho são colocados na mesma proporção em que surgem na bandeira portuguesa, que data da instauração da República e que tanta celeuma provocou na época, com Guerra Junqueiro a liderar o grupo dos críticos da opção final.
“Nas suas cores e na sua geometria são encontrados os argumentos visuais que melhor conseguem associar o símbolo à bandeira, sem a desvirtuar ou copiar”, lê-se no respectivo manual de identidade visual. O escudo, as quinas e os castelos não constam do novo símbolo, para que este “não se torne uma cópia ou uma adaptação livre da bandeira original” e possa ser uma “forma abstracta, isenta, para assim representar o executivo da República Portuguesa”.
Todos os órgãos de soberania têm os seus próprios símbolos. O da Presidência da República apenas tem o verde como fundo e o da Assembleia exibe simplesmente um desenho a preto e branco da respectiva fachada. É frequente que os organismos públicos, nomeadamente governos, recorram a uma linguagem visual que não seja um decalque preciso da bandeira nacional. Segundo Eduardo Aires, os Países Baixos e o Reino Unido são dois dos melhores exemplos de logótipos que não reproduzem a bandeira das respectivas Nações.
“Não é uma questão de ideologia”
“O Governo não se identifica com a Nação e os símbolos nacionais são sempre reconstruções”, começa por dizer o politólogo João Adelino Maltez. “A República na sua via patriótica, imperialista, passou a [esfera] armilar a símbolo nacional para substituir a coroa. Há quem goste e quem não goste!”, diz.
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Exemplo da nova tipografia do Governo. DR
João Adelino Maltez observa que “este símbolo, pelo menos, tem a vantagem de não confundir o Governo com a Nação” e tem, também, “a vantagem de ser simples”. Maltez nota que a oposição “transformou isto quase numa traição à pátria, o que não tem graça nenhuma”. “Portugal pode ter muitos problemas, mas não o da identidade nacional: o ‘sou mais patriota do que tu’ já deu o que tinha a dar.” Em suma, sintetiza o politólogo, “é um problema técnico, não é uma questão de ideologia”. “Quem deveria discutir isto”, sugere, “eram os especialistas”.
A intenção do Eduardo Aires Studio foi criar um logótipo que se comportasse correctamente segundo as especificidades de cada canal de comunicação, seja o email ou a newsletter, seja o PowerPoint ou um post numa determinada rede, a pensar na sua legibilidade num computador, telemóvel, mupi ou em qualquer outro dispositivo ou evento.
O referido manual de identidade gráfica estipula a utilização do logótipo em cada uma das várias situações, determinando regras gráficas e de paginação, com a “uniformização da natureza da informação e a sua hierarquização, para um Governo que assim fala no mesmo tom e na mesma linguagem gráfica”.
Ou seja, os 19 ministérios e os vários organismos públicos obedecem às mesmas regras de comunicação, o que até Maio último não acontecia, quer do ponto de vista gráfico, quer do ponto de vista da tipografia. O símbolo do Governo manteve-se inalterável nos últimos 12 anos (a sua criação data de um Governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas).
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Imagem do logótipo anterior DR
“Nos sites, nas redes sociais, nos grupos de conversação, nas aplicações mobile e em todas as plataformas digitais (que não existiam há 12 anos), a marca do Governo tem de se comportar tão bem como a de qualquer outro país, entidade ou empresa. Ou melhor”, explica João Cepeda, director de comunicação do Governo. O objectivo foi criar uma “representação do Governo e não do país”. “Do executivo e não da bandeira. Nunca da bandeira.”
João Cepeda acrescenta que “a expressão em que se baseiam as críticas nunca fez parte desse manual e portanto nunca quis fazer parte de qualquer narrativa pública. É retirada de um documento interno para as entidades tuteladas, com orientações técnicas sobre a aplicação da nova marca”.
O director de comunicação do executivo sublinha que “em nenhuma parte desse documento se afirma que a nova identidade visual da República Portuguesa se afirma ‘mais’ inclusiva, plural e laica. Apenas assume esses atributos, porque é suposto que toda a comunicação da República o faça; e uma imagem simplificada, mais genérica, que apenas usa as cores e as formas ao ponto de tornar o país reconhecível, é por inerência uma imagem mais plural, com menos valores simbólicos e limitada ao papel executivo de um Governo”.
A criação do logótipo foi secundada pela encomenda de dois tipos de letra, um para o logótipo em si e outro para o corpo de texto, da autoria de Dino dos Santos. Isto quer dizer, sublinha Eduardo Aires, que, contrariamente a algumas críticas que lhe foram feitas, esta mudança de identidade visual teve preocupações económicas, uma vez que os novos tipos de letra “podem ser empregues ad aeternum”.
Eduardo Aires é professor de Design na Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto e um dos profissionais mais premiados em Portugal. Aires já venceu o D&AD, o European Design Awards e o Graphis Design Award. Este designer colaborou com a Fundação de Serralves e com a da Gulbenkian, com o Esporão ou com a Imprensa Nacional – Casa da Moeda. Um dos trabalhos mais recentes, e ao mesmo tempo mais conhecido e premiado, foi a identidade visual da cidade do Porto.
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