segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Carlos Coutinho - Erosão frutuosa

*  Carlos Coutinho

HÁ muito que eu trocava da melhor vontade todas as consoadas por qualquer sensoada, visto que, no mínimo, uma ceia de comezaina destravada a soar a superstição é sempre de uma noite que soa mal aos ouvidos de alguém como eu que tenho passado a vida a ouvir dislates, além de arrotos e outros ruídos estomacais.

Em contrapartida, uma refeição sem coisa soada pode ser alegremente um repasto sem barulhos indesejáveis, dentro ou fora de casa.

Verifico e registo que por entre palavras mortas há palavras a germinar, como julgo que também pensa o linguista Salikoko Mufwene, para quem “falar da evolução da linguagem não é uma metáfora”.

Teve, aliás, o arrojo de criar uma teoria geral das espécies aplicada à comunicação e parece que não foi tempo perdido. Disse mesmo que “há palavras inglesas noutras línguas, porque, provavelmente, é mais fácil transmitir o significado com as palavras inglesas do que com as palavras indígenas. Mas também é uma forma de mostrar que alguém está atualizado no conhecimento do mundo.”

É, de resto, o que vão fazendo muitos decisores, muitos analistas encartados, muitos comentadores e muitos estrategas de café.

Mas quem sou eu ara falar destas coisas, quando vejo que até o profissionalismo é uma forma de avacalhar a natureza humana, dando como vantagem a capacidade de um fulano ser cada vez menos genuíno e cada vez mais a máquina especializada e afunilada para um ofício?

Penso até na origem do nome António que comecei por encontrar na onomástica lusitana como a marca de um genial orador barroco e andarilho que fixou o tecido da minha língua, movendo-se sob uma válvula achatada de um molusco bivalve marinho da família Pectinidae a que ainda chamamos vieira.

Na verdade, António, segundo o Ciberdúvidas, é “talvez o nome mais popular da antroponímia portuguesa, permanece de origem obscura, se bem que alguns lhe encontrem etimologia etrusca que deu em latim ‘antonius’, “inestimável”, ou etimologia grega, ‘anthonomos’, o ‘que se alimenta de flores’.

É certo que existia já em Roma, designando uma ‘gens’ famosa da qual o mais conhecido é Marco António”, mas daí a admitir que um certo António de Santa Comba se alimentava de flores, embora andasse sempre encostado a uma cerejeira que floria no Patriarcado de Lisboa, vai uma distância enorme.

E isto sem ter em conta a vila de Vieira de Leiria, onde em tempos me refugiei por uma semana, quando a PIDE, ainda sem saber o meu nome, andava à minha procura, por motivos que não são agora para aqui chamados.

Vale a pena saber que a área desta freguesia é constituída por dois elementos geológicos e que um deles, representado por uma cobertura de areias de praia e de areias e dunas, ocupa toda a faixa litoral. Podem também ser incluídos neste conjunto moderno os aluviões do Lis. Na margem sul deste rio, entre as dunas do litoral, a faixa aluvial é muito estreita e os aluviões penetram numa depressão interdunar situada junto à praia de Vieira.

Mas, se um António pode ser padre e até jesuíta, como pôr em dúvida as suas profecias, incluindo as mais estapafúrdias, como a do Quinto Império, coisa universal e sob a égide de Portugal?

2023 12 25


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