sábado, 16 de dezembro de 2023

Carlos Coutinho - Burrices

* Carlos Coutinho 
 

LEMBRO-ME de há muitos anos ter feito a revisão final do “O Burro de Ouro”, do genial Apuleio, para a Editorial Estampa, onde conheci pessoalmente o Herberto Hélder que me havia recomendado para essa tarefa, não sei com que fundamento.

“Metamorfoses” (do latim Metamorphoseon libri XI, provavelmente a denominação original) ou “O Burro de Ouro” (Asinus aureus, título dado por Santo Agostinho em “De Civitate Dei”, XVIII, 18) é um romance de Apuleio (século II d.n.e.), o único romance da literatura latina integralmente preservado e, juntamente com “Satyricon, de Petrónio, (este apenas parcialmente preservado) constitue a única realização do romance antigo em latim.

Embora o tema da magia seja central na narrativa, a obra não é citada na “Apologia sive pro se de magia”, a alegação do autor, quando julgado sob a acusação de prática de magia, em 158.

Por isso, presume-se que a elaboração do romance seja posterior a essa data, sendo composto das aventuras burlescas e fantásticas de um homem que se vê transformado num inteligentíssimo burro.

Posteriormente, como é bem sabido, Boccaccio, Cervantes e Fielding elaboraram adaptações livres dessa obra.

A edição princeps foi impressa em Roma, em 1469.

Para que conste.

P. S. – E agora um petisco para quem goste de provar e saborear iguarias exóticas.

Em “O Burro de Ouro”, Lucius, o narrador, faz uma viagem de até a Tessália para tratar de negócios. Na cidade de Hipata, hospeda-se na casa de Milo, proeminente cidadão que era amigo de um amigo de Lucius.

Há rumores de que Panfília, esposa de Milo, é uma bruxa que costuma transformar-se em diferentes criaturas para fugir de casa e ter casos extraconjugais com jovens da cidade. Também se diz que ela transforma aqueles que a dececionam em coisas estranhas, tais como pedras ou vacas.

Morrendo de curiosidade por ver tais prodígios, Lucius decide unir o útil ao agradável. Seduz Fotis, a lúbrica criada dos seus anfitriões, e convence-a a levá-lo secretamente ao quarto de Panfília que é onde ocorrem os encantamentos.

Lucius observa Panfília a esfregar um unguento na pele e a lentamente se transformar numa coruja. Depois que ela deixa o quarto, voando pela janela, Lucius convence Fotis a deixá-lo experimentar o unguento mágico em si mesmo.

Após Fotis garantir saber de um contrafeitiço, ele despe suas roupas e esfrega o unguento na pele. Para sua surpresa, ao invés de se transformar numa ave, converte-se num jerico.

Lucius não consegue admoestar Fotis, já que perdera a voz humana.

Fotis, alias, garantira saber também aplicar um contrafeitiço para as transformações em asnos. Segundo ela, Lucius precisa apenas de mastigar algumas pétalas de rosa para voltar a ter a forma humana, imediatamente. Embora Fotis normalmente prepare guirlandas de rosas para as suas aventuras amorosas na cama, esta noite ela se esquecera de colhê-las. Assim, Lucius terá que esperar no estábulo até que ela possa procurar algumas rosas, logo pela manhã.

Entretanto, ladrões invadem a casa de Milo a meio da noite e roubam os seus bens de valor, além de todos os cavalos e asnos presentes no estábulo, inclusive o infeliz Lucius.

Começam então as suas divertidas desventuras, com Lucius tentando encontrar e comer pétalas de rosas para voltar a ser um homem, já que tinha conseguido escapar-se dos ladrões. Queria ser apanhado por qualquer outra pessoa, o que não conseguiu.

Em paralelo com a narrativa principal – Lucius tentando recuperar sua forma humana –, são contadas diversas histórias curtas, ouvidas a outras personagens pelo narrador.

Após muitas aventuras e escapar a uma particularmente “malvada”, a cristã, Lucius é vendido a uma dupla de cozinheiros, que descobrem que ele é inteligente e decidem usá-lo para ganhar dinheiro.

A fama deste incrível asno que gera ouro espalha-se por toda a região e Lucius começa a ser procurado por algumas mulheres que têm um fetiche muito curioso.

Depois de suportar toda forma possível de humilhação, Lucius volta finalmente à forma humana, graças à intervenção da egípcia deusa Ísis, da qual ele se torna sacerdote, ou discípulo, ou apóstolo em estilo cristão.

 

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