domingo, 31 de outubro de 2021
* JM Correia Pinto,
* (Texto publicado hoje, 31/10/2021, no Facebbok)
Vou tentar fazer aqui uma breve síntese das motivações da crise e do que verdadeiramente subjaz à actuação os diversos intervenientes.
Contrariamente ao que tem acontecido com os postes anteriores em que faço o possível por ser fiel aos factos, embora dê deles a minha interpretação, neste post, baseado nas minhas percepções, actuarei com mais liberdade, não relativamente aos factos, que continuarei a respeitar, mas à sua interpretação e acima de tudo às conclusões que deles tiro.
Assim, hoje estou inclinado a supor que toda a actuação do Governo foi ditada pelo propósito de ir para eleições. Costa estava cansado das reivindicações e propostas que os seus parceiros lhe vinham apresentando e que estavam a constituir um verdadeiro empecilho à sua governação e aos seus propósitos futuros.
Quanto ao Bloco, Costa já o tinha deixado “cair”, desde que terminou a última legislatura, não dando seguimento a nenhuma das suas demandas. Enquanto continuasse a conseguir ter o PCP a seu lado, não precisava de Bloco para nada.
Quanto ao PCP, Costa percebeu que passada formalmente a situação pandémica, o PCP iria ser mais assertivo no cumprimento dos compromissos assumidos e formular novas exigências que ele já não estaria disposto a satisfazer, principalmente por terem um fundo ideológico contrário ao fundamentalismo neoliberal de Bruxelas, não tanto pelo seu peso orçamental, nulo em alguns casos, mas mais por colocarem o PS numa rota ideológica não inteiramente coincidente com a de Bruxelas. Por outro lado, Costa consolidou uma ideia que factos anteriores já indiciavam consubstanciada no seguinte: se o Governo Socialista continuar a elogiar o entendimento à esquerda, se continuar a fazer a apologia deste tipo de experiência, com elogios variados mas significativos ao PCP, o PS (por intermédio do seu Governo) adquirirá à esquerda uma respeitabilidade e consideração que nunca antes tivera. E isso, como se está a ver, rende votos, muitos votos, entre o eleitorado de esquerda, entre o povo de esquerda. Portanto, a melhor forma de tentar ganhar a maioria absoluta, é ir agora para eleições, como desfecho “pesaroso”, que o Governo não deixará de “lamentar”, como muito “lamenta” esta divergência à esquerda por ser uma das mais belas experiências políticas que em Portugal se viveram depois do 25 de Abril. É isto que, por palavras dele, ouvimos de Costa e vamos continuar a ouvir até ao último dia da campanha eleitoral.
Com este avanço à esquerda, o que ao PS interessará é também conservar o centro. Um argumento importante para conservar o centro é deixar passar a ideia de que, no interesse do país, não cedeu nem satisfez as exigências despesistas da esquerda. E a outra forma de conservar o centro é deixar fazer subir o Chega à custa do PSD. E mesmo que Rio porventura saia, esse centro também não estará em causa por o discurso de Rangel ser, como se já viu, suficientemente à direita para assustar a parte do centro tradicionalmente PS.
E por tudo isto estou hoje levado a supor que é por Marcelo ter intuído esta manobra que as eleições antecipadas não serão verdadeiramente do seu agrado. Tanto por uma questão de correlação de forças entre ele e o PM como entre a direita e o PS. Daí também as ameaças e diligências, umas atabalhoadas e até contraproducentes, e outras de autêntico “queijo Limiano” na versão “bailinho da Madeira”, umas e outras ditadas pela preocupação de impedir a rejeição do orçamento.
Do lado da direita, toda partida interiormente, este era o único momento que verdadeiramente lhe não convinha para haver eleições, salvo para se conservarem no poder aqueles que o têm ameaçado. Embora as contas que tenham que prestar no dia seguinte ao das eleições sejam bem mais difíceis de aceitar do que aquelas que prestariam na situação em que agora se encontram. Mas como não tinham alternativa, tiveram que votar contra.
Do lado do Bloco a decisão parece já estar tomada desde o ano passado e ela assenta na ideia muito simples de que lhe rende muito mais estar na oposição a um governo PS pontualmente mantido no poder com o apoio do PCP do que estar a fazer grandes esforços e cedências para se manter na periferia da governação.
A posição do PCP era a mais difícil. O PCP percebia o que se estava a passar e os prejuízos que a sua atitude lhe acarretava, mas sabia também que este “canto de sereia” do Governo, além de lhe assegurar uma respeitabilidade numa parte muito significativa da população portuguesa, embora não traduzível em votos, lhe permitia aqui e ali impedir o que de mais grave de outro modo poderia acontecer, mais do que as vantagens directas que colhia da sua posição. Dai que todas as contas feitas tenha também facilmente chegado à conclusão de que os prejuízos que o seu afastamento agora lhe poderia trazer serão muito inferiores aos que teria se continuasse com o PS até ao fim da legislatura. Assim, deixa uma mensagem muito clara de que não poderá o PS contar mais com ele nas mesmas condições em que tem contado desde o fim de 2015 até hoje, mas, por outro lado, como se foi vendo tanto no Parlamento como nos múltiplos debates em que participou, deixou a porta aberta para outro tipo entendimentos mais avançados com o PS na base de compromissos mutuamente aceites e respeitados.
Publicada por JM Correia Pinto à(s) 18:04
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