DÚZIA e meia de
pessoas à mesa. Isto não é uma sala de jantar familiar - é um refeitório de
comilões. Vou tentar preservar-me da voracidade geral e tentar ficar-me pelos
queijos e queijinhos das entradas.
A bacalhauzada
com batatas, couves e broa, ao gosto dos anfitriões, corre bem com um espumante
rosé - um reserva talvez pensado para a classe média endinheirda.
Dois goles na
altura própria, bem antes da sobremesa ultravariada em que não toquei. E
ninguém viu que eu já tinha dado por cumprida a minha missão nesta consoada.
Mais exatamnte, nesta comezaina desbragada.
Como raramente
alguém olha para mim ou me interpela, ninguém pôde aperceber-se de que o meu
pensamento andava longe, pelas faldas do Marão, com pinarras e garranos à
solta, com águias e aibões no ar, com muita miséria e muita superstição na
minha aldeia e nas outras todas à volta. Do que havia agora de me lembrar?
De sentidos
proibidos, das palavras castiças que caíram em desuso, de estratégias
pedagógicas, etc.
Chegada a troca
das prendas, apareceu de tudo – do útil ao fútil, barato é que nada. E o meu
pensamento voltou para o tempo quem nem sei como restaurar na memória.
Vejamos.
“Nunca as mãos
lhe doam”, dizia-se antigamente à pessoa que, sem recorrer aos tribunais para
meter alguém na ordem, ia às fuças desse alguém, com aparente justiça e sentido
da urgência disciplinar.
Por exemplo, a
mãe ou o pai que tivesse afinfado uns tabefes bem dados na cara ou um valente
cascudo no cachaço de um filho malcriadão ou ratoneiro de cozinha ou de
salgadeira, estaria a caminho de merecer o respeito de toda a população.
Hoje – e com
alguma razão – dir-se-ia que se trata de um caso típico de violência doméstica,
ou, pior ainda, de uma situação deplorável de justicialismo arcaico.
Enfim, sem
perorar por conta própria, sempre direi como um certo Luís Vaz que só via de um
olho: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…”
Tenho, no
entanto, a certeza de que a minha avó paterna nunca aceitaria que, por exemplo,
se desse o nome de Sicó a uma serra, porque no tempo dela sicó era o nome de um
instrumento musical de percussão com a forma quadrada, ou, por identificação
cultural, a dança ao som dessas coisas de antanho.
E muito menos
aceitaria que o nome de Arganil fosse dado a uma simpática terra, já que podia
confundir-se com arganel, aquele arame que se espetava e dobrava no nariz de um
leitão já crescidote que se acabasse de ir comprar ao Viso, para que ele não
desatasse a fossar na pocilga, então conhecida por loja do reco.
Mas é a tal
coisa – mudam-se os tempos… E a forma de consoar.
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